No momento em que os clubes começam a rever seus valores
para sobreviver financeiramente, a esperança de austeridade no ano que
se anuncia deu lugar às velhas práticas. Em mais uma vitória da
oposição, a Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada de quarta-feira, a
MP 656, que concede vários benefícios fiscais, inclusive uma anistia
aos clubes, sem a contrapartida prevista no projeto original,
desenvolvido pelo Ministério dos Esportes.
Como o texto ainda tem que passar pelo Senado e pela sanção
presidencial para entrar em vigor, a briga política não terá efeito
imediato no campo esportivo nem sinaliza que os malfeitos da cartolagem
serão definitivamente perdoados. Por meio de outra medida provisória, o
governo deve reafirmar as obrigações que os clubes precisam cumprir para
ter o benefício, como o pagamento em dia de salários, tributos e dos
acordos para o refinanciamento de suas dívidas.
De acordo com o texto aprovado, as dívidas dos clubes com a
Receita Federal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e o Banco
Central serão parceladas em até 240 meses (20 anos). Além da anistia, o
projeto concede descontos de 70% nas multas isoladas e de 30% dos juros.
Segundo parlamentares, a dívida dos times com o Fisco é estimada em R$
3,7 bilhões.
— Pelo que a gente está sabendo, esse parcelamento não é
aceito pela Fazenda Nacional. O prazo de 240 meses está OK, o problema é
a falta de entrada. Em todas as outras negociações de refinanciamento, o
acordo exigiu o pagamento imediato de 10% do total devido. Não pode ser
diferente agora — disse Enrico Ambrogini, diretor executivo do Bom
Senso, movimento criado pelos jogadores para exigir mudanças no
calendário e nas relações de trabalho em busca de mais qualidade para
todos os envolvidos no negócio.
Em sua página na internet, o grupo já fazia ressalvas ao
projeto do governo, por entender que faltavam mecanismos de fiscalização
e punição às entidades e dirigentes. Mesmo que não inclua a dívida dos
clubes com a União em sua pauta, o Bom Senso entende que o momento é
oportuno para que as negociações tragam benefícios a todo o futebol
brasileiro, com uma revisão dos valores da gestão esportiva, para além
do que se paga aos jogadores. Com as mudanças impostas pela Câmara, a
perspectiva de avançar anuncia a volta ao ponto de partida.
— Se prevalecerem essas condições, teremos perdido um ano e
meio de discussões — disse Enrico, na expectativa de que a questão volte
à pauta na forma do Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal do
Esporte, como vinha sendo debatido até entrar no pacotão de Natal.
A tolerância começou a vencer o rigor na noite de
terça-feira quando a Câmara apreciou a MP 656. No momento em que a
sessão foi interrompida, já com a aprovação da anistia aos clubes, o
governo se recusava a aceitar a correção de 6,5% na tabela do Imposto de
Renda, embora o desenrolar da votação na quarta tenha confirmado o
percentual, além do benefício unilateral aos clubes.
A MP 656 virou uma verdadeira colcha de retalhos, com a
inclusão de 43 novos temas, os chamados “jabutis”. O presidente da
Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), chegou a concordar
com a retirada dos “jabutis”, mas a maioria dos partidos, comandados
pelo PMDB, manteve todos os temas no texto. O líder do PMDB na Câmara,
deputado Eduardo Cunha (RJ), liderou o movimento para aprovar as
mudanças.
Otimismo apesar do revés
Além
de defender a exclusão dos clubes inadimplentes das competições
nacionais, o Ministério do Esporte é contra a renegociação das dívidas
nos termos que foram aprovados. Para dar novas condições de pagamento, o
governo quer receber compromissos formais de democratização, além de
limitar os mandatos de dirigentes no esporte, para que não perpetuem nos
cargos de direção dessas entidades. Além da possibilidade de planejar
melhor suas finanças, livre das penhoras que tomam suas receitas, os
clubes buscam a certidão negativa de débitos (CND), que os permite
receber verbas de empresas estatais. Hoje a Caixa Econômica é a
principal patrocinadora do futebol nacional, distribuindo cerca de R$
105 milhões anuais.
Para o Bom Senso, a exigência não basta já que “muitos
clubes recebem, por exemplo, patrocínio da Caixa Econômica e nem por
isso estão em dia com as suas dívidas fiscais”. Por mais que o movimento
dos jogadores se mostre combativo e atuante, o governo concorda com
suas ponderações quando as duas partes apontam a Fazenda Nacional como
maior entrave ao projeto.
— Nosso problema não é o Bom Senso, é a Fazenda — disse um
integrante do governo ao ver na reação tardia da oposição um sinal de
que o projeto vai além do que se votou no apagar das luzes da atual
legislatura. — Vamos ganhar essa briga.
Entre a anistia e as obrigações que se anunciam, o momento
recomenda que os clubes contenham seus gastos. Quem tem a caneta agora é
o governo. Seja em sinal de lamento ou paternalismo, passar a mão na
cabeça não vai resolver nada.