Pelo voto popular, Patricia Amorim não conseguiu se reeleger vereadora.
Agora, o colégio eleitoral está dentro dos muros da Gávea. Candidata à
reeleição em dezembro, a dirigente faz um balanço de dois anos e quase
dez meses como presidente do Flamengo. Dentro do frenético e dividido
cenário político do clube, ela parte para o ataque. E faz convite para o
embate.
Ex-nadadora, fã de esportes olímpicos, Patricia Amorim diz que é
presidente de uma instituição, e não apenas do futebol. Dentro de campo,
disputadas 31 rodadas, o Rubro-Negro ocupa a 15ª colocação no
Brasileirão e ainda corre risco pequeno de rebaixamento. A dirigente
admite erros no departamento, que tem reflexos em toda a estrutura do
Flamengo. Uma delas seria a demissão de Vanderlei Luxemburgo, em
fevereiro. Mas ela cobra divisão de responsabilidade.
- A culpada não é a presidente. Erramos todos, dentro e fora de campo.
Perdemos gols que não podíamos perder, falhamos em trocas que não
deveríamos ter feito, ou se fizemos foi no tempo errado - diz.
Alvo de ataques e questionamentos, Patricia parece ávida por falar. Em
48 minutos de entrevista, interrompe diversas perguntas antes do fim, em
algumas respostas emenda um assunto no outro. Mexe as pernas e desfia
um copo de plástico. Algo parece incomodar.
- Algumas pessoas não vivem o clube, mas acham que são dignas de serem
presidentes do Flamengo. Se eu for para um debate, eles não vão saber do
que eu estou falando - atirou Patricia.
Para os críticos, novo tom desafiador:
- Falar é fácil, vem aqui fazer. Quero ver fazer, vem fazer. Vem me
enfrentar aqui, não na covardia, pois não sou covarde - diz a
presidente, que julga que muitas das pancadas que sofre acontecem por
ser mulher, de esportes olímpicos, educada e elegante.
A alcunha de “presidente do parquinho” parece não incomodar a mandatária:
- Tenho orgulho (de ser chamada de presidente do parquinho). As
famílias se encontram no Flamengo, têm uma área de lazer. É inveja, pois
nem o parquinho conseguiram fazer. Patrimonialmente, nem o parquinho
conseguiram fazer. Não fiz só o parquinho, reformei os ginásios, estou
fazendo o CT, resolvi o problema do Morro da Viúva.
Confira o balanço de Patricia Amorim.
Você perdeu a eleição para vereadora. Como reagiu diante do voto popular, que não a credenciou à reeleição?
Patricia Amorim: Reagi como acontece quando você perde
um jogo. É muito ruim, doloroso. Hoje, perder um jogo é até pior do que
uma eleição. Apesar de ser uma coisa pessoal, ter uma relação direta
com as pessoas que trabalham comigo, com a família que sente muito,
atualmente sinto muito mais perder um jogo, um campeonato, do que a
eleição. As coisas se misturaram, minha vida com o Flamengo. O momento
do Flamengo era ruim no futebol, isso teve um reflexo grande. E teve uma
coisa interessante que ficou provada: as pessoas acham que apenas o
clube em si elege muito, mas não elegeu ninguém. O que eu sinto, como
vereadora, é que a Câmara perde uma pessoa que milita pelo esporte num
momento crucial de Copa e Olimpíadas. A leitura que faço é que as
pessoas não acham que isso seja importante.
Logo em seguida, vem o processo eleitoral do clube, no qual os
sócios elegem o presidente. O que acha que a credencia a ser reeleita no
Flamengo?
Organizei um clube que estava abandonado. O Flamengo cresceu como
instituição, você tem o respeito do seu funcionário. O clube não se
fortalece externamente se internamente não estiver muito sólido. Agora,
tivemos questão de penhora por conta de impostos de 2007, 2008 e 2009
que não foram pagos na gestão anterior, do presidente Márcio Braga.
Tínhamos que escolher entre pagar funcionários ou jogadores. Pagamos a
folha dos funcionários, que é bem menor. Até porque um jogador com um
salário mais alto ganha praticamente a metade da folha dos funcionários.
E precisamos do clube funcionando. O sócio, que é quem vota, pode
avaliar o que foi feito. As evoluções patrimonial e esportiva são
notórias. No futebol, principalmente em 2012, foi um ano em que a gente
errou, tenho humildade de falar isso. E precisa acertar. O ano passado
foi bom, mas, na avaliação geral, temos que melhorar no futebol. Mas é
uma instituição que não funciona apenas com o resultado de futebol. Não
sou eu que estou dizendo que é assim, isso acontece há 116 anos.
Você sempre teve sua vida ligada a esportes olímpicos, diz que o clube não funciona apenas com futebol...
(Interrompe a pergunta) Sim, e ganhei uma eleição no dia seguinte ao
Flamengo ser campeão nacional, o que não acontecia há 17 anos. Isso foi
uma resposta que o clube deu, reagiu aos desmandos e abandono da
instituição. Como fui eleita por esse segmento, procurei tratar o clube
da forma como o associado queria. E tratei muito bem.
Mas se arrepende de não ter ficado mais próxima ao futebol?
O futebol não tem uma lógica. Tem o Campeonato Brasileiro, que é muito
equilibrado, em que acontece de o líder perder para o lanterna. Os times
se equivalem. Os que erraram menos marcaram o maior número de pontos.
Nós erramos muito, dentro e fora de campo. Por isso, não tivemos os
pontos que sonhávamos. A culpada não é a presidente. Erramos todos,
dentro e fora de campo. Perdemos gols que não podíamos perder, falhamos
em trocas que não deveríamos ter feito, ou, se fizemos, foi no tempo
errado. Hoje fazemos essa avaliação. Seguimos caminhando, não podemos
errar de novo.
Quando você assumiu o clube...
(Interrompe) Eu me assustei porque não tinha um jogador, não tínhamos
salário de dezembro pago, não tínhamos 13º. O dinheiro do prêmio sumiu. O
capitão na época era o Bruno, que veio cobrar. E simplesmente não tinha
dinheiro. Anteciparam R$ 80 milhões do outro ano, empréstimos, dívidas e
dívidas. O que fizemos: pagamos 34 meses de salários em dia, atrasamos
15 dias agora por questão de penhora. Temos jogadores que são nossos,
podemos vender, negociar, são patrimônio do clube, como o CT, o Morro do
Viúva. O título de sócio-proprietário teve uma valorização. Hoje não se
ouve falar de dinheiro desviado, paraíso fiscal como já teve, não tem
esse desconforto. O que podem falar é se um contrato foi bom ou não, a
saída do treinador, de um jogador, isso é de cada um. Quem fala mal,
quem joga pedra e não vem ao clube, não vai a um jogo, não vem em
reunião de conselho, não tem credibilidade para falar. As pessoas que
batem e se dizem oposição estão fora do clube. Vem para o clube fazer,
vem. Ando de cabeça erguida no clube. De uma forma ideológica, alguns
podem até não concordar, querem só futebol, é uma linha. Só que não sou
presidente de um time de futebol, e sim de uma instituição.
Reeleição é diferente de uma eleição. Num primeiro momento, o candidato eleito precisa arrumar a casa...
E arrumei muito bem.
Mas um segundo mandato é completamente diferente, não?
No primeiro mandato, você deixa de fazer muitas coisas ou pisa em ovos
porque existem elos com o passado, grupos políticos. Entendo que fui
destruída externamente porque internamente estava sólida e forte, as
pesquisas apontam, o clube funciona bem. Mas não destrói uma história,
uma pessoa. A pancada é forte, dói muito. Às vezes, se sente muito
solitária. Quem está fora não sabe o que é o clube. O que me regenera é
que no meio do futebol - não da imprensa esportiva do futebol - e do
esporte sou bastante reconhecida, escuto isso dos treinadores que
saíram, que estão aqui, presidentes de clubes, de federações. Sou
respeitada porque sou uma pessoa direita, honesta, correta e digna.
Tenho família consolidada, não tive quatro, cinco, dez casamentos.
Frequento o Flamengo diariamente há 35 anos, vou continuar frequentando o
clube, reuniões do conselho. Algumas pessoas não conhecem o clube, mas
acham que são dignas de serem presidentes do Flamengo. Se eu for para um
debate, eles não vão saber do que estou falando. Eles falam do Flamengo
como uma empresa, mas não é, pois não visa a lucro. Visa a resultados
esportivos. Se tiver lucro financeiro... não pode continuar dando o
prejuízo que dava, sei a quantidade de dívida que paguei. Tem que fazer
esporte, essa é a história do Clube de Regatas, de Regatas do Flamengo.
Como podem ter candidatos que não cumprem o estatuto, sequer têm
condições de serem candidatos, chapas com problemas?
A sua preocupação com a parte social do clube e a postura em
certos momentos de tensão provocam críticas. Como reage quando é chamada
de presidente do parquinho e ouve a crítica de que se omite em momentos
de pressão e crise?
Olha, isso foi construído atrás de uma imprensa que não disse ao que
veio. Existem pessoas que sonham ser presidentes do Flamengo e querem
ser de fora. Vem aqui ver se ganham uma eleição. Eu ganhei, realizei o
meu sonho e estou há três anos dando minha contribuição. Falar é fácil,
vem aqui fazer. Quero ver fazer, vem fazer. Vem me enfrentar aqui, não
na covardia, pois não sou covarde. Eu enfrento, ando na rua, escuto
torcedor reclamando, tenho carinho e paciência de escutar. Apanho porque
sou mulher, porque a minha origem é esporte olímpico. Apanho porque sou
elegante e educada, e essas pessoas não são. Mas uma grande parte é
frustrada. Imagina passar a vida falando do que as pessoas realizam, já
que elas mesmo não realizaram nada. Quem são essas pessoas que não
realizaram nada para o Flamengo? Quando não estava nos poderes do
Flamengo, eu comprava meu ingresso. Vejo filhos e netos de ex-presidente
que ficam pedindo ingresso aqui, e não é pouco, não. Quase uma torcida
organizada. Acho surreal. Tenho orgulho (de ser chamada de presidente do
parquinho). As famílias se encontram no Flamengo, têm uma área de
lazer. É inveja, pois nem o parquinho conseguiram fazer.
Patrimonialmente, nem o parquinho conseguiram fazer. Não fiz só o
parquinho, reformei os ginásios, estou fazendo o CT, resolvi o problema
do Morro da Viúva. Problema pontual é o futebol. Se a bola entrasse,
estaríamos falando em outro tom, de outra forma. Como sou jovem, mulher e
vim de esporte olímpicos, eu não posso dar certo. Tolerância é zero.
Mas trabalho pelo Flamengo. Eles vão trabalhar fora.
Concorda que a torcida se ressente de uma conquista maior no futebol...
(Interrompe) O Flamengo ficou 17 anos sem ganhar um título nacional,
parece que ganha todo ano, pelo amor de Deus. Título mundial comemorou
30 anos. Então... nunca gerei uma expectativa em quem votou em mim de
que eu resolveria o futebol. Tínhamos uma linha, mas o ano de 2010 foi
louco, nos restabelecemos, fizemos a maior contratação do futebol
brasileiro trazendo o Ronaldinho em 2011, de derrubarem o portão.Tinha
aprovação externa, interna, era um bom contrato. Depois...
(Patricia entra em outro assunto)
Entendemos que o Vanderlei Luxemburgo é importante em qualquer time, o
Ronaldinho, o Deivid está fazendo gols no Coritiba e era um líder.
Trouxemos todos esses personagens, e todos os outros. Só que esses
personagens estão funcionando bem separados, achávamos que eles
funcionariam bem juntos, a resposta está aí, porque essas lideranças
deram curto-circuito no Flamengo. Foi nosso maior erro: achávamos que
tínhamos que ter o maior jogador do mundo, o treinador com maior numero
de títulos brasileiros. Eu penso o Flamengo grande, só que foi muito
cacique para pouco índio, ou os bicudos não se beijam. A gente começou a
ter problema em setembro do ano passado por conta dos conflitos. Saí
bem com Luxemburgo e Deivid, eles não falam mal. Estamos pagando a
dívida, com Joel também. Reconhecemos erros, cumprimos com compromissos.
Pergunta ao Romário como foi recebido no Flamengo. Uma das críticas é
que o acordo da dívida com ele não foi bom. Vasco está brigando, já
penhoraram não sei lá o que, isso é uma barbaridade. Há um mês pagamos
R$ 4 milhões ao Marítimo (ainda por conta de Souza). Essas dívidas não
são minhas, não fui eu que fiz. Trouxemos Dorival, bom treinador. Elenco
às vezes funciona, os meninos nem sempre são regulares. Quando
trouxemos o Joel e não trouxemos o Paulo Angioni, ficamos sem uma
interlocução. Na saída do Vanderlei, que não tem problema com Flamengo,
nem comigo, foi um amigo que fiz no futebol. De repente, erramos na
forma (da demissão), no tempo, ouvimos muita gente. Isso vai fazendo
parte, mas fazer análise só pontual é até covardia. Tive títulos na
base, no futebol, CT é uma realidade. “Ah, você é paternalista,
amadora”, dizem. E a estrutura do comando é amadora, assim é o estatuto.
Você destacou que arrebentaram o portão para receber o
Ronaldinho, depois ele arrebentou os cofres com pedido de R$ 40 milhões
na Justiça. É inegável que o clube falhou com ele, assumiu um pagamento
que não conseguiu honrar. Mesmo assim...
(Interrompe) Não vejo dessa forma. O clube falhou porque assumiu uma
dívida que era da Traffic. Depois, tivemos dificuldade mesmo. O jogador
não estava de acordo, ou o irmão, isso nunca foi conversado. Não é só a
presidente ou o lado financeiro. Ele veio para o clube porque quis,
conseguimos fazer com que voltasse à Seleção, que chegasse a 9,5% de
percentual de gordura. Sempre procurávamos solucionar todos os problemas
que ele trazia para o clube. O que a nação fez por ele, nós todos, não
era para sair dessa forma. Poderia dizer que não estava satisfeito e
chegar a um acordo. Foi assim com Vanderlei, Deivid, Joel. Uma conversa:
“Falhei aqui, falhou ali, você sai pela porta da frente”. Todo mundo
esperava que o Ronaldo tivesse comportamento diferente, ele foi bem
tratado, e nos tratou mal quando saiu. Muito feio, isso. Se foi boa a
contratação, é avaliação de cada um, hoje é fácil falar. O Flamengo
precisa ter um jogador referência, o Fluminense tem o Fred. Os grandes
times têm jogadores de referência. Quem errou com a gente foi ele. Não
fiz nada de ilegal. Quando trouxeram Sávio, Romário e Edmundo, deixaram
uma dívida de R$ 60 milhões, e nem por isso algum presidente foi
cassado. Na condução do processo, quem teve má-fé foi o lado de lá.
Vários setores do clube são questionados. O que acontece, já que foram escolhidos por você, que buscava uma renovação do quadro?
Na terça, fiz reunião de diretoria e fui bem clara com todos os vices:
não garanto ninguém, não quero esse compromisso, não tenho isso com
absolutamente ninguém. O compromisso é que eles terminem até dezembro o
que começaram. Temos que procurar os melhores em cada área, é um clube
muito dividido. Quando algumas pessoas não estão no poder, tentam
destruir o clube. A proposta era trazer quadros novos. Alguns
funcionaram, outros, não. Não tenho compromisso com ninguém, dei
oportunidade. Se quiserem contribuir, que venham, está aberto.
Com tanta pressão, críticas, interferência na vida pessoal, por que tentar ser presidente do Flamengo por mais três anos?
Sinto que não terminei o trabalho. Também não estou satisfeita com
tudo, tem muita coisa boa, mas as pessoas fazem análise atrás de
computador, no ar-condicionado. Ah, dizem que não temos patrocínio
master, mas temos R$ 21 milhões sem o master. Mudou essa logística de
camisa. Antes era um patrocinador só, agora não é mais assim. O
Corinthians está na final do Mundial e não tem patrocinador. Perdi noite
de sono, saúde, estou cheia de cabelo branco, que pinto com frequência.
O Flamengo não é uma empresa normal. Tem quem diga: “Ah, eu na minha
empresa...". Aqui isso não se aplica. Uma hora a torcida endeusa o
Ronaldo, depois não quer mais, quer o Adriano, depois não quer
Ronaldinho, então, tinha razão: “Flamengo é Flamengo”
Flamengo é Flamengo. Muito difícil, cansativo. Tenho uma família
diferente. O Mauricio (Assumpção, presidente do Botafogo) é separado,
mora com cachorro e diz: “Ele não me critica, não me joga pedra”. Acho
um barato.