Flávio
Godinho, que proclama ser o membro "001" da Chapa Azul, foi também o
primeiro graúdo a debandar da gestão de Eduardo Bandeira de Mello, em
agosto de 2013 - era, na época, vice de relações externas. Já nos
últimos meses do mandato do atual presidente, que tenta a reeleição, ele
retornou. E com mais poderes, que lhe conferem o direito de interferir
em todos os setores do clube, incluindo o futebol. Godinho participará
efetivamente do planejamento do elenco para 2016, fala em "contratações
cirúrgicas" e não descarta um entendimento com a Federação de Futebol do
Rio (Ferj), se esta se mostrar mais flexível, para o Campeonato Carioca
de 2016. A disputa sem Maracanã e Engenhão (por conta das Olimpíadas) é
um dos motivos de preocupação do executivo, bem como o encerramento dos
principais patrocínios no fim do ano. Mas, ele garante: um dos
patrocinadores atuais já demonstrou intenção de se tornar patrocinador
master. O nome, contudo, não foi revelado.
Em
entrevista ao GloboEsporte.com, o novo vice-presidente de planejamento
do Flamengo assume em período eleitoral, mas diz querer se afastar do
tema. Afirma ainda ter esperança de uma união dos grupos de Bandeira de
Mello e Wallim Vasconcellos, também candidato e ex-vice de futebol e de
patrimônio da atual gestão, mesmo que só aconteça depois da votação em
dezembro. Ao explicar sua saída do clube, ele conta não ter concordado
com o modelo inicial que, para implementar um "choque de gestão" teve
como um dos defeitos "uma certa intolerância ou arrogância". A ampliação
da atuação na pasta de planejamento atraiu Godinho novamente para a
Gávea. Ele vê um Flamengo evoluído na gestão futebol, que garante ser
simples, apesar de contar com diretor executivo, vice de futebol,
conselho gestor e, agora, o vice de planejamento também.
O
dirigente cita ainda o Centro de Inteligência do Futebol que, segundo
ele, vem reduzindo a margem de erro nas contratações. Coloca Alan
Patrick como exemplo de sucesso do mapeamento que vem sendo feito no
departamento. Sobre o técnico Oswaldo de Oliveira, ele afirma se tratar
de um dos "melhores formadores de elenco" e garante que pretende contar
com os serviços do treinador, o terceiro deste ano, no planejamento e
comando da equipe para a próxima temporada.
Confira a entrevista de Flávio Godinho ao GloboEsporte.com:
GloboEsporte.com: Qual foi o motivo real da sua saída, que nunca ficou muito claro?
Flávio Godinho:
- Basicamente saí com uns seis meses de gestão. Foi um grupo formado
muito rápido, as pessoas têm a impressão que a Chapa Azul era formada
por velhos amigos, e na verdade foi um grupo de gente bem intencionada,
que você pode entregar um cheque em branco a qualquer um, realmente nada
do Flamengo, tudo pelo Flamengo. Como todo grupo que se conhece pouco,
na gestão do dia a dia começam a aparecer divergências. Por exemplo,
tinha gente lá, que fazia parte da liderança, que achava que o Flamengo
não devia investir em divisão de base, deveria comprar jogador
semipronto com 18 anos. Acho absolutamente o contrário. Existia uma
forma muito amadora de se contratar jogador. O Flamengo evoluiu na
questão do número de jogadores, privilegiando mais a qualidade do que a
quantidade. Até para poder implementar esse choque de gestão, acho que
um dos defeitos da Chapa Azul foi uma certa intolerância ou arrogância.
Perdeu uma oportunidade no começo de gestão de unir o clube. Eu era
contrário a esse tipo de modelo, preferi me afastar. Achei que estaria
até contribuindo.
Por que voltou?
-
Resolvi aceitar o convite do Eduardo para terminar a gestão, vamos dizer
assim, porque temos muito a fazer pelo Flamengo. Eu não sou um animal
que queira se envolver com política, com eleição, então atendi ao
chamado do Eduardo para ficar focado no Flamengo, em renovação de
patrocínio. Ele me atraiu com o conceito de que a pasta de planejamento
não ficasse mais limitada a revisão de orçamento, mas planejasse todas
as áreas do clube, Fla-Gávea, Administrativo, Esporte Olímpico, CT...
Estamos até discutindo criar uma vice-presidência de CT, porque é uma
coisa fundamental, seja divisão de base ou profissional. E uma maior
participação no planejamento do futebol em 2016, porque a gente precisa
achar fontes de recurso alternativas para viabilizar contratações.
Imagine que temos o começo do ano com o Carioca sem Maracanã, sem
Engenhão, receita de bilheteria quase nula, então se não planejar como
vai sobreviver e viabilizar certas contratações, fica truncado. Esse foi
um projeto que me atraiu. E no fundo ainda tenho uma grande esperança
de que todo mundo vai se unir, que a gente consiga fazer uma chapa
Eduardim (se referindo a uma possibilidade de união entre Eduardo
Bandeira de Mello e Wallim Vasconcellos), com todo mundo junto, ou que
civilizadamente a gente planeje o ano de 2016 e depois da eleição todo
mundo volte a operar em conjunto. Acho que o Flamengo vai ganhar com
isso.
O racha entre o Flamengo e a Ferj obviamente
interfere no planejamento para 2016. Flamengo e Fluminense estão
participando de reuniões da Copa Sul-Minas. O Flamengo já encontrou uma
direção a seguir no próximo ano, especialmente em relação ao Campeonato
Carioca?
-
Isso é algo que estamos digerindo, são várias as hipóteses, temos
determinadas discussões que envolvem CBF, patrocinador, TV, Ferj, esse
acordo de como daria a modelagem do início de 2016 estava avançado, deu
uma travada, e se a gente não conversar para viabilizar com os diversos
players, vai acabar não ficando de pé. Graças a Deus temos ainda quatro
meses para tentar consolidar o modelo ideal ou o menos ruim em função do
fechamento de Maracanã e Engenhão. Se você não buscar uma solução
negociada, só te resta o rompimento. Acho que a gente tem de evitar o
rompimento até quando for possível. Como temos de discutir percentual
que é cobrado para jogo no Rio, que não tem cabimento ser 10%, tem uma
série de pontos a serem conversados e na medida que a Federação passa a
ficar mais flexível, aumenta a chance de um entendimento. Agora, se não
tiver entendimento, o Flamengo não vai abrir mão dos seus pontos de
vista, que são básicos para garantir um mínimo de governança.
O
Flamengo já está no seu terceiro técnico neste ano, foi mais ou menos
essa a média durante a gestão. Esse planejamento pretende mudar essa
prática?
-
Isso é uma questão fundamental. Podemos aprender com os próprios erros.
No início da gestão, tínhamos uma forma de contratação mais empírica,
mais amadora. O que falei, que a quantidade talvez tenha sido
privilegiada em vez da qualidade. Por exemplo, quando fomos campeões da
Copa do Brasil (2013), a gente tinha uma base boa. E ao invés de
aproveitar essa base boa com determinados tipos de contratação até
preparando para a Libertadores, tivemos uma performance na Libertadores
aquém do esperado. Então, perdemos aquela base. Já acho que agora talvez
a gente tenha o melhor elenco dessa administração, então temos de ser
inteligentes o suficiente para aproveitar essa base, qualificando o
elenco com contratações cirúrgicas em posições mais carentes. Existe uma
evidente evolução na gestão de futebol e a gente quer dar continuidade.
O
Oswaldo de Oliveira foi contratado em função de resultados ruins do
antecessor, chega nos últimos meses do ano. Houve análise de perfil? É o
que o Flamengo quer para planejar seu 2016?- A gente
já nota uma diferença brutal em termos de organização de equipe,
filosofia. Reputo o Oswaldo como um dos melhores formadores de elenco.
Fez um trabalho interessante no Botafogo, trazendo jogadores do Japão,
que ninguém conhecia. Acho que o Oswaldo pode ser muito útil, o contrato
dele vai até 2016, então nossa prioridade é contar com o Oswaldo para a
reformulação do elenco para 2016, junto com o Rodrigo Caetano e com o
Gerson Biscotto.
Como funcionará essa estrutura que tem
diretor executivo, vice de futebol, conselho gestor, e esse novo
personagem, o vice de planejamento, que também participará das decisões?-
A estrutura é absolutamente profissional. O Rodrigo Caetano é o diretor
de futebol, ele comanda o futebol do Flamengo, e se reporta ao Fred
Luz, que é o CEO do clube, e para o vice de futebol, que é o Biscotto.
Essa é a gestão básica do futebol. Existe um comitê do futebol, que
seria formado por mim, pelo Biscotto, e pelo Alexandre Wrobel. Mas esse
comitê não é para tomar decisões do futebol, é uma questão de alçada de
decisões. Por exemplo, se o Caetano, junto com o Biscotto, resolve
sugerir a contratação de outro Guerrero, que é um investimento
caríssimo, evidente que isso tem de passar pelo vice de finanças, pelo
presidente e por um comitê, que vai aprovar se está dentro das
possibilidades ou não, se faz sentido, é só para isso. A gestão do
futebol é muito mais simplificada, profissional e linear.
Já deu para notar essa melhora na margem de erro de contratações com esse Centro de Inteligência do Futebol? -
Vou te dar um exemplo, o Alan Patrick. Era um jogador que na base do
Santos era tido como mais talentoso até do que o Ganso, foi para o
Inter, foi para o Palmeiras, esse Centro de Inteligência identificou que
poderia ser uma boa contratação. E teve muita gente que lamentou o
Flamengo ter liberado o Alecsandro. As pessoas não tinham entendido. Em
compensação, veio o Alan Patrick, e na hora que você consegue trazer um
Guerrero, e agora um Kayke, para uma composição de elenco, o Alan junto
com o Ederson atenderam a uma posição que era carente. Todo mundo dizia
que contrata o Guerrero, mas a bola não vai chegar. Hoje ninguém mais
fala isso. Não quer dizer que não vamos fazer nenhuma contratação que
não vá vingar, mas já está tendo uma prova da diferença do estilo de
administração do futebol para o início da gestão.
A
conclusão das obras no Ninho do Urubu é uma antiga promessa de
diretorias e que até hoje foi parcialmente cumprida. Quando o CT estará
efetivamente concluído, com toda a estrutura para o elenco profissional e
base?- O que te digo é o seguinte, não queria aqui
pisar no pé do Wrobel, que é o vice de patrimônio, mas pela conversa que
tive com ele não tenho dúvida de que pelo menos o centro de treinamento
profissional estará concluído necessariamente até o fim da próxima
gestão. E, nesse sentido, estamos considerando criar uma
vice-presidência do CT, para que aquilo fique de pé o mais rápido
possível. Essa parte profissional, toda a estrutura, o investimento
imobiliário, seria em torno de R$ 10 milhões.
Para ficar claro, qual a extensão do poder do vice de planejamento hoje dentro do Flamengo?-
A ideia é planejar o Flamengo do futuro, captação de recursos, ter um
planejamento central, plano de metas, fazer com que todos os executivos
sejam cobrados, em todas as áreas, é uma empresa, com empregados, meta,
receita. Tem de ser administrado de uma forma profissional. E a
participação no planejamento, para não ter linha cruzada com o vice de
futebol, é planejamento de contratação, planejamento do futebol para
2016. O dia a dia é do Biscotto.
Há uma previsão, feita
pelo Rodrigo Tostes, ex-vice de finanças, de que o fim de ano pode ser
complicado com o fim de patrocínios no futebol e o mercado em crise.
Como o Flamengo está se planejando para isso?
-
O Flamengo é o Flamengo. Todos esses patrocinadores, todos, sem
exceção, o retorno que o Flamengo deu superou as expectativas. Dito por
eles próprios. Se alguém quer esse tipo de visibilidade, não pode
desconsiderar o Flamengo. Com uma administração séria, competente, com
credibilidade dando o tipo de visibilidade que tem dado, facilita
qualquer entendimento. Nenhum time no Brasil tem a capilaridade no
território nacional inteiro como o Flamengo tem. Um exemplo, se a Caixa
Econômica Federal pretender seguir no futebol, ela tem de considerar o
Flamengo. Para o negócio dela é fundamental. O Corinthians tem maior
penetração em São Paulo. Então uma parceria com Flamengo e Corinthians é
fundamental. O Flamengo já é a quinta torcida em São Paulo. O que a
gente aqui pode fazer do ponto de vista de gestão? Já estar conversando
com outros patrocinadores, inclusive na própria camisa tem gente que
quer virar patrocinador master. Não tem de esperar o dia 31 de dezembro
para negociar. Evidente que o Brasil, a gente está vendo o que está
acontecendo, o país vive uma crise, mas se tem alguém bem posicionado
para capturar os melhores patrocínios, é o Flamengo.
O
estádio próprio é sonho antigo que por coincidência reaparece em todo
período eleitoral. Existe algo concreto que leve a crer que o torcedor
rubro-negro poderá frequentar um estádio próprio em um futuro próximo?
Qual seria a solução ideal, na sua opinião?
- O Flamengo
tem três opções. A própria concessionária do Maracanã está renegociando
as condições da concessão com o governo. Dentro deste pacote, o
Flamengo é o carro chefe do Maracanã, e a concessionária não ignora
isso. Mas entre as três alternativas você tem a reestruturação da
parceria com o Maracanã, a construção de um estádio boutique na Gávea
para 20 mil pessoas, ou um estádio de porte maior em uma localidade mais
afastada, em parceria com o setor privado. Ou uma combinação de duas,
uma reestruturação com o Maracanã e o estádio boutique na Gávea. Vou dar
um exemplo, o Flamengo jogou em Natal, trouxe R$ 700 mil líquidos na
mala. Se o jogo tivesse sido no Maracanã, mal conseguiria R$ 100 mil.
Concorda que tem algo errado? Até para a própria concessionária, que
quer aumentar a receita. Temos de achar uma equação vencedora.