Ao
desembarcar
no Rio de Janeiro na manhã desta terça-feira, Muricy Ramalho bebericava
um café quando foi abordado
por um torcedor. Selfie feita, o novo técnico do Flamengo recebeu o
desejo de
boas-vindas, mas com um adendo: “Espero que você tenha autonomia”. No
que o treinador
respondeu de bate-pronto: “Isso eu tenho”. Com uma diretoria que ficou
marcada
pelas decisões tomadas numa espécie de colegiado - o Conselho Gestor -
no primeiro
triênio, Muricy deixou claro que no campo e bola quem dá as cartas é
ele. O
técnico chega com promessas de reforços e investimento na estrutura do
Ninho do Urubu, que passou por alguns episódios curiosos na atual
temporada.
Durante as
negociações para o acerto com o Flamengo, Muricy ouviu da atual diretoria - reeleita na noite de
segunda-feira para mais três anos de mandato - que o clube
terá em 2016 por volta de R$ 12
milhões para investir na conclusão da parte do CT destinada aos
profissionais. O Ninho, que começou a ser deixado de lado ainda na
gestão anterior, de Patricia Amorim, e continuou assim com Bandeira, há
anos tem apenas instalações
provisórias que viraram permanentes. As obras ou ficaram paradas ou
andaram em ritmo lento, e a estrutura é bem abaixo do ideal, seja na
sala de
musculação ou nos alojamentos que até hoje se mantém com camas beliches
que são
rejeitadas pelos jogadores.
- Me chamaram
a atenção a convicção e a seriedade dos dirigentes de querer melhorar o
Flamengo em todos os níveis, ou seja, estrutural e também de resultados - disse
Muricy ao chegar ao Rio de Janeiro, nessa terça-feira.
O dinheiro para ser investido no CT é fruto da inclusão do Flamengo no Profut (Programa
de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol
Brasileiro). A ideia é que o módulo profissional do Ninho do Urubu
esteja pronto até outubro de 2016, segundo o vice-presidente de
patrimônio, Alexandre Wrobel. O espaço que está sendo utilizado
atualmente pelos profissionais ficará para as categorias de base quando o
centro de treinamento tiver as obras completamente finalizadas. A
conclusão do projeto da base está estimada em mais R$ 25 milhões ao
longo de três anos.
- O Muricy tomou consciência das
deficiências, temos vantagens e desvantagens, e ele decidiu comprar o
pacote. A conclusão do módulo profissional do CT para 2016 já era um
projeto nosso, garantimos que estará concluído - afirmou o presidente
Eduardo Bandeira de Mello, em participação no Seleção SporTV de terça.
"Vaquinha" de PV e Wallace; "europeus" incomodados
Na
atual
temporada, alguns episódios demonstraram a precariedade do CT e o
incômodo dos jogadores. Em março, Paulo
Victor e Wallace tiveram iniciativa, fizeram um rateio e bancaram do
próprio bolso a colocação de um novo piso no vestiário e mais alguns
retoques, como a personalização dos armários dos atletas, num valor
total de cerca de R$ 12 mil. Na ocasião, a direção garantiu aos dois que
os reembolsaria, o que nove meses depois ainda não aconteceu. Procurado
pelo GloboEsporte.com, Wallim Vasconcellos, então vice de patrimônio e
responsável pelo Ninho, disse que só foi saber do episódio um tempo
depois e preferiu não comentar o assunto.
Em outro
momento, em um dia de treino integral, Guerrero abriu mão de tirar um
cochilo em uma das beliches que ficam nos contêineres para dormir na
maca. Um dos jogadores do elenco chegou a registrar o momento com uma
foto feita pelo telefone celular.
Por falar no
peruano, tanto ele quando Ederson, que estão acostumados ao nível
europeu dos centros de treinamento, ficaram impressionados de forma
negativa com a estrutura do Ninho, principalmente na parte de
equipamentos de reabilitação. Os dois, por sinal, passaram bom tempo no
departamento médico nos últimos meses.
- Mas isso é
inquestionável. Qual é a dúvida? Não vamos tapar o sol com a peneira,
não vamos falar que nosso CT é de primeiríssimo mundo. Lógico que não é.
Na própria campanha eleitoral nós falamos abertamente sobre isso. Por
isso vamos investir nos próximos três anos. Nossa ideia é que ao final
da próxima gestão tenhamos todo o CT concluído, base e profissional -
afirmou o atual vice de patrimônio, Alexandre Wrobel, ao ser contactado
pela reportagem.
Já a cena protagonizada por Paulinho
em um dia de treinos em nada tem a ver com estrutura, mas sim com mau
comportamento: nu e com grandes fones de ouvido, o jogador apareceu na
sala de musculação e desandou a dançar, para espanto de alguns
companheiros.
Ao deixar o Flamengo um dia antes da penúltima rodada do Campeonato Brasileiro, o técnico Oswaldo de Oliveira condenou a estrutura do clube.
- Tem
que ter melhores condições, ou então você vai competir em desigualdade
de condições com quem está melhor aparelhado. Não tem dúvida.
Ninho do Urubu ainda é composto de estruturas provisórias que viraram permanentes (Foto: Ivan Raupp)
Na
sua passagem pelo Fluminense, Muricy deixou o clube em 2011 alegando
justamente problemas na estrutura das Laranjeiras e promessas de
melhorias não cumpridas, e disparou na ocasião:
- Saí
por uma coisa apenas: porque não tem nenhuma condição de trabalhar.
Porque me prometeram que a estrutura iria melhorar, o ano mudou e nada
mudou. Não melhorou nada. Não tem equipamento, os jogadores se machucam,
tem até rato no vestiário.
"Santíssima trindade" do futebol
Ao
mesmo tempo, o Flamengo também dá alicerces à sua estrutura no
departamento de futebol. Rodrigo Caetano segue como diretor executivo.
Flávio Godinho, que negociou com Muricy Ramalho, será o vice da pasta. O
clube também busca um gerente para formar a "santíssima trindade" que
ditará os rumos do futebol rubro-negro, mas
Durante
o primeiro mandato de Bandeira, o Conselho Gestor - formado
por advogados, economistas e administradores - ditou alguns rumos no
futebol. O discurso oficial sempre deu ao diretor executivo Rodrigo
Caetano a chancela sobre as principais decisões, mas a realidade por
vezes fugiu da teoria. O regime do Flamengo é presidencialista, mas as
decisões em todas as áreas do clube foram tomadas em colegiado, sistema
anunciado desde a entrada de Bandeira, em 2013. Isso faz com que o voto
do presidente tenha o mesmo peso do voto do vice de esportes olímpicos,
por exemplo, na hora de tomar uma decisão sobre o futebol.
-
Nunca teve ninguém dando pitaco no departamento de futebol do Flamengo.
Na demissão do Luxemburgo, ele disse que não tinha autonomia e nem o
Rodrigo Caetano. Isso é falso. O que existe no Flamengo são comitês
temáticos, como o de finanças, de comunicação, e tem o de futebol, que
lida com questões estratégicas, e não com o dia a dia. Rodrigo tem
autonomia. Muricy também - disse Bandeira.
O novo treinador do Flamengo, apresentado oficialmente nesta terça-feira,
na Gávea, já trabalha em reuniões e projeções para 2016, mas retorna a
São Paulo nesta quinta-feira para preparar a mudança para o Rio de
Janeiro.