Ponderado?
De língua sem freio, Emerson Sheik não polemizou durante as primeiras
entrevistas coletivas em sua segunda passagem pelo Flamengo, iniciada em
16 de junho. No início de papo exclusivo com o GloboEsporte.com que
teve duração de 37 minutos, o jogador seguia a mesma linha.
Pois é, seguia. Na primeira resposta, perguntado justamente a respeito
da fase light, creditou o comportamento à maturidade - completa 37 anos
em setembro. Esclarecia questão por questão sem qualquer problema, mas
só abriu a caixa de ferramentas aos 21 minutos de conversa. O velho
Sheik entrou em cena - e de sola - quando o mau momento do futebol
brasileiro foi abordado. Responsabilizou um "bando de vagabundos" por
ter feito, em sua opinião, que o Brasil tenha deixado de ser o "país do
futebol'. Segundo ele, a CBF "ainda é uma vergonha". Também voltou a
bater forte no presidente do Fluminense, Peter Siemsen, e detonou o
Estádio das Laranjeiras, ao qual tratou como "curral".
O
olho de Sheik brilhou ao falar do Flamengo e do alcance que a dupla de
ataque e o time podem ter na competição. Emerson espera dar continuidade
à reação para que os flamenguistas não se restrinjam a ficar feliz por
sair de perto da zona de rebaixamento. E mesmo 16 pontos atrás do líder
Atlético-MG, não desiste do sonho de
conquistar o Brasileiro - em 2009, fez parte do início da campanha do
título rubro-negro. Defensor de Cristóvão, o atacante também negou
qualquer atrito com Guerrero, contrariando o que disse o colunista Léo
Dias, de "O Dia". E encarnou no companheiro.
- Ele não sabe
falar português direito (risos). Ele fala "cão" e não caô (da música),
tem aquele cabelo morto, mas é gente boa. É feio, mas é maneiro. E joga
muito (risos).
De costas para a Lagoa Rodrigo de Freitas,
Sheik pegou no pé de Rodrigo Caetano, atacou novamente o presidente do
Fluminense, Peter Siemsen, e provocou o Vasco, negando a "sacanagem de
Edmundo", que conta a versão de que Sheik frequentava São Januário
quando pequeno e era chamado de Marcinho vascaíno.
- Isso corre
aqui (aponta para a veia do braço e bate), minha história condiz com a
do Flamengo. Eu sou vencedor - provocou, para não perder o costume, o
Sheik flamenguista.
Confira o bate-papo abaixo:
Sheik, você anda um pouco mais calado e menos polêmico. É maturidade alcançada?
Como
todos me conhecem, sou cara de personalidade muito forte, falo tudo
aquilo que eu entendo que seja verdade. Mas já há um bom tempo adotei
postura um pouquinho diferente, não deixando de opinar nem de colocar
minha cara na hora que entendo que seja importante, mas adotei postura
diferente. Talvez a maturidade também tenha colaborado.
Tem inspiração em grandes frasistas, como Romário e Renato Gaúcho?
Eu
sou dessa geração aí. Do Renato, Edmundo e Paulo Nunes, que falavam
também o que pensavam. Do Romário também. Acho que o futebol perdeu um
pouco isso, às vezes as pessoas levam de uma forma diferente, até
entendem de maneira desrespeitosa, agressiva, mas não vejo assim. Como
quase tudo muda, o esporte também, faz falta. Foram craques do passado
dentro e fora de campo. Digo isso pela maneira que levavam a vida, nunca
esquecendo do trabalho, de estar sempre tentando dar o melhor dentro
das quatro linhas, mas também vivendo. Acho que hoje o jogador de
futebol se limita muito ao trabalho e esquece um pouco do lazer. Eu não
consigo. Sou comprometido com o meu trabalho e tento levar vida normal
como qualquer pessoa comum. Tento ter, né, na medida do possível.
Gosta de um chopinho, né? Mas parece estar sempre seco. Se cuida para seguir bem fisicamente?
Sempre
tomei maior cuidado com isso, até porque trabalho com meu corpo e tenho
que estar bem para jogar. Tem os horários e os dias certos de fazer
isso, a nossa vida é muito corrida, tem concentração, viagem, treino de
segunda a segunda. Então tem que tomar cuidado quanto a isso porque não
faz bem. Nos meus momentos de folga, dentro da minha casa, com minha
família, melhores amigos, a gente se diverte também, mas ainda assim de
maneira moderada para não cometer o exagero. O "mais" nunca é legal. Tem
que ter controle até para isso.
Toma cuidado nas férias?
Não,
nada. Meu cuidado maior é com o álcool mesmo, sou chato quanto a isso.
Mas nas minhas férias não treino. Só durante o calendário, que é longo e
exige muito. Aí tenho cuidado com a bebida, que é fundamental e vale
muito.
O que mudou do Emerson, um desconhecido em 2009, para o consagrado agora em 2015?
A
personalidade e a maneira de tratar as pessoas são as mesmas. O fato de
ser conhecido hoje não mudou absolutamente nada pelo respeito, de ver
as pessoas como ser humano. É óbvio que tem o lado profissional, até por
tudo que aconteceu nesses cinco, seis anos de conquista. Mudou muito, o
reconhecimento é maior, já não posso mais estar em todos os lugares que
gostaria de estar. Mas tento levar vida comum como qualquer cidadão
normal.
Você disputou o Sul-Americano sub-20 em 99 com
Ronaldinho, Dodô, França... Pensou em como seria a vida se ficasse no
Brasil em vez de ir para o Japão (em 2000, aos 22 anos)?
Já
pensei muito, mas acho que Deus faz as coisas certinhas, por mais que a
gente esteja errado. Ser humano é muito falho, mas dou graças a Deus
por tudo que aconteceu e da maneira que aconteceu. Óbvio que lá atrás
poderia ser diferente, vendo todos esses caras que estiveram comigo no
Sul-Americano fazendo grande sucesso, em grandes clubes. Eu pensava,
sim. Hoje entendo que tudo que aconteceu comigo tinha que acontecer. Não
me arrependo de absolutamente nada. De nenhum clube, nenhum país. Me
deu mais maturidade, mais experiência como homem.
O colunista Léo Dias, de "O Dia", disse que você e Guerrero não se dão bem. Procede?
(risos)
Não deveria nem responder porque isso é um absurdo, mas vou responder
em função de tudo que está acontecendo com ele (Guerrero), pelo sucesso
dele. Léo Dias, você é meu amigo, tá? Fecha! (Guerrero) É um cara
extremamente do bem, que trabalha para caramba, cara amigo. Fiquei com
ele no Corinthians quase três anos e meio. É um cara querido por todo
mundo, e não estou falando de diretoria, comissão técnica e jogadores.
Os funcionários também (gostam de Guerrero). Ele merece muito mais. Além
de ser um craque, é muito do bem, merece mesmo. Não tenho muito o que
falar. A gente é "brother" para caramba. Então não tem história,
pergunta para ele. Nunca tive problema nem nada. Só quero fazer meu
negocinho ali, só quero ganhar. Que tudo fique para ele. Ele merece para
caramba, e a música dele é irada.
Ele tem dificuldade de aprender português?
Ele
é muito fraco, não sabe falar português direito (risos). Ele fala "cão"
e não caô, tem aquele cabelo morto dele, mas é gente boa. É feio, mas é
maneiro. E joga muito (risos).
O Flamengo já teve o
"melhor ataque do mundo" (com Sávio, Romário e Edmundo) que fracassou.
Até onde essa dupla pode chegar? Já é o melhor ataque do Brasil?
Acho
que ainda não porque, para ser o melhor, precisa que um grupo todo
funcione, de um bom meio de campo, de uma boa defesa. E para a defesa
ser boa precisa da colaboração do ataque, então todo um conjunto precisa
funcionar. Acredito não só na dupla, mas no que está se formando. Sonho
alto demais, sou um cara que não gosta de estar por estar, gosto de
conquistar, ser diferente, marcar. Acho que todo o time pode chegar
longe e já nesse Brasileiro. Ganhamos dois jogos, fizemos boas atuações,
mas ainda não é o que pode ser e o que deve ser. Mas, por ser o
Flamengo, a gente tem que parar de ficar feliz de sair da zona de
rebaixamento para começar a ser feliz entre os quatro primeiros.
Em
2009, o Flamengo chegou a ficar afastado do G-4 - na 21ª rodada, última
antes do início da arrancada, a diferença para o líder do Fla, então
10ª colocado, era de 11 pontos para o Palmeiras. Você diz que só pensa
em coisas grandes. O panorama é o mesmo agora. Acha que é possível
repetir aquele "milagre"? O heptacampeonato é palpável?
Não
sei se foi milagre, pode ter sido com a ajuda de Deus. Foi com
trabalho, dedicação e entrega de um grupo e da comissão. Eu acredito,
sonho alto e sou otimista para tudo que faço. Vejo o Flamengo hoje
crescendo, um torcedor que não sei se está empolgado ou feliz, mas que
tem uma importância muito grande. E também vejo um treinador
completamente compromissado em fazer o melhor, um cara que vive o clube,
que chega antes de todo mundo, que estuda o melhor treino, a melhor
estratégia. É um cara que se dedica integralmente ao clube a fim de que
se encontre a melhor forma de jogar. Acredito que, com essa pegada e
todos comprometidos, a gente possa sonhar com coisas maiores.
Você
conheceu o Cristóvão em 2009, lá no Al-Ain, quando ele era auxiliar. Já
via nele um potencial para grande treinador? Criou-se uma grande
amizade desde então?
A proximidade entre brasileiros
fora do país é natural, mas não nos tornamos grandes amigos. Mas sempre
que falei do Cristóvão me referi ao lado profissional dele, porque já
havia trabalhado com ele. É um cara competente, inteligente, que não faz
as coisas de maneira aleatória. Briguei por ele talvez por ser mais
velho e deveria ter dito aquilo. Vejo os atletas muito confiantes no
trabalho dele, então me senti muito à vontade para falar. É um cara que
sabe o caminho para alcançar o melhor. Eu acredito muito nele, talvez o
que a diretoria do Flamengo fez com o Cristóvão nesse momento sirva de
exemplo para os outros clubes. A gente tem essa cultura de que o
treinador perde dois jogos e que tem de mandar embora. Não é por aí,
não, e é muito difícil mandar o atleta ir embora. Quando ganha, todo
mundo ganha. Quando perde, todo mundo perde. Tem que lembrar que quem
entra dentro das quatro linhas é o jogador.
O
que acontece com o futebol brasileiro? Está atrasado? O Brasil perdeu
na Copa do Mundo e na Copa América. É problema de geração não tão boa,
não há avanços táticos?
Acompanho, sim, essa confusão
toda que vem acontecendo. De tudo que escuto, há uma palavra que talvez
resuma essa confusão toda que vem sendo o nosso futebol, também não sei
se a geração ajuda muito. Planejamento é algo que falta há muitos anos. A
seleção brasileira pagou por isso e por situações que são mais difíceis
de entender. É uma pena para nós, que estamos envolvidos com futebol,
vermos tanto vagabundo roubando, tanta gente errada... Quem perde é o
povo brasileiro, porque é a nossa paixão, os atletas... O país do
futebol talvez não seja mais o país do futebol. Isso não é por conta dos
atletas, mas por conta desse bando de vagabundos que atrapalha. Se eu
começar a falar, vai dar m... Mas é feio de se ver.
A CBF ainda é uma vergonha?
É uma vergonha muito grande para todos nós, não só os atletas, mas para todo o povo brasileiro.
E o Brasil: é uma vergonha?
Acho
que o Brasil não é uma vergonha. Por tudo que a gente escuta e vê,
talvez um pedaço de Brasília seja uma vergonha. Os nossos políticos não
têm aprovação, se envolvem em escândalos, tirando saúde, educação e
dinheiro de quem precisa. Mas só vamos falar, não tem perspectiva de
mudança porque eles gostam de roubar.
Em 2012, depois do
título da Libertadores, você falou em mais quatro anos de carreira. Esse
ano seria 2016. Mas na apresentação ao Flamengo, o Rodrigo Caetano
falou que te contratou pensando em renovar por alguns anos. O que você
já pensou sobre isso e o que imagina para fazer depois de parar? Vai
virar empresário, político?
Iam me matar (sobre se seria
político). Estou me sentindo muito bem. O que conta hoje no futebol
moderno é a parte física. O craque, o Zico, o camisa 10, hoje é muito
difícil de se encontrar. A parte técnica ainda tem importância, mas a
parte física é muito mais importante. Com meu biotipo, que ajuda
bastante, e os cuidados que tenho, eu me vejo jogando por mais um
período. Vou falar uma coisa que nunca falei para ele, mas acho que o
Rodrigo estava bem desconfiado na minha vinda. Mas a gente conseguiu em
tão pouco tempo fechar um relacionamento de confiança, foi muito bacana.
Ele é um cara que me agrada. Ele não tem curva, fala na cara. Vejo
grandeza em pessoas assim.
Já
que citou o Rodrigo, fala-se que em 2011 você teve uma proposta do
Vasco em que o Rodrigo bateu o pé por causa de R$ 20 mil. É verdade?
Quem
cuida das minhas coisas é o Reinaldo (Pitta, empresário dele), e eu
fico muito distante disso tudo. Ele sabe que tem um limite financeiro
para menos, e o restante ele que faz. Também ouvi isso, mas se de fato
foi verdade é mais uma história engraçada minha e do Rodrigo. Se foi,
passou. Tenho uma admiração hoje, cara muito correto, muito
profissional. O Flamengo está muito bem servido. Ele olha o jogador, mas
olha muito mais o lado da instituição. Tem gente que vê isso de maneira
errada, mas acho isso legal. Somos funcionários do Flamengo. Ah, a
ideia era de continuar no ano que vem. Vamos ver, né, Rodrigo? (risos).
Aproveitando
o "assunto vasco", explique de vez por que existe esse papo de que você
é vascaíno. O Edmundo diz que você ia a São Januário ver os treinos e
que era conhecido como "Marcinho vascaíno" (o nome de batismo de Emerson
é Márcio - fez o famoso "gato" em 96, no início da carreira). Você já
falou do seu pai, ele não era fanático ao ponto de te influenciar?
Eu
não tinha nem dinheiro para pegar ônibus (risos). Como que eu iria para
São Januário? Cara, passa muito longe disso. Meu pai era vascaíno, mas
ele se separou da minha mãe quando eu tinha três para quatro anos. Não
deu nem tempo de ele me induzir a ser Vasco. O Edmundo fez esse
brincadeira inúmeras vezes.
Por quê?
Porque ele é sacana, sei lá, porque ele é doido.
Mas ele é seu amigo, não?
Amo
ele de paixão, cara que é completamente do bem, meu amigo. Mas é
sacanagem dele. Eu não vou provocar, né? Ou vou provocar (o vasco). Isso
corre aqui, minha história condiz com a do Flamengo. Eu sou vencedor
(risos).
Ainda sobre craques, Ronaldinho chegou ao Fluminense. O que representa?
Para
o futebol brasileiro, agrega muito. Sensacional para o futebol carioca,
que precisa de alguns Ronaldinhos, Paolos Guerreros para engrandecer um
pouco mais. A estrutura dos clubes do Rio, por exemplo, está bem
distante da oferecida pelos de São Paulo.
Você falou de um tricolor. Sabe que o Fla-Flu do returno será disputado no dia do seu aniversário (6 de setembro)?
Vai dar ruim (risos). Não quero ficar triste no dia do meu aniversário.
Pensa
em dançar o Bonde do Mengão sem Freio (música que cantou em viagem do
Fluminense durante a Libertadores e que motivou sua dispensa) caso
marque no clássico?
Não sei, a gente pode criar alguma coisa diferente.
O Fluminense é o time que você mais gosta de vencer?
Gosto
também de ganhar do Vasco. Do Fluminense eu não tenho nada contra a
instituição. Sou contra, sim, os torcedores ignorantes que procuraram
não enxergar a verdade. Eu sou contra a pessoa que me fez mal naquele
momento. Posteriormente me fez muito bem, porque o clube não tinha
estrutura para montar uma equipe competitiva para conquistar o que
conquistei. Não tinha nem campo para treinar direito. A gente treinava
naquele curral lá, que é a Laranjeiras. Acabei indo para um clube que me
deu estrutura para trabalhar e lá ganhei Brasileiro, Libertadores,
Mundial, Recopa, Paulista. Ganhei tudo.
A pessoa é o Peter (Siemsen, presidente do Fluminense)?
Me
refiro ao presidente, já falei isso inúmeras vezes. Foi ele que me
chamou e ele que me expulsou do clube de uma maneira muito
desrespeitosa, uma vez que tinha feito um gol que deu título
(Brasileiro) ao clube depois de 26 anos. Não tem o meu respeito.
E o Fred?
Nada contra e nada a favor.
Você
disse que ele te fez bem indiretamente, pois acabou indo para o
Corinthians. Depois do sucesso lá, vários títulos e com a idade
avançada, imaginava que um retorno à Gávea ainda iria acontecer?Eu
sempre deixei claro o meu desejo de voltar para cá. Esse meu negócio
com o torcedor do Flamengo é muito louco. Não sei se tem a ver com
periferia, favela. Não sei se eles me veem em campo e pensam: "Pô, acho
que em campo eu faria o que esse cara está fazendo". Esse é meu estilo,
não tem tempo ruim. É "tiro, porrada e bomba", como a gente costuma
dizer. E a identificação foi incrível, veio título carioca e brasileiro,
o que marca. Tenho 36 anos, bem realizado, então jogo aqui por amor e
prazer.