Confira o bate-papo:
Mais um ano no Flamengo, novos sofrimentos e a
vida de goleiro: recentemente você pegou pênalti em um jogo, foi
questionado em outros, alternou os momentos. Como está a cabeça do
Felipe atualmente?
Felipe: Vida de goleiro é assim. Comecei o ano bem no Carioca. Agora,
no Brasileiro, você tem duas ou três falhas, e começam a contestar. E no
jogo seguinte já vai bem novamente. O importante é ter a confiança do
grupo, do treinador. E se acostumar. Goleiro não pode errar. Diferente
do atacante, que pode perder dez gols, faz um no final e é o cara da
partida. Goleiro pode fazer dez defesas difíceis, mas se tomar um gol
meio duvidoso, não presta. Estou calejado. A vida toda foi assim.
O ano de 2013 tem sido abaixo dos outros, você acha isso?
Não acho que tem sido abaixo. É ruim você falhar, ninguém gosta. Numa
equipe grande, quando você erra dois jogos seguidos, é meio... Contra o
Bahia foi um erro que acontece, mas que não pode acontecer. Trabalho
mais forte para errar o menos possível.
Até que ponto a oscilação do time durante a temporada interfere individualmente em cada jogador?
Não estamos conseguindo manter a regularidade. Temos uma partida boa e,
logo em seguida, que é para vencer a segunda e dar uma respirada na
tabela, a gente faz um jogo abaixo. Fizemos uma partida muito boa contra
o Atlético-MG e, logo em seguida, fomos mal contra a Portuguesa.
Oscilamos muito. Podemos destacar o Elias, o André (Santos), como
atletas que estão mantendo uma regularidade. Mas isso é muito pouco para
o Flamengo. Precisamos de mais atletas que consigam manter certa
regularidade para sair dessa fase.
Quando a fase é complicada, o time leva até gol de goleiro.
Como é para um goleiro levar gol de goleiro? (no empate por 1 a 1 com a
Portuguesa, Lauro empatou nos acréscimos ao marcar de cabeça)
Para mim, foi diferente. Como profissional nunca tinha levado gol
assim. Sofri na base, mas de pênalti. Quando teve o lance, já olhei logo
o Lauro vindo de longe. Goleiro entende que quando o outro vem para
área adversária tem a certeza de que vai cabecear a bola. Mandei o
pessoal marcar. Não sei se teve falta de atenção...Na hora o defensor
deve imaginar: “Ah, esse cara não sabe fazer”. Acabamos sofrendo.
Dolorido, ainda mais no último lance. Com esses dois pontinhos
poderíamos estar melhor na tabela.
Depois de quase três anos, como você se vê no clube: estabelecido, ainda sofrendo cobranças, sob desconfiança?
Numa equipe grande, a cobrança vai haver sempre. Não pode se acomodar.
Cheguei sob a desconfiança de muitos, com contrato de risco: não podia
fazer isso, aquilo. Não podia fazer nada. Era um contrato no qual não
podia dar um vacilo, empréstimo de um ano. Depois desse tempo, pude
renovar por mais quatro anos. Nunca tive problemas no Flamengo, com
ninguém. Estou feliz, pretendo cumprir meu contrato, tenho mais dois
anos e meio. Quero ganhar títulos importantes.
Todos os ângulos de Felipe, o camisa 1 rubro-negro (Foto: André Durão)
Assumir uma posição que por mais de dez anos teve jogadores
como Julio César e Bruno, que viraram ídolos, traz uma pressão é maior?
Você sentiu isso?
É diferente. Como foi comigo, poderia ser com qualquer outro goleiro.
Ia sentir. Quando cheguei, no início de 2011, falei que seria muito
difícil assumir a vaga que era de um ídolo. Meu início foi importante,
ainda mais na disputa de pênaltis, já que o Bruno era especialista
nisso. Consegui uma quebra, deixei o torcedor mais tranquilo. Mas eu
sei: errou, vão lembrar do passado. É uma posição ingrata.
A
questão da relação com os companheiros. Você sempre teve que responder
sobre se tinha problema com alguém, que o Ronaldinho te chamava de 'mão
de pau'. Em algum momento você sentiu que não era querido no grupo?
Falar, ninguém nunca falou, mas você sente. Principalmente no ano
passado. Nunca tive problema com nenhum atleta, mas, às vezes, tem mais
afinidade com um do que com outro. O Thiago (Neves) e o Willians eram as
pessoas que eu convivia mais, até fora do clube, mas eles saíram. Com
outros, não é ficar afastado, mas é não ter outro assunto que não seja
do trabalho. Nem por isso, deixei de falar com alguém, de respeitar,
criei problema. Ninguém é obrigado a ir na casa do outro. Num certo
momento do ano passado eu me senti assim, mas depois não teve problema.
Mas quando você sentiu que não era querido, bateu uma tristeza, não pensou em sair, dar uma volta longe do Flamengo?
Fiquei doente e saí do time, com Joel. O Paulo entrou, jogou bem, e por
méritos ficou jogando. Fiquei três meses sem atuar. Fiquei triste,
pensei em sair, pois não estava podendo ajudar. Foi bastante complicado,
mas depois voltei e acabei o ano tranquilo.
Você é um jogador que se expõe, tem personalidade e fala o que pensa. Acha que isso incomoda ou atrapalha?
No futebol, mesmo você certo, tem coisas que não podem ser ditas.
Futebol é aquele mundinho...Às vezes, o cara não é polêmico, mas fala
alguma coisa diferente de outras pessoas, e já criam problema. No
Corinthians, era bem mais jovem, sofri muito com isso. No calor do jogo,
os repórteres já sabiam e largavam o microfone. Eu soltava alguma coisa
que, mesmo sendo certa, não era o momento exato. Cresci com esse rótulo
de falar, ser polêmico. Mas não é ser polêmico. Não entro em assuntos
que não são do futebol. A própria imprensa rotula. Temos que pensar mais
e falar menos.
Pela sua história, desde o Vitória, a passagem pelo Corinthians, o rótulo de polêmico é uma coisa difícil de tirar?
Quando cheguei ao Flamengo, pouca gente da imprensa local me conhecia
no dia a dia. Antes de chegar, já diziam que eu era uma bomba-relógio.
Na primeira entrevista eu disse que no final do ano poderiam falar de
mim. Tive uma besteira aqui, um negócio que saiu no Twitter ali...Mas é
muito pouco pelo que foi falado de mim. Fiquei rotulado assim. Posso
chegar aqui e falar que virei evangélico. Acho que não vai adiantar
nada. Qualquer coisa que falar de diferente vão lembrar do meu passado,
que foi meio complicado mesmo.
As polêmicas e os problemas te deixaram calejado para encarar o Flamengo e ajudaram no que você é hoje?
Minha vida de Corinthians, Vitória, em Portugal, me ajudou a estar mais
tranquilo hoje. Certamente, se estivesse hoje no Flamengo com a cabeça
de três anos atrás, eu não estaria no Flamengo (risos). Em um clube
grande como o Flamengo não tem espaço para certas coisas. Eu me
arrependo de ter feito certas coisas, uma palavra errada que fala, uma
entrevista que tenta se explicar e acaba complicando. Hoje, estou mais
maduro, com três filhos, chegando uma menina agora. Você passa a
refletir mais e falar menos.
Felipe garante que tem tentado se manter longe de polêmicas (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Parar de usar a rede social ajudou a evitar polêmicas?
Levei muito puxão de orelha aqui, ó (olha para o assessor de imprensa).
Negócio de Twitter, rede social. O pior é o pós-jogo, como se fosse
entrevista, não pode falar de cabeça quente. Não tenho mais Twitter, se
tiver algum aí...
É do seu primo?
(Risos) Não, parente não tem mais. Pessoas próximas não têm Twitter,
nem minha mulher, mãe, pai. Sabem que dá dor de cabeça. Meu momento é
zen, tranquilo, focado em trabalhar e ajudar o Flamengo. O ano está
sendo complicado, não serei eu que trarei problemas para o clube. Só
quero ver notícia minha dentro de campo.
Depois de dois filhos homens, como Felipe se prepara para ser pai de uma menina?
Brincadeira não vai ter. Estou tentando compreender ainda. Tenho três
irmãs mais novas que sofriam comigo, pois sou muito ciumento. Menino
você vai ao shopping, compra uma camisa e está bom. Você quer ver
descalço, boné pra trás. Menina... minha mulher manda escolher uma
sainha rosa, laço. Está sendo diferente. Minha mãe e minha sogra dizem
que estão com dó antes mesmo de ela nascer. Mas quero ser um pai
exemplar, como sou para os meninos.
Com a mudança de
diretoria, como é jogar tendo sempre a obrigação de vencer, mas também
sabendo que esse é um ano em que o clube tenta arrumar a casa, que não
foi montado um time como grande força do campeonato?
Ano de mudança geralmente é complicado. A gente sabia que seria assim.
Se o torcedor acha que o elenco é bom ou não, quem está no Flamengo é
porque tem condições. Ninguém está aqui por acaso. O meio da tabela não é
lugar para o Flamengo. Atletas, comissão e diretoria estão fazendo o
possível. Mas, às vezes, mesmo fazendo o possível você não consegue
conquistar seus objetivos.
E o Mano Menezes. Você
trabalhou com ele no Corinthians, de onde sua saída foi conturbada. Como
foi o reencontro? Teve uma história de reunião no vestiário aqui no
Flamengo, quando ele falou que seu jeito de reclamar é muito expansivo e
ele não curtia muito...
Do Corinthians, eu saí brigado, mas não tive nenhum problema com o
Mano. Foi um dos poucos que chegaram para conversar, disse que não seria
bom sair naquele momento, mas não tive problema nos três anos em que
trabalhamos juntos. Realmente, houve essa reunião aqui na apresentação
dele, mas não do jeito que falaram. Ele estava explicando que quando o
atleta reclama, ele tem que falar o nome da pessoa. Não abrindo o braço,
pois ninguém vai saber para quem está sendo direcionado. Ele explicou
isso e citou vários exemplos. Eu fui um deles. Tudo pelo bem do time.
Não é abrindo o braço, pois acaba expondo tudo e nada ao mesmo tempo.
Quem vazou essa notícia estava com má fé.
Quando olha para o futuro, o que você ainda almeja? Quer ficar no Flamengo?
Não penso em jogar fora do Brasil. Estou numa grande equipe, me vejo
bem. Numa cidade boa, no clube que gosto. Quando acabar meu contrato,
vou estar com 31 anos. Penso em jogar até 35, 36. Penso em renovar meu
contrato, mas tenho que fazer por onde. Tenho apenas um título do
Carioca. Nunca fui campeão brasileiro. Quero um. Libertadores... Para
quando parar de jogar, lembrarem do time do Flamengo, lembrarem de mim,
minha foto lá no clube.
Tem alguma passagem com o Flamengo antes de ser jogador do clube, algo que marcou a relação?
Desde que era do Corinthians nunca escondi de ninguém que torcia para o
Flamengo, mas era profissional. Tenho o Corinthians no meu coração,
pois foi o clube que me projetou. Lembro do Carioca de 95, o gol de
barriga do Renato. Estava em Salvador, assistindo ao compacto logo
depois do jogo. Aqui no Rio, o Fluminense já tinha sido campeão, mas lá
em Salvador ainda estava vendo o jogo, que estava 2 a 1. O Flamengo
empatou, saí na rua gritando “É campeão”, meus amigos gritando também.
Um vizinho tricolor virou para mim e disse: “Ô, acabou o jogo e o
Fluminense foi campeão”. Eu disse: “Nada, o Flamengo empatou agora”. Ele
completou: “Então, daqui a pouco você vai ver o gol. Eu disse: “Ih, o
cara tá mamado, falando besteira”. A gente pulando e de repente o gol de
barriga. O outro foi o gol do Pet no tricampeonato. Foi quando tomei
meu primeiro gole de cerveja, em 2001. Eu não bebia, o Flamengo estava
perdendo, e eu disse que se ganhasse eu ia beber. Acabei bebendo uma
garrafa inteira. Foram duas coisas que me marcaram.
E sua ligação com a religião? Sempre joga com o terço e é nascido na Bahia, onde o candomblé é forte.
Sou de tudo um pouco, tudo para ajudar é bem-vindo. Sempre gostei de
terço. Em Salvador, minha mãe gosta de fazer uns negócios com os amigos
dela eu vou lá, nada contra religião nenhuma. O terço uso desde o
juvenil. Tenho ritual todo jogo, o roupeiro já sabe onde coloca meu
santo, meu terço. Não peço nada, só agradeço por estar naquele momento.
Nesse
ano, com o Flamengo jogando fora do Rio, um monte de viagem, o seu
conhecido medo de avião está mais latente? Afinal, como começou isso?
Meu pai era controlador de voo e quando fazia churrasco com os amigos
eu ouvia algumas coisas, “aquele avião passou assim”, “o ponto cego”. Em
2001, eu estava com a seleção sub-17 nas Ilhas Canárias. Pegamos uma
turbulência e a aeromoça mandou colocar o colete salva-vidas, ficar na
posição de impacto. Pensei: “Vai cair, não tem jeito”. Fiquei com
trauma. Ninguém brinca mais comigo, viajo na saída de emergência, vou
sério, suando, não como nem bebo e não converso com ninguém. Vejo a
previsão do tempo antes e vou levando. Vou jogar até 35, mas por causa
do avião, pode ser menos (risos). Cheguei a começar um tratamento em São
Paulo, mas não deu jeito. O cara colocou cadeira, me beliscava e eu não
sentia dor nenhuma. Depois de 15 dias ele disse que eu entraria no
avião e não sentiria mais nada. Entrei e na primeira a balançada já
comecei a gritar.
O que é pior? Turbulência lá em cima ou aqui embaixo, no Flamengo?
Boa pergunta. Mas aqui embaixo é ainda pior. Lá em cima você grita,
desespera e está bom. Aqui não pode gritar em desesperar, tem que
trabalhar para tentar melhorar a situação.