A distância de aproximadamente 300km que separa Pouso Alegre, em Minas
Gerais, cidade natal de Cristiano Felício, e o ginásio do Tijuca, no Rio de Janeiro, local da
partida entre Flamengo e São José, neste sábado, às 17h, pela décima rodada do
NBB, quase some no mapa diante das adversidades que o pivô precisou superar antes de ser apontado como uma das
maiores promessas da modalidade no país.
Com
o desejo de conhecer o Corcovado adiado em razão do mau tempo que tem
castigado o Rio de Janeiro, Cristiano Felício tem que se contentar em
posar para fotos na Lagoa Rodrigo de Freitas (Foto: Divulgação)
Contratado pelo clube da Gávea no início desta temporada após um imbróglio envolvendo o Minas
Tênis - que o impediu de ingressar no basquete universitário dos
Estados Unidos - Felício, aos poucos, vem readquirindo seu ritmo de
jogo. E ganhando espaço na equipe comandada pelo técnico José Neto, principal
responsável por sua contratação.
Com médias de 6.8 pontos,
3.3 rebotes, 0.5 assistência e 0.3 toco por partida na temporada, o
jogador de apenas 21 anos terá uma missão
indigesta pela frente neste sábado: parar o gigante de 2,11m Caio
Torres, que
trocou o Flamengo pelo São José após o título do NBB 5 com a
equipe rubro-negra. E abriu as portas para sua contratação.
- Não joguei com o Caio no Flamengo, mas tive a oportunidade de
treinar com ele na seleção brasileira. Sofria bastante para marcá-lo. É um
excelente jogador, um pivô pesado dentro do garrafão e que vai nos dar muito
trabalho como todo o time do São José - afirmou o camisa 21.
Bom de bola e fera no handebol
Antes de desembarcar no Rio de Janeiro e se encantar, muitas incertezas
desafiaram o caminho de Cristiano Felício. Até mesmo a opção pelo basquete não
surgiu de imediato. A convicção de que seu futuro estava diretamente ligado ao
esporte da bola laranja só veio aos 13 anos, após ter sido convidado por um
professor para integrar o time da Escola Dr. Ângelo Cônsoli.
- Quando era mais novo, eu praticava handebol na escola e no time da cidade.
Jogava bem e cheguei a disputar alguns torneios. Mas sempre fui apaixonado por
futebol. Aos 11 anos, comecei a jogar como meia no time Sul Minas. O problema é que o
campo era longe da minha casa. Como minha família não tinha recursos para
comprar o material necessário e para pagar meu deslocamento, tive que desistir
- explicou.
Conhecido
por seu jeitão tímido e calado dentro e, principalmente, fora das
quadras, o pivô do Flamengo abre o sorriso num dos muitos momentos de
descontração durante a entrevista (Foto: Divulgação)
Essa foi apenas a primeira frustração na caminhada do pivô. Assim que
aceitou o convite e percebeu que o basquete tinha sido a escolha mais acertada,
Cristiano Felício começou a sonhar com a NBA. Entre idas e vindas, passou por Varginha e sobreviveu a uma reprovação num teste
no Minas Tênis Clube até ser aprovado em Pindamonhangaba e defender o Jacareí,
perto de São José dos Campos, por um ano e meio. Em seguida, surgiram a primeira chance com a
camisa da seleção brasileira e um golpe do destino a seu favor.
- No meio da segunda temporada em Jacareí, fui convocado pelo Gustavo
Conti (técnico do Paulistano) para a seleção cadete (sub-17) com o Raulzinho e
o Lucas Bebê. Logo depois, fui chamado novamente pelo Minas para fazer um teste.
Desta vez, eu passei. Só que, por ironia do destino, meu primeiro técnico lá foi
justamente o cara que me reprovou da outra vez. Ele jurava que não se lembrava
de mim (risos) - lembrou o pivô rubro-negro.
duros golpes: Morte do pai e volta dos EUA
Foram
quase três anos em Belo Horizonte e outros dois duros golpes que a
vida lhe proporcionou. O primeiro e mais difícil, em 2010: a morte de
seu
pai, Agnelo, a quem era muito apegado. Depois, no fim do ano
passado, após ser impedido pelo Minas de jogar no basquete universitário
americano e ver o sonho de jogar na NBA ser abreviado. Até hoje o clube
luta na Justiça por uma indenização por ser o time formador.
- Meu pai e minha mãe eram divorciados quando ele morreu, mas foi muito
difícil, pois eu era o mais próximo dos cinco filhos. Não poder continuar nos
Estados Unidos também foi muito frustrante. O basquete lá é muito diferente,
desde o ritmo dos treinamentos até a estrutura. Eu treinei e estudei numa prep.
school - uma espécie de escola intermediária entre o colegial e a universidade
- no estado da Califórnia durante nove meses e cheguei a disputar alguns jogos.
Minha intenção era ficar, passar para uma universidade e depois tentar entrar
na NBA. Infelizmente não deu, mas ainda vou realizar esse sonho no futuro -
apostou Felício.
A morte do pai o aproximou ainda mais da família. Criado pela mãe, Maria
Lúcia, e pelas irmãs mais velhas Carolina, de 27 anos, e Verônica, de 26,
Cristiano se viu na obrigação de assumir o papel de chefe da casa e dar uma
vida melhor para o clã dos Silva, que conta ainda com Rafael, de 19, e a caçula
Vitória, de 14, única a seguir seus passos no esporte.
- Ela leva jeito e poderá ter um futuro brilhante se continuar se dedicando
nos treinos. Minha família é muito humilde e me sinto na responsabilidade de
dar uma vida melhor para eles. Somos muito próximos e estou sempre ligando para
saber se eles estão precisando de alguma coisa. Meu pai era aposentado, e minha
mãe é professora. Ela é uma heroína para mim. Sempre trabalhou bastante, até em
dois períodos, para conseguir sustentar a gente. Minhas irmãs mais velhas
também foram muito importantes, pois sempre cuidaram de mim e dos mais novos
quando minha mãe tinha que trabalhar - contou Cristiano.
Do alto de seus 2,10m, o olhar tímido, quase impenetrável, e a voz
baixa contrastam com sua força e sua explosão dentro do garrafão.
Características que o levaram à seleção adulta que disputou a Copa América de
Caracas, entre os meses de agosto e setembro deste ano. Apesar da trágica
campanha em terras venezuelanas, o pivô do Flamengo aprovou a experiência e torce
para que o Brasil seja um dos convidados para o Mundial da Espanha, no ano que
vem.
- Foi meu primeiro torneio pela seleção principal e às
vezes eu não sabia
como reagir. Sou tímido e fiquei um pouco acanhado e intimidado, pois
não
conhecia alguns jogadores pessoalmente. O mais importante foi adquirir
mais
experiência internacional com esses atletas mais velhos. Mas o Neto e o
Rodrigo (assistente) sempre me pedem para falar mais dentro de quadra, e
eu acho que melhorei desde que cheguei ao Flamengo - destacou.
Se
durante os treinos e jogos Marcelinho Machado, Gegê e Shilton são os
jogadores que mais falam e orientam Cristiano, fora de quadra Jerome
Meyinsse é o grande parceiro da promessa mineira. Os dois só não estão
juntos quando o camisa 21 prefere a companhia feminina de uma "nova
amiga", que ele prefere não citar o nome.
- Não estou
namorando, mas estou conhecendo uma pessoa e está sendo muito legal.
Principalmente porque ela está me ajudando a conhecer melhor a cidade
(risos). Mas meu grande parceiro é o Jerome. Ele está encantado com o
Rio de Janeiro como qualquer pessoa, mas é bem mais empolgado do que eu.
Eu sou mais calmo e gosto de sair para comer e ir ao cinema - disse o
pivô, que ainda não conheceu o Corcovado e o Pão de Açúcar.