Qual a receita do sucesso? Para os atacantes, costuma ser
composta por gols. A situação de
Alecsandro no Flamengo, entretanto, mostra que
nem sempre é assim. Desde que chegou ao clube, no início de 2014, ninguém
balançou mais as redes do que ele: 31 vezes em 68 jogos. Foi artilheiro do
Carioca, da temporada passada, da Taça Guanabara, e divide o posto com Marcelo
Cirino em 2015. Números que não foram suficientes para torná-lo absoluto no
time de Vanderlei Luxemburgo. Domingo, o atacante começa o Brasileirão como
reserva, mas, como bom dono de restaurante, garante já saber o tempero
necessário para tirar qualquer gosto amargo de sua passagem pela Gávea.
Alecsandro durante almoço em um dos três restaurantes que é dono no Rio (Foto: Cahê Mota / Globoesporte.com)
Sacado da equipe após a final do Carioca, o camisa 9
rubro-negro ouviu da boca do próprio Luxa que não faz parte de sua equipe
ideal. Desde o início da temporada, o treinador deixou claro que Marcelo Cirino
será seu centroavante, em formação que prioriza a movimentação e a velocidade,
ao lado de Everton e Gabriel. Contra o São Paulo, domingo, às 16h (de Brasília),
no Morumbi, será assim. Do banco, Alecsandro torce por ao menos uma
oportunidade e sabe que não será suficiente ser apenas mais um se ela surgir.
- Fico tranquilo quanto a jogar ou não. Aprendi que você é
importante jogando ou não. Aí, vem uma frase que eu digo e define muito da
minha carreira: "Se eu for titular, tenho que ajudar. Se eu for reserva,
tenho que entrar e resolver". É isso que levo e faz parte da minha vida.
Confio muito no meu potencial, na minha média dos últimos anos. Me baseio muito
nas estatísticas. Contra os números, não há argumentos. O treinador tem muito
mais trabalho comigo quando estou na reserva, porque quero treinar mais, fico
chato, chego cedo, saio por último... Me cobro muito. Não posso me acomodar. É
algo que me incomoda, mas sei o caminho para sair da reserva.
A desconfiança que é obrigado a vencer jogo a jogo no
Flamengo não é novidade na carreira do atacante. As passagens por Inter e
Atlético-MG, por exemplo, também foram marcadas por entradas e saídas do time
titular. Os questionamentos corriqueiros, por outro lado, são rebatidos pelo
currículo: bicampeão da Libertadores, passou por cinco dos 12 grandes do Brasil
- além de ter sido assediado recentemente pelo Grêmio. Alecgol garante não se
sentir injustiçado, mas admite que a criação do próprio apelido teve como
motivação a badalação que percebia em concorrentes.
- É difícil eu falar de mim, se acho que merecia mais
valorização. Não é algo que me incomode, mas vejo matérias e penso: Tem jogador
com oito gols e vira "Fulanogol". Eu tenho mais de 300 e não sou
Alecgol. Acabou e criei e foi ficando. Começou um pouco no Inter depois no
Vasco. Agora, virou marca, mas só pegou porque faço gols.
Aos 34 anos, Alecsandro tem contrato com o Fla até o fim do
ano e sequer pensa em aposentadoria. Quando isso acontecer, a vida fora
dos gramados já está arrumada. Com uma gama variada de investimentos, pode se
considerar um empresário bem-sucedido e aconselha os mais jovens:
- Tenho investimentos, mas sou assalariado, tenho emprego.
Se o investimento não der certo, vou seguir com meu salário. Depois que parar,
é um dinheiro perdido e que não há como recuperar. É preciso se programar para
ter direito ao erro.
Em um dos três restaurantes do qual é sócio - indo para quarta unidade -, o camisa 9 do Flamengo recebeu o GloboEsporte.com para
bate-papo sobre sua situação atual no Flamengo, perspectivas para carreira, o
trauma causado pela fratura na face no ano passado e, lógico, a vida de
empresário. Afinal, há ainda uma corretora, uma loja em shopping, uma empresa
de consultoria e uma franquia de marca de relógio em sua cartela de
investimentos. E ele não quer parar por aí.
Confira a conversa na íntegra:
O Flamengo começa o Brasileirão sem reforços e vindo de uma
campanha não muito boa no Carioca. Com qual perspectiva o clube entra na
competição?
- O Carioca já acabou e foi um teste para o Brasileiro. Acho
que, de certa forma, nossa equipe deu uma crescida, ganhou corpo para o que
esperamos no Brasileiro. Lógico que a contratação de jogadores é sempre
importante e sou a favor. No futebol, é preciso somar, fortalecer. Se for para
contratar quem venha ajudar, é sempre válido. O Vanderlei trabalha muito bem em
cima disso. Pela grandeza do campeonato, não podemos falar que vamos ser campeões, é uma disputa
difícil. Mas é um compromisso nosso figurar pelo menos em uma zona de
Libertadores. Estando entre os quatro, cinco, a probabilidade de ser campeão é
maior.
O que foi visto nos Estaduais pode ser parâmetro na sua
opinião? É possível apontar quais equipes estão na frente do Flamengo, por
exemplo?
- Podemos ver uma equipe nas quartas de final da
Libertadores e mal na competição local. Então, o futebol não nos permite
comparar campeonatos e tê-los como referência para o Brasileiro. Temos que
crescer como equipe. Se o São Paulo não foi para final do Paulista, o
Corinthians, o Flamengo e o Fluminense no Carioca, o Cruzeiro no Mineiro, quer
dizer que não têm chance de serem campeões? Temos que crescer como equipe e
jogar bem. Assim, vamos conseguir um sucesso maior e brigar pelo título. Acredito
no futebol da concentração do momento.
Alecsandro com chef de seu restaurante: atacante será reserva contra o São Paulo (Cahê Mota / Globoesporte.com)
Mesmo sendo o artilheiro do clube no ano, com dez gols - ao
lado do Marcelo -, você começa o campeonato como reserva. De que maneira encara a
situação?
- Amadureci bastante e tive uma escola europeia. Pude jogar
uma Liga dos Campeões pelo Sporting, que é um grande europeu, e aprendi que é
normal o rodízio de jogadores. Não é algo que me incomode muito, mesmo sabendo
que no Brasil não existe isso. O cara é reserva ou titular. Em alguns jogos, o
Vanderlei fez esse rodízio para treinar formações e jogadores. Fico tranquilo
quanto a jogar ou não. Aprendi que você é importante jogando ou não. Aí, vem
uma frase que eu digo e define muito da minha carreira: "Se eu for
titular, tenho que ajudar. Se eu for reserva, tenho que entrar e
resolver". É isso que levo e faz parte da minha vida. Confio muito no meu
potencial, na minha média dos últimos anos. Me baseio muito nas estatísticas.
Contra os números, não há argumentos. O treinador tem muito mais trabalho comigo
quando estou na reserva, porque quero treinar mais, fico chato, chego cedo,
saio por último... Me cobro muito. Não posso me acomodar. É algo que me incomoda,
mas sei o caminho para sair da reserva.
Quando o Vanderlei vira e fala que no time ideal dele o
Marcelo será o centroavante, muda alguma coisa na sua maneira de lidar com a situação? É
mais complicado por envolver até mesmo uma mudança de sistema tático?
- Se torna um pouco mais difícil quando o treinador expõe a
opinião dele, mostrando a prioridade e o que pensa. Você fala: "Pô, eu não
sou opção, ele está sendo claro". Qual é o meu objetivo? Mostrar para ele
que tenho condição de ser opção, de ser útil, de dar a resposta, como venho
dando. Esse é meu objetivo maior: lutar contra um pensamento que já existe e
foi exposto. Não quero mostrar para que quero ser o 9, mas que posso ser o 9.
Repito a minha frase: "Se não estou jogando, tenho que entrar e resolver".
Preciso mostrar ao treinador que pode contar comigo, que estou aqui. É o
pensamento que tenho.
Quais foram os efeitos imediatos após esta entrevista do
Vanderlei?
- Me tranquiliza muito também que, depois da entrevista do
Vanderlei, recebi ligações de dois clubes perguntando se ia sair do Flamengo. O
treinador não falou que eu estava fora, só expôs com muita sinceridade a
posição dele. Em menos de 24 horas, dois clubes me procuraram. Se de repente
não tiver espaço aqui, vou ter ali ou em outro lugar. Mas minha vontade agora é
conquistar o espaço onde estou, no Flamengo.
Mesmo sem ser titular absoluto, você foi o jogador mais
assediado na viagem a Salgueiro-PE, tomando o posto que sempre foi do Léo
Moura. Isso te surpreendeu?
- O Léo roubava muito isso nosso por ter muito carisma e
merecia pela história no clube. Não fiquei surpreso, fiquei feliz. Sei do
carinho que tenho com o torcedor. Fora de campo, viajo muito, gosto do
Nordeste, e já imaginava que seria assim. Mesmo quando o Léo estava, eu tinha
essa valorização, mas não chamava tanta a atenção porque o Léo levava tudo para
ele. Fico feliz pelo reconhecimento. Na última viagem, isso ficou bem claro.
Até mesmo no jogo, quando eu entrei em campo... Isso demonstra o bom trabalho e
me dá muita força e tranquilidade de estar no caminho certo.
Por outro lado, ainda há muito questionamento de diversos
setores sobre você. Por mais que seu currículo aponte dois títulos de
Libertadores, passagem por cinco dos 12 grandes do Brasil, ainda há quem duvide
de você como grande figura de uma equipe. Você se sente injustiçado? Acha que é
pouco reconhecido neste sentido?
- Quando assinei contrato com minha assessoria no Rio, me
falaram isso: "Cara, você tem uma história que é uma das melhores como
atacante em relação a títulos e gols, mas a repercussão é muito menor do que
outros que, às vezes, nem têm título". Só que eu nunca me preocupei com
isso. Nunca quis associar bons momentos e aproveitar para focar uma
seleção brasileira, fazer marketing... Não consigo dimensionar o que represento
para o futebol. É difícil eu falar de mim, se acho que merecia mais
valorização. Não é algo que me incomode, mas vejo matérias e penso. Tem jogador
com oito gols e vira "Fulanogol". Eu tenho mais de 300 e não sou
Alecgol. Acabou e criei e foi ficando. Começou um pouco no Inter depois no
Vasco. Agora, virou marca, mas só pegou porque faço gols.
Passados pouco mais de três meses de temporada, quais os
efeitos da fratura que você sofreu na face em 2014 no seu dia a dia? É algo que
te incomoda muito ainda? Dentro de campo, muda alguma coisa?
- A cicatriz não é tão discreta. Pelo incidente, a
cicatriz
é o de menos, mas pela vaidade, por ser no rosto, ainda procuro passar
pomadas
para diminuir, tentar que passe despercebido para olhar no espelho e ver
o
menos possível. Dentro de campo, eu não entro lembrando do episódio, mas
teve um jogo com o Bonsucesso onde uma bola quicou no meio-campo e fui
para
dividida com o volante. Neste momento, lembrei. Tinha que colocar a
cabeça e
confesso que fiquei com medo, tirei na hora, mas ele também tirou e a
bola
sobrou para mim. O futebol é muito rápido. Não dá tempo para ficar
pensando
nisso nos cruzamentos, etc...
Com 34 anos, já pensa em aposentadoria?
- Tenho 34 anos, mas me sinto da mesma forma de quando tinha
27, 28... Não vi muita diferença na parte física, não consigo ver essa
diferença. Me sinto igual, tanto que nessa última pré-temporada puxei fila.
Estou com o mesmo vigor e vontade, me recupero bem de jogos de quarta para
domingo. Já vi jogadores de 32, 33, não conseguirem, ficarem cansados. Eu
consigo graças também ao meu comportamento fora de campo, de me cuidar. Só vou
começar a pensar em encerrar quando tiver esses sintomas do meu corpo. Com a
experiência que tenho, consigo identificar isso quando estiver no limite.
Por mais que não pense ainda em parar, você é um cara que
tem a vida estruturada fora do futebol. São muito investimentos. Como surgiu o
Alecsandro empresário?
- São poucos jogadores que conseguem se programar para
parar. Muitos são pegos de surpresa. É preciso pensar no que fazer fora de
campo. O cara não pode parar e depois pensar em abrir uma academia, uma
escolinha, etc... Não vejo muito esse caminho. Como jogador, não há tempo de
acompanhar de perto outra atividade, mas me preocupo com isso. Vim de uma casa
de Cohab, de Bauru. Meu pai foi jogador, veio de um lugar pobre e ajudou a
família, não teve tempo para guardar. Aprendi muito com ele. Hoje, eu tenho
investimentos, mas sou assalariado, tenho emprego. Se o investimento não der
certo, vou seguir com meu salário. Depois que parar, é um dinheiro perdido e
que não há como recuperar. É preciso se programar para ter direito ao erro.
Hoje, tenho um restaurante indo para quarta casa, tenho participação em
construtora em Fortaleza, tenho uma empresa revolucionária, que cuida da vida
particular do profissional, seja atleta ou artista, vou abrir uma loja no
shopping...