O Flamengo já sabe quanto deve. Agora, precisa encontrar soluções para
pagar. Na noite desta quinta-feira, na sede do clube, na Gávea, a gestão
de Eduardo Bandeira de Mello apresentou a conselheiros e jornalistas o
resultado da auditoria contratada para diagnosticar a saúde financeira
do Rubro-Negro. Os números assustam. O estudo apontou um rombo de R$
750,7 milhões nos cofres do clube - 300% acima do estimado inicialmente
pelos antigos dirigentes. Depois de três meses de análise, auditores da
Ernst & Young concluíram o estudo. Além do presidente, participaram
da entrevista os vice-presidentes de marketing, Luiz Eduardo Baptista, o
Bap; de finanças, Rodrigo Tostes; e jurídico, Flávio Willeman..
- É uma notícia ruim. A dívida é maior do que esperávamos, mas tenho
confiança de que, com o time montado, vamos conseguir virar esse jogo.
Não dá para chegar na cobertura sem construir a portaria. O departamento
financeiro trabalha em dois pilares: redução de despesas e processo. A
dívida de R$ 750 milhões é pagável, mas não num curto prazo.
Aproximadamente R$ 40 milhões foram parcelados e renegociados para
adiante - disse Rodrigo Tostes.
Bap, Bandeira de Mello, Tostes e Willeman: metas para um Fla em dívida (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)
A principal fatia da dívida é com o fisco, num total de R$ 394 milhões
de impostos não pagos. Deste número, R$ 86,7 milhões correspondem ao
período em que Patricia Amorim comandou o clube, de 2010 a 2012. Outros
R$ 184 milhões são referentes a dívidas trabalhistas e pagamentos
judiciais. Há ainda R$ 172 milhões separados para cobrir futuras
despesas com condenações.
O vice jurídico, Flávio Willeman, explicou que encontrou uma situação
precária em seu departamento quando chegou ao clube. A gestão de Eduardo
Bandeira de Mello no Rubro-Negro completa 100 dias nesta sexta-feira.
- O Flamengo dispensava seus empregados e não pagava uma verba
trabalhista. Encontramos uma fragilidade absurda nas execuções fiscais
contra o clube, as penhoras. Não havia estratégia de estancamento dessa
sangria. Encontrei pulverização grande de escritórios de advocacia. E
encontrei algo em torno de R$ 500 mil do jurídico com escritórios de
advocacia. Esses foram os principais problemas que o jurídico encontrou -
afirmou.
Para Bap, a solução para tirar o Fla da crise financeira é a
participação efetiva da torcida. Nos últimos dias, o clube alcançou a
marca de 13 mil sócios-torcedores. O vice de marketing mostrou-se
animado, mas convocou ainda mais rubro-negros.
- Não adianta ser a maior, se não for a melhor. Precisamos sincronizar
nosso discurso. Não vamos sair dessa situação se a torcida não sair da
arquibancada e entrar em campo. E tem todo o direito de reclamar. Vocês
não têm noção de como nós reclamamos entre nós. A diferença é que tem
gente que fala e faz. Meu desafio para a Nação é: vocês vão ficar só
chorando ou vão agir? Nós estamos agindo. É isso que vai mudar a lógica
de futebol no Clube de Regatas do Flamengo. O dinheiro vem da torcida. É
tão simples quanto isso. Grandes jogadores pelo Marketing? Se vocês
esperam ver isso algum dia, virem sócios-torcedores. Gritar, xingar e
chorar, nada disso vai resolver o problema. Não acreditem que dez ou 12
empresários vão resolver os problemas do Flamengo.
Confira a entrevista na íntegra:
Como se explica para o torcedor do Flamengo que o clube chega a uma dívida desse tamanho?
Tostes - Acho que essa realidade não acontece mais.
Isso era uma realidade, um dos motivos por que tomamos essa decisão (de
fazer a auditoria). Então vamos fazer o que é devido. Não é nenhum
mérito pagar os impostos, e o governo está com uma mão muito mais
pesada.
Tem alguma expectativa de futuras dificuldades que vocês esperam?
Eduardo Bandeira de Mello - As dificuldades continuam.
Fizemos muito para resgatar a credibilidade, a conquista das certidões
foi uma vitória. É um trabalho que se renova, e vamos matar um leão por
dia para mantê-las. Encontramos o clube em uma situação de atrasos em
situação indébita de impostos, não parcelável. Mas conseguimos, em
condições severas, algo que ainda compromete nosso fluxo de caixa. É uma
situação que requer um acompanhamento constante. O que vai nos aliviar
são as novas receitas, que o Bap vai trazer.
O programa sócio-torcedor é a grande receita do momento para a montagem de um elenco forte?
Rodrigo Tostes - Sem dúvida. Precisamos de dinheiro
novo, mas a dívida é pagável. Não existe um pílula mágica. A solução dos
problemas do Flamengo são os 40 milhões de torcedores. Chegamos no
primeiro estágio, identificar o problema. Mas dar uma resposta para
quando vamos pagar tudo, depende das receitas novas que vão entrar.
Precisamos trabalhar, renegociar as dívidas e colocar dinheiro novo. Não
vamos investir no time só quando a dívida for paga. Saber o tamanho do
problema será essencial para o passo que vamos dar.
Time dos sonhos é inviável no momento?
Eduardo Bandeira de Mello - Não é impossível, mas
agora não será o time dos nossos sonhos. Para a Copa do Brasil e o
Brasileiro, nós vamos reforçar e montar um time competitivo. Já no
domingo, no Fla-Flu, vocês verão alguma melhora. Nada parecido com Kaká,
Robinho, Messi e Cristiano Ronaldo, mas teremos um time competitivo.
Pretende esperar um amor altruísta do torcedor ou algum plano para o Marketing em trazer um jogador?
Bap - O que nos compele de estar aqui trabalhando de
graça pelo Flamengo é o amor altruísta. Não adianta ser a maior se não
for a melhor. Precisamos sincronizar nosso discurso. Não vamos sair
dessa situação se a torcida não sair da arquibancada e entrar em campo. E
tem todo o direito de reclamar. Vocês não têm noção de como nós
reclamamos entre nós. A diferença é que tem gente que fala e faz. Meu
desafio para a Nação é: vocês vão ficar só chorando ou vão agir? Nós
estamos agindo. É isso que vai mudar a lógica de futebol no Clube de
Regatas do Flamengo. O dinheiro vem da torcida. É tão simples quanto
isso. Grandes jogadores pelo Marketing? Qual é o grande jogador hoje
disponível e que, sendo brasileiro, se encaixaria no projeto de
marketing do Flamengo? Só sei um nome. Muitos falam no Kaká, mas ele não
quer voltar ao Brasil. A primeira opção dele é Europa, e a segunda, os
EUA. Acho que sonhar é um direito. Se vocês esperam ver isso algum dia,
virem sócios-torcedores. Gritar, xingar e chorar, nada disso vai
resolver o problema. Não acreditem que dez ou 12 empresários vão
resolver os problemas do Flamengo.
Vocês vão correr atrás de o clube ser ressarcido pelo prejuízo?
Eduardo Bandeira de Mello - O tamanho da dívida não
quer dizer que tenha alguém para ser responsabilizado. As contas foram
aprovadas. Nós não estamos preocupados em responsabilizar ninguém e
denegrir a imagem de ninguém, mas se acharmos algo que aponte para
alguém, vamos fazer o que for preciso.
O que o Flamengo trouxe para vocês e como está sendo essa nova experiência?
Eduardo Bandeira de Mello - Na realidade, o Flamengo é
tudo para nós. Ninguém está perseguindo projeto pessoal algum. É uma
oportunidade de tentar contribuir para que nossos sonhos sejam
realizados.
Bap - Para mim é um bálsamo para alma. Tirando a
família, nada é mais importante que o Flamengo. A gente sofre, mas você
tem que decidir se quer ser protagonista ou não. Eu resolvi descer da
arquibancada e tenho certeza de que o futuro será brilhante. Não tenho a
menor dúvida de que estamos fazendo o que é certo, não o que é mais
rápido.
Tostes - A maior dificuldade foi separar a paixão com o
que tem que ser feito de correto. Eu sou Flamengo. Acho que o ponto é
que quando o chamado vem é dificil você negar. O prazer que me dá fazer
esse trabalho é confiar que vai existir um Flamengo antes e um outro
depois. Vamos resolver todos os problemas do Flamengo em três anos? Não,
não vamos, mas vamos botar esse carro no trilho.
Flávio Willeman - Ter assumido a vice-presidência
trouxe mais trabalho, mais insônia, adiar projetos pessoais, mas isso
tudo é irrelevante. Estou concretizando um sonho de dirigir o Flamengo.
Estou convencido de que o Flamengo vai dar certo e vai dar alegrias,
assim como a torcida do Flamengo vai comprar o projeto. Nós teremos o
maior programa de sócio-torcedor em três anos.
Como estão as negociações por novos patrocinadores?
Bap - As negociações vão muito bem, obrigado. Não
puderam vir hoje, mas antes do Brasileiro teremos notícias. Iremos
estrear a camisa da Adidas com mais peso. Há formas criativas de trazer
reforços sem que paguemos por jogadores. Enquanto não tivermos dinheiro,
faremos acordo, parcerias. Podemos ser vitrine e ganharmos um
percentual no futuro de um jogador colocado no clube. Isso é um
processo. Vamos pegar o exemplo do Corinthians. Por que o Corinthians
pegou o Pato, e o Flamengo não? O Corinthians demorou quatro, cinco anos
fazendo isso que eu estou falando com vocês. Não tinha um jogador na
Seleção no ano passado, mas foi campeão mundial. Jogadores mais baratos e
time coeso. Demorou quatro anos, desde a Segunda Divisão, para trazer
um jogador no quilate do Pato. Nosso futuro vai ser bacana, mas
esperamos que em menos tempo.
Impacto da nova filosofia no mercado?
Bap - Muita gente fala que o futebol tem que mudar, e
estamos começando a fazer isso. Acho que daqui a dois, três anos vamos
trazer resultado muito saudável para o futebol brasileiro. Quando o
Flamengo é correto, isso tem um impacto no futebol e na população como
um todo. Queremos ganhar tudo, mas sendo corretos e pagando em dia, para
evitar que gracinhas como a do Vampeta parem de exitir (em sua passagem
pela Gávea, o ex-jogador estava com salários atrasados e disse "eles
fingem que pagam, e eu finjo que jogo").
Tostes - É uma gracinha, e ele mente. Ele recebeu do Flamengo, mas não jogou.
Como incluir o torcedor de baixa renda?
Bap - É uma conversa fiada esse assunto. Nosso
programa custa menos do que uma passagem de ônibus por mês, ou um
café... Dez por cento de dez milhões podem. Se você sair em um fim de
semana, quanto você gasta? Quem está comprando carros, televisores? A
baixa renda. A pessoa ser baixa renda não quer dizer que não tenha
condições de investir. Com o passar do tempo, com muitos associados,
podemos abaixar o preço. Achar que não tem 100 mil rubro-negros para
pagar R$ 199 é que não dá.
A dívida será refletida ainda neste ano?
Tostes - Esses 750 milhões de reais vão refletir em 31
de dezembro de 2013. Temos uma dificuldade na não aprovação do balanço
de 2011, mas com a auditoria vamos resolver.
Top 5 da Adidas?
Eduardo Bandeira de Mello - Vamos estar agora em maio.
O contrato assinado já nos permite dizer isso fora de campo. Em termos
técnicos, dentro de campo, talvez demore um pouco mais. Queríamos que já
fosse nesse Fla-Flu, mas a partir de 2014, com um alivio maior nas
finanças, já teremos um time forte e seremos um top 5 da Adidas na
questão técnica.
Prazo para o saneamento da dívida?
Tostes - Esse número vai variar das projeções da
dívida e receitas novas. Não vou mencionar data, porque seria um chute.
Reestruturamos a dívida, iremos trazer novos investimentos, conseguimos
as certidões... Agora é cumprir os impostos, pagar os funcionarios,
jogadores. Hoje em dia, já pagamos no dia cinco de cada mês o futebol,
acabou aquele negócio de dia 25. Estamos renegociando os direitos de
imagem atrasados com os jogadores. O prognóstico de prazo é muito
dificil, mas acredito que nos próximos 30, 60 dias podemos passar uma
data disso.
Direito a voto do sócio-torcedor?
Bap - Hoje não, mas só três coisas são definitivas na
vida: morte, impostos e mudanças. Precisamos respeitar o estatuto que já
tem 21 anos e imperfeições, como tudo na vida. Precisa ser atualizado,
mas o torcedor rubro-negro tem uma oportunidade ímpar de decidir o
futuro do Flamengo: virar sócio. Tem que se engajar. Isso pode mudar com
o tempo? Pode. Está na nossa cabeça hoje? Não.