segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Alvo da torcida, Cadu quer título para cessar vaias e confessa: 'Já chorei'

A reação é quase tão rápida quanto o "batmóvel" no qual Carlos Eduardo desfila pelas ruas do Rio de Janeiro - um Mercedes SLS que vai de 0 a 100km/h em 3.4 segundos. Basta entrar em campo para o camisa 20 ser "brindado" com sonoras vaias no Maracanã, muitas vezes sem nem tocar na bola. As atuações não são mais apagadas como no começo da passagem pelo Flamengo. As idas e vindas na equipe já se transformaram em condição de intocável com Jayme de Almeida, mas o meia-atacante segue sendo o único "porém" na relação de lua de mel da torcida com o time que deixou para trás uma temporada que se desenhava como trágica e está a um 0 a 0 do título da Copa do Brasil. Contratação mais cara de uma diretoria que iniciou o ano propagando corte de gastos, Cadu carrega o peso das cifras (tem o maior salário do elenco) que o transformou em alvo por não repetir em 2013 o futebol que o transformou em sensação seis anos antes, no Grêmio.

Quarta-feira, às 21h50m (de Brasília), o Flamengo recebe o Atlético-PR no Maracanã. A possibilidade do tricampeonato fez com que o torcedor esgotasse os ingressos com uma semana de antecedência. Promessa de apoio incondicional ao time, e expectativa para Carlos Eduardo. A julgar pelo que se tornou rotina no Rio de Janeiro, vaias cairão sobre sua cabeça desde o anúncio da escalação no telão, como aconteceu neste domingo diante do Corinthians. Tem sido assim, independentemente do que faça em campo. Nada, porém, que o afete mais. Tranquilo, admite o desconforto, mas encara de frente a situação que já o fez pensar em não entrar em campo

- É difícil. A bola nem chega e já estão vaiando. Em muitos momentos, já pensei, indo para concentração, em pedir para ficar fora, mas sei que sou importante. Sei que posso ajudar o grupo. Eu mereço estar no grupo, eles merecem o meu apoio, e isso me dá alegria, vontade de estar em campo e esquecer muitas coisas. As pessoas falam que não sabem como eu consigo jogar, mas já passei por muitas dificuldades, e todo mundo passa por um momento ruim. É um aprendizado grande, e sei que vou sair dessa.

Mosaico Carlos Eduardo (Foto: André Durão) As muitas expressões de Carlos Eduardo e o carrão com o qual desfila pelas ruas do Rio (Fotos: André Durão)

Emprestado pelo Rubin Kazan até meados de 2014, Cadu tem 40 partidas pelo Flamengo e um gol - fora de casa, contra o Cruzeiro, pelas oitavas de final da Copa do Brasil. Apesar das críticas externas, o camisa 20 é um dos jogadores mais queridos no elenco e internamente há uma "corrente" para que seja o herói diante do Furacão.

O meia recebeu o GLOBOESPORTE.COM em sua casa, na Barra de Tijuca, com a mesma tranquilidade que encara as vaias. De sorriso fácil e um ar de timidez, disse que se cobra tanto quanto o torcedor, sabe que pode dar mais, revelou que o trauma pela lesão que o afastou dos gramados por dois anos ainda interfere em suas decisões em campo, falou da expectativa para ser campeão e admitiu ter chorado por tudo que viveu nos conturbados 11 meses de Gávea.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

GLOBOESPORTE.COM: Depois de um ano muito complicado em que poucos apostavam no Flamengo, o que representa terminar a temporada nesta decisão?
Carlos Eduardo: Representa tudo. Durante o ano, tivemos momentos muito difíceis e essa final mostra que o grupo se uniu bastante e trabalhou muito. No momento em que estávamos mal, vimos que tínhamos jogadores de qualidade e podíamos sair daquela situação difícil. Estamos de parabéns pelo que conquistamos e o trabalho do professor Jayme foi importante para essa evolução. Ajudou muito para estarmos onde estamos.

Individualmente, ser campeão no Flamengo é diferente?
É o sonho de qualquer jogador no mundo. Estou tendo essa oportunidade, é uma equipe que tem milhões de torcedores, uma grandeza e, se ganharmos, vai ser algo que vou levar para o resto da vida. Não só eu, mas minha família também.


 Você chegou ao Flamengo com uma grande expectativa e as coisas demoraram a acontecer. Com o Jayme, você é titular absoluto, ele passa confiança mesmo com as vaias. Como você encara esse momento? 
Pelo que me conheço, falta muito ainda. Passei por momentos muito difíceis no Flamengo, não consegui demonstrar o que sei, mas o Jayme me dá total confiança, conversa muito comigo desde que cheguei. Ele e o Cantarelle até brincam comigo: “E aí, gauchinho? Vai me ajudar?”.  A confiança que ele me passa dentro e fora de campo me dá tranquilidade, fala que sou um jogador importante, que seguro a bola na frente. Assim, fui arriscando mais e estou me sentindo mais à vontade.

Tinham uma imagem de você como um jogador insinuante, de dribles, pelo que você jogou no Grêmio. No Flamengo, você é mais cadenciado, faz o jogo andar. Você mudou na Europa ou foi a questão física mesmo?
Foi mais pelo problema no joelho. Fiquei  praticamente dois anos sem jogar futebol, foi muito difícil, e assim qualquer jogador voltaria sem confiança. Voltei a jogar ainda inseguro, ainda sinto um pouco de dor, o que é normal pela gravidade da lesão, e era algo que eu já sentia um ano antes de operar. Já na Seleção, eu reclamava com o médico. Na Alemanha, falei com o médico e ele disse que era tendinite. O jogador com uma dorzinha vai jogar, mas na frente vi que estava me prejudicando bastante e meu nível caiu. Fui ao médico do Bayern de Munique, ele me examinou, colocou a mão na cabeça e disse: “Não sei como você ainda está jogando futebol. Como você aguenta essa dor?”. Às vezes, sentia dor até dirigindo por dobrar a perna. Mas estou curado, graças a Deus, e isso é o mais importante. Com uma boa pré-temporada, as coisas vão melhorar.

Por que levou tanto tempo esse processo de recuperação?
O médico do Rubin Kazan queria fazer um tratamento regenerativo, só com remédio, sem fazer nada. Depois de um mês, fui aos médicos do Grêmio e do Inter, que me deram o diagnóstico de operação. Eu e meu empresário falamos com o médico do Rubin, mas ele disse não. Fui para Alemanha tratar, ficava nessa de ir para lá e vir para o Brasil. Depois de um ano, o médico disse que achava que teria que operar. Foi quase um ano perdido. A partir daí, falei com o Jorge Machado (empresário) que iria operar no Brasil, que não ia dar meu joelho para um cara que não me operou em um ano. Depois de quatro, cinco meses, voltei a treinar, a jogar e logo tive férias. Foi quando vim para o Flamengo.

Apesar de curado, você diria que o trauma por tudo que passou, a questão psicológica, ainda interfere no seu futebol? Te impede de ser o jogador que arriscava mais?

Interfere um pouco. Têm bolas que antes eu ia para dentro e agora opto por dar um passe. Se não estiver com a cabeça boa, uma bola para ir para dentro o jogador vai tocar para o lado, vai fazer o mais fácil. Prejudica um pouco.

Como você vê essa rejeição da torcida? Às vezes, o time está ganhando, todo mundo sendo aplaudido e existem vaias para você.
É difícil, mas eu passei por muitas dificuldades na minha vida. O Flamengo está sendo um aprendizado muito grande, amadureci uns cinco, seis anos neste período. Está sendo bom. Pelas vaias, está sendo ruim, mas pessoalmente está sendo bom. O grupo é sensacional, são pessoas muito boas e que me dão total apoio, confiança. Isso me fortalece mais ainda.

No começo, as coisas não estavam acontecendo realmente, mas você acha que neste momento, com o time bem, há um exagero? Você acha que está pagando pelo começo?
Com certeza. Até falo com meu empresário que demorei a entrar, a mostrar meu futebol, e é claro que está sendo difícil. O torcedor tem total direito de vaiar, é fanático e quer ver o melhor da equipe, do jogador, e todos sabem do meu potencial. Essa cobrança é para isso. Às vezes, estou no shopping, ou até em redes sociais, e eles falam: “Arrisca mais, tenta chutar”. Até amigos sonham com meu gol na final. Isso é legal, me dá força. Me apego muito nisso, em quem me apoia e torce para mim. O Jayme também conversa bastante, fala da minha importância, e tudo isso me fortalece.

No futebol, às vezes um jogador que é muito criticado e acaba como herói, dá a volta por cima em um momento importante. O Amaral é uma prova disso. Você pensa em fazer um gol nessa decisão?
Todo jogador sempre pensa, na concentração a gente fica imaginando o lance que pode fazer. É claro que sonho em chegar na final e fazer o gol do título, mas o mais importante é o grupo, o Flamengo levantar essa taça, que é muito importante. O grupo passou por dificuldades muito grandes, falavam que não tínhamos qualidade,  e estamos mostrando que não é bem assim. O futebol é mais difícil a cada dia, mas trabalhando as coisas acontecem.

Como foi para você saber que o Flamengo pensou em te devolver?
Fiquei triste, um pouco chateado. Estou aqui, focado, trabalhando com a cabeça no Flamengo. Meu empresário falou que recebeu alguns e-mails, mas o gol contra o Cruzeiro deu uma acalmada nessas conversas. Claro que quando soube foi difícil, mas meus pais estavam aqui, me deram forças, e falaram que era bom passar por esse momento. Está sendo uma escola muito boa.


Em algum momento, quando você foi dormir, bateu o desespero, chegou a pensar na solução para as coisas que não estavam acontecendo?
Muitas vezes. Até porque, tenho minha autocrítica, sei onde posso chegar, o que posso render, e esse tempo parado me prejudicou bastante. O jogador que volta da Europa sempre sofre, eu mais ainda, por causa da lesão. Passei por momentos difíceis, chorei. Sou um cara que fica muito sozinho. Quando estou triste, fico sozinho e guardo para mim. Em alguns momentos, desabafo. Vou para o banho, choro, e isso é bom. A tristeza me dá mais força para continuar trabalhando.

O que te fez chorar foi uma autocrítica pelas coisas não acontecerem ou as vaias?
Ah, tudo, né? Mais também porque as coisas que eu fazia antes, agora sofria para fazer. Isso me deixou muito triste.

Você falou que pensa em gol na final e muitos jogadores já falaram que desejam que você seja o herói. Se externamente há muita resistência, internamente te dão muito carinho. Esse apoio é fundamental?
Esse grupo tem sido maravilhoso comigo. Todo mundo sabe a dificuldade que estou passando, muito chegam em mim e falam: “Não sei como você está aguentando isso”. Eles vêm que em muitos jogos eu vou bem e não falam isso, falam que estou andando no campo. Se você analisar meu scout, vai ver coisa boa. O Léo Moura, Chicão, Felipe, André Santos... São pessoas que me dão confiança. O Felipe até brincou e disse que se eu fizer gol vai sair correndo para me abraçar. É uma coisa boa para mim, me fortalece. Claro que é difícil chegar em campo e receber a vaia sem a bola nem chegar em mim. É difícil, mas tento esquecer. Penso na minha família, no que já passei na vida. Isso, sim, me dá muita força.

De alguma forma, isso te inibe no Maracanã?
É difícil. A bola nem chega e já estão vaiando. Em muitos momentos, já pensei, indo para concentração, em pedir para ficar fora, mas sei que sou importante. Sei que posso ajudar o grupo. Eu mereço estar no grupo, eles merecem o meu apoio, e isso me dá alegria, vontade de estar em campo e esquecer muitas coisas. As pessoas falam que não sabem como eu consigo jogar, mas já passei por muitas dificuldades e todo mundo passa por um momento ruim. É um aprendizado grande e sei que vou sair dessa.

Tudo isso coloca em risco os próximos seis meses no Flamengo, antes do fim do contrato? No momento, estou pensando em ganhar esse título. Isso que é importante para mim, para o Flamengo, para minha família. Minha mãe me liga todo dia, meu pai está muito nervoso, ele gosta de se fechar no quarto, assistir ao jogo sozinho, minha mãe gosta mais de ir (ao estádio), mas tem problema de nervosismo. Mas se ela for ao Maracanã e ouvir as vaias, vai ficar mais triste ainda. Melhor ficar lá em Porto Alegre com o pensamento positivo de que vai dar tudo certo.

O torcedor às vezes reclama que você não marca campo, não se dedica... Como você encara isso? Não só o torcedor, mas pessoas dentro do Flamengo já falaram isso, que no Flamengo em alguns momentos devemos tirar a técnica e ajudar bastante, que o torcedor gosta de ver carrinho, disposição. Acho que talvez falte um pouco de mim nisso, demonstrar um pouco mais de sangue, mas talvez se eu der um carrinho vou quebrar o cara e ser expulso. Mas agora é focar nos jogos finais, é trabalho, trabalho, e ajudar o Flamengo.

No começo dessa conversa, você falou que pode dar mais. Falta o que para o Carlos Eduardo ser o jogador que você mesmo conhece?
Acho que falta um pouco de individualidade, ser mais agressivo. Em alguns momentos, não tenho confiança ainda. Até o Pavanelli, preparador físico, fala: “Vai! Você tem potencial, tem parte física, tem tudo”. Mas têm bolas que não acredito e, se tenho a opção, dou o passe. Falta isso de mim, buscar mais o um contra um. Com certeza, arriscando mais o futebol vai aparecer mais. Tenho que chutar a gol, isso eu perdi bastante. Preciso ser um pouco mais ousado.

Você fez apenas um gol pelo Flamengo, fala-se pouco dele, mas foi determinante para que chegasse nesta decisão da Copa do Brasil...
Foi muito importante. Gol fora na Copa do Brasil ajuda bastante, aquele gol foi assim, e eliminamos a equipe que joga o melhor futebol do Brasil, joga bonito e tem jogadores de muita qualidade. Foi legal. Fiquei muito feliz por ter ajudado. Sei que posso ajudar mais, mas estou feliz por jogar direto e tentar ajudar o Flamengo.

Nas ruas, a recepção é mais de apoio do que de crítica, ao contrário do que acontece na arquibancada?
Muito mais. Falam para arriscar, que eu sou bom, sei jogar, devo chutar a gol, tentar jogadas individuais. O legal é que são comentários para ajudar.

Como você espera encontrar o Maracanã quarta-feira?

Vai estar daquele jeito, lotado. É uma final em que ninguém esperava que íamos chegar e estamos aí. Demonstramos que em jogos importantes temos potencial para brigar com times que estão no topo da tabela no Brasileiro e crescemos em jogos difíceis, junto com a torcida, que vai em peso. Isso deixa o time adversário um pouco sem confiança.


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