Números,
taxas, descontos, leis estaduais e metas a cumprir. A calculadora do
Flamengo não para a cada partida realizada no Rio de Janeiro, e a
certeza da diretoria continua sendo a mesma: é impraticável oferecer
preços populares no valor cheio dos ingressos tendo em vista abastecer o
caixa com receitas de bilheterias. Desde o início da gestão Eduardo
Bandeira de Mello, o montante cobrado para assistir as partidas em que o
Rubro-Negro é mandante tem sido alvo de questionamentos. Com política
de redução radical dos bilhetes adotada pelo Fluminense - como, por
exemplo, no Fla-Flu de domingo, que custará a partir de R$ 30 -, o
questionamento voltou à tona: por que o clube da Gávea não adota medida
semelhante? O GloboEsporte.com ouviu Luiz Eduardo Baptista, o Bap,
vice-presidente de marketing, para defender seus argumentos.
Em
longa conversa por telefone, Bap foi claro ao culpar o sistema adotado
no Rio de Janeiro pelo aumento dos preços. De um montante de R$ 50
milhões arrecadado em bilheterias na temporada passada, a renda líquida
do Flamengo não alcançou a marca de 40%. O dirigente comparou a situação
com a realidade apresentada pelo Mineirão ao Cruzeiro, que tem acesso a
quase o dobro do percentual destinado ao Rubro-Negro e não poupou
críticas às exigências feitas pela Odebrecht, responsável pela gestão do
Maracanã, nos termos firmados com o clube. Luiz Eduardo Baptista se
mostrou contrário ainda aos 10% cobrados pela Federação de Futebol do
Estado do Rio de Janeiro a cada partida, além da forma como é conduzido o
cumprimento de lei estaduais que permitem gratuidade e meia-entrada. No
somatório destes fatores, uma conclusão: os preços adotados
dificilmente fugirão do padrão apresentado nos últimos 17 meses.
-
Se o Flamengo fosse o Cruzeiro e jogasse no Mineirão, faturando R$ 50
milhões, ficaria com 78%. Ou seja, R$ 39,5 milhões. Se jogasse em
Brasília, ficaria com 60%. No Maracanã, fica com 40%. Por que isso?
Entre o Governo e o Cruzeiro, não há Odebrecht, como no Maracanã. O
clube paga as despesas do Mineirão e fica com o restante. No caso do
Flamengo, a Federação Carioca cobra 10%. Isso é uma extorsão. Nas
outras, a federação que mais cobra, cobra 5%, outras 3% e até 2%. Ainda
há taxas federativas, como associação de cronistas, escoteiros, que
tiram mais 3,5%. Só de aluguel, a Odebrecht cobra em média 23% da renda
bruta. Vai combinando estes aspectos e há agravantes. O Rio é o único
estado onde há gratuidade. Em São Paulo, há, mas é convite, o que dá
mil, dois mil ingressos. No Rio, não. De cada quatro que vão ao estádio,
um não paga. Há ainda a lei de meia-entrada, onde vai muito mais gente
do que pagando inteira. Algumas situações vão contra a arrecadação no
Rio. Quando colocamos isso tudo na conta, pesa.
Matemáticas
simples, como as que surgiram após o sucesso de público dos primeiros
jogos do Fluminense em casa no Brasileirão, foram rechaçadas por Bap. O
dirigente garantiu que há diferença no faturamento de R$ 600 mil com 6
mil torcedores pagando R$ 100 e 60 mil pagando R$ 10. O motivo? Os
contratos firmados por tricolores e rubro-negros com o consórcio que
toma conta do Maracanã. Diante dessa realidade, o time das Laranjeiras
teria conseguido um acordo mais benéfico? Bap responde:
- Com o
tamanho da torcida do Flamengo, ia queimar dinheiro (se fizesse um
contrato com o do Flu). Assim, eu ia levar de R$ 8 a 10 milhões para
casa no ano passado (o clube arrecadou R$ 19,6 milhões).
Durante a
conversa, Bap comparou ainda os acordos firmados por Fla e Flu, bradou
contra os responsáveis pela fiscalização das leis de gratuidade e
meia-entrada, justificou a não contratação de Elias mesmo após promessas
envolvendo a renda da Copa do Brasil e levantou a possibilidade de
redução de preço dos bilhetes com a estabilização do sócio-torcedor
somada à fidelização de um público médio no Maracanã. Confira abaixo
todo bate-papo:
Você revelou que o Flamengo arrecadou R$
50 milhões em bilheteria no ano passado e ficou com somente R$ 19,6
milhões deste montante. Qual seria o percentual tido como justo por
vocês, tendo em vista custos naturais de um mandante? Você considera as
taxas impostas abusivas? Quais são? Como é feito o cálculo do que é
direcionado para os cofres do clube a partir de uma renda bruta?
Se
o Flamengo fosse o Cruzeiro e jogasse no Mineirão, faturando R$ 50
milhões, ficaria com 78%. Ou seja, R$ 39,5 milhões. Se jogasse em
Brasília, ficaria com 60%. No Maracanã, fica com 40%. Por que isso?
Entre o Governo e o Cruzeiro, não há Odebrecht, como no Maracanã. O
clube paga as despesas do Mineirão e fica com o restante. No caso do
Flamengo, a Federação Carioca cobra 10%. Isso é uma extorsão. Nas
outras, a federação que mais cobra, cobra 5%, outras 3% e até 2%. Ainda
há taxas federativas, como associação de cronistas, escoteiros, que
tiram mais 3,5%. Só de aluguel, a Odebrecht cobra em média 23% da renda
bruta. Vai combinando estes aspectos e há agravantes. O Rio é o único
estado onde há gratuidade. Em São Paulo, há, mas é convite, o que dá
mil, dois mil ingressos. No Rio, não. De cada quatro que vão ao estádio,
um não paga. Há ainda a lei de meia-entrada, onde vai muito mais gente
do que pagando inteira. Algumas situações vão contra a arrecadação no
Rio. Quando colocamos isso tudo na conta, pesa.
Adotar postura similar a do Fluminense, com redução drástica do valor dos ingressos, é algo fora de cogitação? Por qual motivo?
O
custo operacional do Flamengo é de R$ 14 a R$ 15 por pessoa que entra
no Maracanã. Vamos perder dinheiro se, de alguma maneira, cobrarmos um
valor que não inclua este e outros custos. Por que o Flu vende a R$ 10? O
Fluminense pega 20 mil lugares atrás do gol, onde a receita é toda sua.
Paga o custo, mas não paga o aluguel ou outra contrapartida. O Flamengo
tem um conceito de parceria, onde quanto maior for a renda, mais o
clube ganha. O que define qual contrato é melhor? O contrato que o Flu
assinou é o maior possível para eles, que garantiram que jamais terão
prejuízo. Por isso, vendem mais barato. Se vender por R$ 5, não terá o
custo que nós temos. Mas o Flamengo no ano passado ficou com R$ 20
milhões, o Flu com R$ 4 ou 5 milhões. O Fluminense tem uma capacidade de
trazer menos gente que o Flamengo. É claro, se baixa o preço, traz
mais. Se não perde dinheiro, prefere encher. O Flamengo tem um acordo
diferente e cobra mais caro. Se fosse no Mineirão, a cada R$ 100, R$ 78
ia para casa. Lá não tem gratuidade, intermediário... O Cruzeiro fez um
acordo espetacular. Se a final da Copa do Brasil fosse no Pacaembu, o
Flamengo pagaria R$ 100 mil de aluguel. No Maracanã, o aluguel foi de R$
2 milhões. Se o show do Paul McCartney for no Maracanã, não iam cobrar
isso. Eles assumiram que vão ganhar dinheiro no Maracanã com o Flamengo.
E
não há uma maneira de reduzir essas taxas e despesas no panorama atual
de relacionamento entre Flamengo, consórcio e tudo que envolve a
organização de jogos no Maracanã?
Acho muito difícil. A
única coisa que não tem jeito na vida é a morte, mas acho muito
difícil. É difícil operar no Maracanã. Tem menos catracas, não pode
vender bebidas... Fica todo mundo bebendo nos arredores do estádio e
quando dá cinco a dez minutos para o jogo, todo mundo entra. Quando a PM
vê, libera para evitar tumulto e todo mundo paga meia. Um rapaz de 18
anos diz que tem 13 e entra, um de 50 fala que tem 73... Cria-se um
ambiente permissivo para uma série de coisas que atacam o preço dos
ingressos. Quando vamos colocar o valor, temos que incluir isso tudo.
Acham caro, mas o que nos cobram no Maracanã é caríssimo. Se firmam com o
Flamengo. Não consigo pagar atletas como Elias, como Paulinho, com
meia-entrada. Se fosse a Suderj, seria mais barato o ingresso e o
Flamengo ainda levaria mais dinheiro. Não posso perder dinheiro.
Em
entrevista a um blog, você disse que não dá no mesmo e nem vale a pena
ter 60 mil pagando R$ 10 do que 6 mil pagando R$ 100. Que nestas
condições o Flamengo teria prejuízo. Sendo que a renda, neste panorama,
seria a mesma, qual a variação de custos apresentado pelo consórcio?
Tenho
um custo mínimo para abrir o Maracanã. Se eu vender o ingresso a R$ 10,
perco R$ 5 em cada torcedor. O dia que o Fluminense colocar 60 mil
pagando mais caro, o dinheiro vai para Odebrecht. O Fluminense jamais
perde dinheiro, mas a empresa coloca um limite na hora que ele vai
ganhar. O Flu nunca vai perder, o Flamengo precisa ganhar. Somos sócios
nos camarotes, na comida do Maracanã, nos assentos Premium. No contrato,
se eu colocar 60 mil torcedores pagando R$ 10, ia pagar para jogar. O
custo fixo é altíssimo. Quem determina o custo é a Odebrecht. É como
fazer uma festa de casamento e o buffet levar tudo, eu tiver que comprar
com ele.
Você bate muito na tecla da gratuidade e
meia-entrada, que este é o principal motivo do aumento dos valores. Você
encontra algum outro tipo de solução para este problema? Sendo o
Flamengo gestor da partida, juntamente com o consórcio, não podia se
dispor a fazer uma fiscalização mais rígida?
Esse assunto
tem sido excessivamente discutido com o Consórcio e a Polícia Militar.
Não vou dizer que é impossível, mas vou dizer que estamos cansando. Sou
contra a lei da meia-entrada, acho um horror. Como dirigente, acho o fim
do mundo. Mas lei é lei, temos que cumprir. Já quem tem o poder público
não cumpre a função que é exigir. Se vai ficar uma fila de 1km, se o
cara deixar para tentar entrar aos 44 do segundo tempo, deixa entrar na
fila. Mas acaba que em cima da hora do jogo abrem as catracas para
evitar tumulto. Quem pagou o valor cheio, se acha um idiota. Quem tem 18
anos, fala que tem 12. Isso acontece aos milhares. Quem tem que ver
isso é quem toma conta do estádio, já que o estádio não é do Flamengo.
Se fosse nosso, íamos falar: "Meu irmão, vai ter que esperar e cumprir
todo ritual para verificação". Não contamos com o apoio público neste
sentido. Quem paga a conta é o torcedor que é correto.
Você
cita ainda que os R$ 20 milhões de 2013 não cobrem 20% do custo anual
do futebol. Tendo em vista que a bilheteria é somente mais uma fonte de
renda, não seria natural que cobrisse mesmo "somente" parte deste
montante?
A bilheteria devia ser de 30 a 35%. Se
aumento um pedaço da bilheteria e aumento o sócio-torcedor, fecho essa
conta. Anualmente, terei a certeza que tenho aquela renda e posso
baratear o ingresso. Quando fecho um contrato com um jogador, tenho que
cumprir tendo jogo ou não, tenho que pagar. O sócio-torcedor crescendo
ajuda neste fator.
Qual o valor desejado para receita
líquida anual de bilheteria na opinião de vocês? E qual o caminho viável
para chegar a este montante a curto prazo?
Isso vai
muito do que é possível. Tenho que mirar no exemplo do Cruzeiro, que
levou de R$ 38 a 40 milhões (em 2013). Com todo o respeito ao Cruzeiro,
mas faz sentido o Flamengo, com a força da torcida, jogar, ser campeão
da Copa do Brasil, levar metade? Não quero colocar o Flamengo acima do
Cruzeiro, mas o modelo de Minas deu um jeito do Cruzeiro levar R$ 20
milhões a mais. Todo mundo acha ótimo jogar no Mineirão, o ingresso é
mais barato, não há gratuidade, nem o festival de meia-entrada. Se
arrecadarmos R$ 60 milhões, levamos R$ 24 milhões e deixamos R$ 15
milhões para Odebrecht. O dinheiro não é para o Flamengo. Alô, alô, se
não cobrarmos isso, não levo dinheiro para casa. Vou jogar para pagar a
gratuidade, os 50% de desconto, alimentar a Odebrecht e ficar com
quanto? Essa é a questão perversa do Rio por conta do Consórcio. É só
ter filas separar, evitar a confusão e as pessoas entrarem correto, mas
liberam. A frustração é nossa.
O torcedor, às vezes,
fica com a impressão de que para a diretoria é indiferente o estádio
cheio ou vazio, desde que se arrecade...
Era garoto e
ia ver o Zico jogar. É óbvio que jogar para 50 mil é melhor. É óbvio que
pagar R$ 50 é melhor do que pagar R$ 100, mas isso é simplificação.
Falam como se acordássemos e pensássemos: "Vamos sacanear a torcida".
Essa não é a razão. A Federação leva 10% da arrecadação bruta do
Flamengo. O Inter joga e paga 2%.
Sendo bem objetivo, quais as taxas e fatores que o Flamengo combate, principalmente no que diz respeito à Ferj e afins?
Diferentemente
da Federação, já tentamos de todas as formas reverter isso. Cansamos de
dar sugestões e fazem ouvido de mercador. É uma luta inglória. São
gratuidades, carteiras falsificadas... Esperamos ajuda, mas tenho pouca
esperança que mude alguma coisa com essas pessoas.
Diante
dos fatos, uma pergunta natural é: por que o Flamengo não fez um
contrato como o do Fluminense para poder ter mais gente no estádio?
Com o tamanho
da torcida do Flamengo, ia queimar dinheiro. Assim, eu ia levar de R$ 8 a
10 milhões para casa no ano passado. Antes de encher o estádio, temos
que pagar as contas. A maior alegria de um torcedor é um time forte.
Como que vou lotar o estádio com um time que não bota dinheiro em casa? O
torcedor não vai ao estádio se o time não estiver bem. Se existissem
mais lugares para o Flamengo x Atlético-PR, ia encher tudo. Todo mundo
quer ver uma final, quer estar lá. O Flamengo da Patrícia cansou de
levar 10 mil torcedores com o ingresso a R$ 10. Dobramos o público médio
no ano passado. Quem paga meia e é sócio-torcedor, pagou R$ 15 contra o
Palmeiras. Abaixamos o preço, e por R$ 29,90 pode ser sócio-torcedor.
Quanto mais sócios, mais barato será o ingresso. Não quer ser sócio, mas
quer pagar barato? Isso não dá. Para ser competitivo, não dá. Uma das
razões do jogo fora é trazer mais dinheiro e ajudar a pagar as contas.
Mas
essa questão de fortalecer o time com o dinheiro dos jogos tem o
exemplo clássico da promessa que o Elias seria comprado com o valor
arrecadado na final da Copa do Brasil...
O caso Elias é
o seguinte: é claro que o dinheiro da renda ajudava, mas o Elias
custava R$ 20 milhões, a renda líquida foi de R$ 5 milhões. A matemática
é simples. A torcida quer reforço? De onde vamos tirar dinheiro? Não há
jogador que jogue por 50% de desconto ou por gratuidade por jogar no
Rio. O Cruzeiro, por exemplo, tem mais poder de compra exatamente por
isso.
Tendo como base o jogo com o Palmeiras, o Flamengo
hoje cobra R$ 60 no valor integral de seu ingresso. Esta redução - de
um valor que por muitas vezes foi R$ 80 - chegou ao seu limite ou é
possível esperar mudanças para breve?
Isso é dinâmico,
buscamos um equilíbrio. Se soubéssemos que em todos os jogos iriam 20
mil pagantes, como contra o Palmeiras, acho que poderia ser um pouco
mais barato. Não dá para saber antes. É uma busca constante. E se o time
fosse mal? No jogo seguinte poderia colocar a R$ 30 que iriam menos
pessoas.
Por fim, qual sua opinião da linha adotada pelo Fluminense?
Não
sei qual é a realidade do Fluminense e os respeito. Eles sabem o que
fecharam. Não tenho acesso aos dados. Não vão nunca perder, mas não vão
ganhar. É só fazer as contas. Se botarem R$ 100 mil reais por jogo, quem
paga o Fred? Se perder a Unimed, como sobrevive? Não sei da realidade
do clube, das receitas que têm. Sei do que o Flamengo precisa para
manter a contas em dia.