Wallim Vasconcellos não deixou o conforto da vida já arrumada e
bem-sucedida como economista por acaso. Aos 61 anos, o executivo nascido
no Rio de Janeiro se lançou candidato à presidência do Flamengo.
Impugnado por questões relacionadas ao seu tempo como sócio do clube,
ele foi designado inicialmente pela Chapa Azul, que venceu a eleição de 3
de dezembro, diretor geral remunerado do clube. Porém, não quis receber
do Flamengo. Pediu ao presidente eleito no seu lugar, Eduardo Bandeira
de Mello, amigo dos tempos de Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), outra posição. Foi anunciado, ao lado do
novo diretor executivo do futebol, Paulo Pelaipe, como vice-presidente
do departamento. Um desafio sem par em sua carreira profissional. Agora
lidando com a paixão, Wallim explica suas ideias para fazer o Flamengo
voltar aos trilhos do sucesso. Fala em fundo de investimentos,
possibilidade de usar leis de incentivo para financiar a base, mas
acredita que o principal benefício que poderá trazer aos rubro-negros é a
experiência administrativa e a rede de contatos no mercado montada ao
longo dos anos.
Wallim Vasconcellos, vice de futebol da nova diretoria do Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Flaimagem)
- Minha relação com o futebol até hoje era só como torcedor e
peladeiro. Gosto muito de pelada, mas estou com uma artrose no joelho e
não consigo mais jogar, agora só assistir. Basicamente a minha vida
profissional foi toda no BNDES, fiquei 20 anos lá, saí em 2003 e fundei a
Iposeira Capital. Acho que posso trazer várias coisas. Relacionamento,
contato com empresas, bancos, o que é importante numa negociação, busca
de patrocínio, negociação de financiamento, captação de recursos. Essa
experiência no mercado pode ser importante para o clube em diversas
situações.
Ele afirma ser torcedor de arquibancada, mas só da arquibancada do
Maracanã. O Engenhão, que abrigou o Flamengo desde o fechamento do
estádio que sediará a final da Copa do Mundo de 2014, reconhece não ter
frequentado. A diretoria rubro-negra ainda negocia a utilização do
Engenhão em 2013, já que o Maracanã, apesar da inauguração, estará
fechado em alguns meses em razão da Copa das Confederações.
Curiosamente, ao ser indagado sobre um jogo que o marcou, não apontou
inicialmente uma conquista de título, mas um amistoso realizado em 1968,
quando o Flamengo enfrentou uma "seleção". A goleada por 5 a 1 no
Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes não saiu mais da cabeça de Wallim, que
também lembra com carinho do início da era mais vitoriosa da história
rubro-negra, para ele nascida do gol do "Deus da raça", Rondinelli, na
final do Carioca de 1978, contra o vasco.
- Eu frequentava bastante o Maracanã na arquibancada. Fui a todas as
finais de Brasileiro, Libertadores, Carioca, ia a jogo até contra time
pequeno na quarta-feira à noite. Sempre gostei muito do Maracanã, mas
confesso que nessa época de Engenhão não tenho frequentado muito. Vários
jogos me marcaram. Um deles foi o 5 a 1 no Cruzeiro, que era uma
potência. Eles tinham Raul, Tostão, Zé Carlos, Nardal, Pedro Paulo...
Ganhamos por 5 a 1, com dois gols do Silva, dois do Luís Carlos, que
estava começando. Acho que foi em 68, se não me engano. Fui com o meu
pai a esse jogo, me marcou bastante. Mas vários jogos também marcaram. O
gol do Rondinelli em 78, quando começou nossa era de maior sucesso... O
primeiro título brasileiro foi uma felicidade muito grande,
Libertadores também. Cada vitória do Flamengo era uma emoção diferente -
lembrou.
Na prática, Wallim coloca algumas possibilidades à mesa. Algumas delas,
porém, dependem de outras soluções para se tornarem opções viáveis. A
captação de recursos através de leis de incentivo para o financiamento
das divisões de base, por exemplo, depende da obtenção da Certidão
Negativa de Débito que, no momento, o clube não tem. Pelo contrário.
Recentemente, a Receita Federal mordeu os R$ 20 milhões de luvas que o
clube recebeu pela renovação do contrato de transmissão de jogos até
2018. Dessa forma, a diretoria teve de pedir autorização aos poderes do
clube para antecipar mais R$ 27 milhões do contrato para quitação de
salários e dívidas urgentes. Para 2013, restaram cerca de R$ 8 milhões
desta receita, que é a maior fatia entre as fontes de renda
rubro-negras.
Questionado se a criação de um fundo de investimentos é o plano para o
futebol rubro-negro no próximo triênio, Wallim acenou com outras
possibilidades, dando a entender que a nova diretoria ainda buscará a
solução ideal para encerrar a escassez de títulos. Quer criatividade
para permitir a contratação de jogadores consagrados.
- (Fundo de investimentos) É uma das intenções. Para captarmos recursos
para investir em jogadores, podemos fazer um pool de empresas, um fundo
de investimento em direitos, pode haver empréstimos em cima de
recebíveis, então há vários instrumentos do mercado de capitais que
podem ajudar nessa captação de recursos. Pretendo usar essa experiência
de todos esses anos no mercado para ajudar o Flamengo.
No discurso de Wallim, é fácil perceber que não cabe emoção no
planejamento, mas a certeza de que ela estará presente nas cobranças não
assusta o cartola de primeira viagem. Reconhece que será um desafio
tratar de negócios levando em conta a paixão de milhões de torcedores,
com toda a exposição - para o bem e para o mal - que o Flamengo
proporciona. Mas nada que provoque medo ou receio no novo vice de
futebol.
Com o diretor executivo Paulo Pelaipe, Wallim estará na linha de frente
nas glórias, mas também nas crises. A resposta dele passa pela
brincadeira desastrada de Luiz Felipe Scolari em sua apresentação como
técnico da seleção brasileira, na qual, indagado sobre a pressão da Copa
do Mundo no Brasil, afirmou que, se não gostasse de pressão,
trabalharia em um determinado banco - que prontamente protestou, bem
como os sindicatos envolvidos.
- Assustar, não assusta, não. Sei que é um desafio enorme, sei da
dimensão, mas não tenho o menor medo. Eu trabalhava em banco, a pressão
era enorme também. Sei que é diferente trabalhar com paixão, e óbvio que
você pode ser o cara mais competente do mundo que, se não ganhar
títulos, não vai ser reconhecido. Esse é o maior desafio. Mas acho que,
se trabalharmos com competência, com as pessoas certas, títulos e outras
coisas são uma consequência natural. Não vou repetir o que o Felipão
falou, mas, se eu não quisesse pressão, trabalharia em outro lugar
(risos). Não vou dizer no lugar que ele falou, até porque não concordo
nesse sentido. Mas, se não quisesse pressão, estaria na praia. Já estou
acostumado com pressão, trabalhei sob pressão a vida inteira. Não é isso
que vai me impedir ou me fazer ficar com medo.
No
futebol, Wallim (direita) trabalhará com o diretor executivo Paulo
Pelaipe (esquerda), na gestão de Eduardo Bandeira de Mello (Foto: Janir
Junior / Globoesporte.com)
Uma das primeiras medidas da gestão Eduardo Bandeira de Mello será a
contratação de uma auditoria independente, com objetivo de situar a nova
administração sobre a real situação financeira do Flamengo. Enquanto
esse diagnóstico - que só deve ficar pronto no fim do primeiro semestre
de 2013 - não chega, a diretoria prepara seus vice-presidentes para o
pior cenário possível, com o objetivo de evitar surpresas. Cortes de
despesas e pessoal estão em pauta.
- Essa questão de caça às bruxas não existe. A gente tem de fazer uma
auditoria, está praticamente fechada, vamos contratar uma grande empresa
e anunciar em breve. Precisamos saber efetivamente como recebemos o
clube. Isso é importante para o torcedor e para a gente também, para não
ser acusado depois de aumentar dívida. A partir daí, tem é de
trabalhar. Se alguém fez alguma coisa errada contra o clube, tem de ser
responsabilizado nas instâncias devidas do Flamengo. Mas de maneira
nenhuma há caça às bruxas. A gente não tem de olhar para trás, mas para
frente. O para trás vai aparecer naturalmente na medida em que tivermos
os resultados da auditoria.
A dívida atual do clube também não amedronta Wallim, que lembra já ter
lidado com empresas em crise em seus tempos de BNDES. Diz que recuperou
diversas delas com três diretrizes: boa gestão, injeção de recursos e
bom produto.
- Eu participei de várias operações no BNDES com empresas em situações
muito complicadas. Mas, colocando uma boa gestão e dinheiro, todas elas
sobreviveram. Obviamente você tem de ter um bom produto, mas o Flamengo é
um bom produto, tem uma excelente marca, espetacular. Se você tiver
criatividade para gerar recursos, e nós sabemos gerar esses recursos, o
clube é totalmente viável. Já participamos de operações muito complexas,
então não é um desafio que nos assuste. Se nos assustasse, não
estaríamos aqui. Se entramos, é porque temos certeza de que vamos
conseguir resolver.
Wallim responde a processo por improbidade administrativa em sua
passagem pelo BNDES, mas alegou, com a divulgação da notícia no período
eleitoral, que já há uma decisão favorável em primeira instância não
divulgada por segredo de Justiça, e que se trata de uma acusação
política - o tema central da ação é a privatização da Eletropaulo
conduzida pelo PSDB na década de 90.
Na condução do futebol, ele terá ao seu lado o diretor executivo Paulo
Pelaipe e um conselho gestor formado por Zico, Bandeira de Mello, Flávio
Godinho (executivo da EBX) e Luís Eduardo Baptista, presidente da Sky e
futuro vice de marketing. A palavra final será, no dia a dia, de
Pelaipe e, nas decisões estratégicas e contratações, da maioria do
conselho.
- É a maioria que resolve. A gente senta, conversa, e a maioria decide
os aspectos mais relevantes. No dia a dia, o Paulo tem total autonomia.
Não precisa ficar perguntando 'Posso isso, posso aquilo?'. A gente
confia nele para isso.
Já a confiança da torcida rubro-negra, Wallim e sua diretoria tentarão merecer.
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