Abraços
para cá, sorrisos para lá. O clima da garotada é de total descontração.
Mas basta o técnico iniciar o treino para as brincadeiras darem lugar à
atenção e ao comprometimento dentro de campo. Não é à toa. É ali que
todos esses meninos alimentam a cada dia o sonho de se tornarem atletas
profissionais de futebol. Alimentam também a esperança do Flamengo de
poder contar, nos próximos anos, com um grupo que tem sido extremamente
vencedor na base. Colecionadora de títulos, a chamada "Geração 2000"
rubro-negra tem vários atletas constantemente convocados para a seleção
brasileira da categoria. Ela tem obtido tanto destaque que vem sendo
comparada à última grande safra da Gávea, de 25 anos atrás. Do time
campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1990 saíram nomes como
Marcelinho Carioca, Djalminha, Paulo Nunes, Júnior Baiano, Nélio e
Fabinho. E da atual equipe sub-15 podem sair Athirson, Patrick, Marx
Lenin, Yuri, Vinícius, entre outros.
Geração 2000 em clima descontraído após treino no Ninho do Urubu (Foto: André Durão / GloboEsporte.com)
Se
vão vingar ou não, são outros quinhentos. O fato é que o Flamengo tem
tratado com carinho essa geração de garotos nascidos no ano 2000.
Segundo o treinador Dudu Patetuci, que também os comandou no sub-14 e
subiu para o sub-15 junto deles, técnica e espírito coletivo são os
diferenciais do grupo.
- Essa é uma geração que tem um
potencial técnico muito grande, de domínio do fundamento. O domínio da
técnica é determinante na prática do futebol. E tem potencial de
conjunto, pois eles vêm jogando juntos desde a categoria mirim (12
anos). Existe uma amizade muito grande entre eles. Acredito que terão um
futuro no Flamengo - disse.
Patetuci,
por sinal, foi jogador da base rubro-negra no passado e fez parte da
última e já citada grande geração revelada pelo clube. Para ele, as
semelhanças entre aquele elenco e o sub-15 atual são muitas. Por isso,
acredita num futuro brilhante para seus meninos.
- Aquele
grupo tinha muita amizade, muita técnica, foi campeão em todas as
categorias e conseguiu projetar ao profissional uma quantidade muito
grande de jogadores. Era muito talento junto: Marcelinho Carioca,
Djalminha, Paulo Nunes... Todos foram profissionais com projeção a nível
nacional e até internacional. Vejo potencial de acontecer algo bem
similar com esses garotos do sub-15 - afirmou o treinador, que não
ficará surpreso se até oito jogadores chegarem ao profissional, número
bem maior do que o normal.
A "Geração 2000" se acostumou a
vencer, mas precisou lidar com alguns baques em 2015. Após ser campeão
invicto dos três campeonatos que disputou em 2014 e da Copa Votorantim
no início deste ano, o Rubro-Negro sofreu a primeira derrota desde 2011
diante do Nova Iguaçu pelo Carioca, o que foi amenizado pelas duas
vitórias seguintes no torneio, onde o time segue muito vivo. A maior
decepção ocorreu depois: a recente eliminação na semifinal da Copa Nike,
com revés por 1 a 0 para o Santos. Pedras no caminho que servem para
deixar os garotos mais cascudos, mais experientes, mais maduros. Saber
perder faz parte. E acompanhamento não falta por parte do Flamengo.
Um dia de treino do sub-15 do Flamengo (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
-
Realmente é uma geração muito boa, que foi desenvolvida lá embaixo. A
gente cuida deles com muito carinho desde o começo. E hoje isso se
reflete na convocação de seis, sete jogadores para a seleção brasileira.
É muito difícil dizer que é a geração mais promissora, pois muita coisa
acontece no caminho desses meninos. Mas com certeza é uma das melhores
gerações do Brasil atualmente - afirmou Carlos Noval, diretor das
categorias de base do Fla.
"O medo é uma ilusão", diz craque do time
O grande destaque do time é o atacante Vinícius. O menino de São Gonçalo-RJ foi o único desfalque do treino acompanhado pelo GloboEsporte.com
durante esta semana no Ninho do Urubu, CT do clube que fica em Vargem
Grande, bairro do Rio de Janeiro, mas por um bom motivo. Mesmo com só 14
anos, foi chamado para defender a equipe sub-17 do Flamengo na primeira
partida da semifinal da Copa do Brasil contra o Vitória - perderam por 3
a 2 na última quarta. Via telefone, ele não deixou de falar com a
reportagem e mostrou maturidade.
- Sei que minha responsabilidade
é muito grande, mas é uma coisa gostosa. Sei do meu potencial e chamo
essa responsabilidade dentro de campo. Faço parte de uma geração que
gosta de ganhar e trabalha a cada dia para conquistar cada vez mais
títulos pelo Flamengo. Nosso grupo tem uma amizade muito boa, e isso se
transfere para o campo. Um corre pelo outro, e não tem vaidade.
Segundo
o técnico Dudu Patetuci, Vinícius tem muita velocidade, joga aberto e
dificilmente não passa de um marcador quando vai em direção ao gol. É o
típico jogador que decide. Com direito a frase de efeito, a promessa de
craque também mostrou ter personalidade.
- Meu ídolo atualmente é
o Neymar, porque jogo bem parecido com ele, ousado e alegre, com muita
alegria nas pernas e sem medo de errar. O medo é uma ilusão.
Vinícius
defende a seleção brasileira sub-15. Além dele, outros jogadores do
time fazem ou já fizeram parte das convocações: o lateral-direito
Wesley, o zagueiro Patrick, o lateral-esquerdo Athirson, os meias Marx
Lenin e Leandro, e o atacante Lincoln.
Patrick, que é capitão
tanto do Flamengo quanto do Brasil, foi outro a mostrar maturidade.
Inspirado em Aldair, o garoto de 15 anos e 1,83m de altura está no
Rubro-Negro desde 2013, quando chegou da escolinha União, do Rio de
Janeiro, após quase parar no Vasco.
- Acho que ser capitão é uma
responsabilidade enorme. O grupo é muito brincalhão, então de vez em
quando tenho que puxar a corda desses meninos, senão extrapolam. O
capitão é sempre o chato, o mais sério, mas acho bem legal. Muitos
queriam ser capitão, e tive essa oportunidade - afirmou o zagueiro, como
se já fosse um veterano.
Athirson do Acre e Marx Lenin
A
história de Athirson é uma das mais curiosas. Nascido em Manaus, o
garoto morou no Acre dos 4 aos 10 anos. Em 2011, aproveitou as férias
dos pais no Rio de Janeiro para fazer teste no Flamengo. Como foi
aprovado, pai e mãe pediram demissão de seus empregos para segui-lo na
Cidade Maravilhosa - hoje só o pai está empregado. E o nome não é mera
coincidência com o passado do clube da Gávea. No auge do
ex-lateral-esquerdo, entre 1999 e 2000, a tia do menino manauara que
ainda nem havia nascido viu um gol de Athirson pela televisão e sugeriu o
nome, já que a família tem tradição de nomes começando com a letra A.
Mas a coincidência veio de fato depois: o futuro jogador é canhoto e
virou, veja só, lateral-esquerdo. Hoje peça fundamental do time sub-15,
Athirson destacou a união da "Geração 2000".
- Nosso grupo é
realmente muito qualificado, tanto no coletivo quanto individualmente.
Todo mundo é amigo, trabalha junto, sempre com o mesmo objetivo: vencer.
Quando um ganha um prêmio individual, não é só ele que fica feliz.
Todos nós ficamos felizes porque sabemos que fazemos parte dessa
conquista. Tenho certeza que nossa união vai continuar assim até o
profissional. Todo mundo sonha em ser jogador e quer chegar lá junto.
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Lateral-esquerdo Athirson (E) e zagueiro e capitão Patrick: defensores maduros (Foto: André Durão / GloboEsporte.com)
Em
matéria de nome curioso, quem ganha é o meia Marx Lenin. A mãe dele
queria homenagear o marido, Antônio Marques, colocando Marques como
primeiro nome do menino, mas o cartório não permitiu. A mãe, então,
tentou adaptar e inovar ao mesmo tempo e escolheu Marx Lenin, mesmo só
por achar os nomes bonitos e sem saber a história dos revolucionários
comunistas de Alemanha e Rússia, respectivamente. O garoto, por sua vez,
diz que gosta do nome que tem e sabe que Marx foi um "grande filósofo",
mas não tem ideia de quem foi Lenin. Aos 15 anos, ele tenta lidar com a
pressão, não de influenciar milhões com seus pensamentos, mas de
corresponder à expectativa criada em cima da "Geração 2000".
-
É uma pressão, sim, porque para jogar num grupo qualificado como esse
você tem que estar bem, senão o companheiro vem melhor. Também é mais
confiança, pois a gente entra em campo e o pessoal respeita. Mas para
ser respeitado tem que botar a bola no chão e jogar.
Marx Lenin
se destacou no CFZ-RJ e foi levado pelo próprio Zico para o Flamengo em
2009. Quem fez o teste e passou junto dele foi o amigo Yuri, também
meia. Os dois meninos de Volta Redonda-RJ já eram amigos e inclusive
haviam se enfrentado algumas vezes na cidade sul-fluminense. Atualmente
eles compartilham do sonho maior de ser jogador profissional.
-
Todo mundo sabe que vida de jogador não é fácil. Por isso a gente está
aí, batalhando sempre, acordando cedo todo dia para treinar. Não é
fácil, não. Tem que lutar mesmo. Desistir? Nunca! - cravou Yuri.
Marx Lenin (E) e Yuri: sorridentes meio-campistas dão alegria ao Fla (Foto: André Durão / GloboEsporte.com)
Extracampo: psicologia, pedagogia...
Com
tantos destaques na equipe, o assédio de outros clubes será uma coisa
inevitável. Nenhum deles pôde assinar ainda contrato com o Flamengo - a
Lei Pelé só permite que um atleta assine contrato de trabalho com um
clube a partir dos 16 anos de idade -, mas a maioria já possui
empresário. Todos os selecionáveis têm, por exemplo. E é junto desses
agentes que o Rubro-Negro tenta dar acompanhamento extracampo para os
jogadores.
A
pressão da família, que muita vezes depende de aquele sonho virar
realidade para ter uma vida melhor, pode ser um grande problema para os
meninos. Para cuidar de casos como esse, o Flamengo fornece um
acompanhamento de psicologia e assistência social a todos do grupo. A
pedagogia também ajuda quando a escola vira um problema.
- O
Flamengo procura trabalhar com seus departamentos, tratando dessa
questão do emocional, da escola, da família. Esses fatores externos
influenciam diretamente dentro do campo. Então, o Flamengo está muito
atento a isso. Ultimamente não tem acontecido nada. O comportamento
deles está bem legal. Está tudo tranquilo. Se acontecer, o Flamengo
estará preparado para chamar a família e o agente para conversar. A
comunicação também está muita atenta, já que hoje existe essa coisa das
redes sociais, que estão dominando a meninada - disse o técnico Dudu
Patetuci.
Muita coisa ainda vai acontecer na vida desses
meninos de no máximo 15 anos. Se serão profissionais, se terão carreiras
de sucesso, só o tempo vai dizer. Mas, se tudo correr conforme o
planejado, a torcida rubro-negra pode esperar boas novidades para os
próximos anos.