Não há conclusões novas, mas o assunto não sai de pauta. No
Seleção SporTV da sexta-feira passada, Eduardo Bandeira de Mello, presidente do
Flamengo, voltou a ser questionado por torcedores via Twitter sobre a "espanholização" do futebol brasileiro, um desequilíbrio financeiro decorrente da divisão da receita com direitos de transmissão. Na saída do programa, me contou que responde perguntas sobre "espanholização" por onde passa, embora tenha muito mais a falar. Pois bem. Eis alguns dados sobre TV.
A divisão do dinheiro que vem de emissoras de televisão comove porque, dentre fontes de receita, é a única que pode ser controlada. Todas as outras estão condicionadas à torcida. Patrocinadores pagam mais a clubes cujas bases de torcedores, potenciais consumidores dessas empresas, são maiores. Fornecedores de materiais esportivos, idem. Quanto mais, gente, mais produtos licenciados, planos de associação e ingressos para partidas tendem a ser vendidos. No caso da televisão, embora ela também tenha mais audiência e pay-per-view conforme tamanho de torcida, há mais espaço para equilíbrio.
A Premier League, primeira divisão da Inglaterra, é bom exemplo de equilíbrio. Na temporada 2013/2014, os 20 times que a disputaram receberam £ 1,753 bilhão referentes a direitos de transmissão. Este valor é repassado pela liga aos clubes com base em três critérios: 50% são igualitários para todo mundo; 25% dependem do mérito esportivo, conforme a colocação na tabela na temporada anterior; e 25% obedecem o número de partidas televisadas, com um valor mínimo assegurado até para quem teve muito menos jogos transmitidos pela TV. O Chelsea, com £ 139 milhões recebidos, tem a maior receita com televisão do país. O Cardiff City, com £ 63 milhões, tem a menor. Logo, o mais rico arrecada o dobro do que arrecada o mais pobre, melhor proporção entre as maiores ligas de futebol do planeta.
Manhester United 8%
Manchester City 8%
Chelsea 8%
Arsenal 7%
Liverpool 6%
Tottenham Spurs 5%
Newcastle 4%
Everton 5%
Aston Villa 4%
West Ham 4%
Southampton 5%
Sunderland 4%
Swansea City 5%
Stoke City 4%
Norwich City 4%
Fulham 4%
Crystal Palace 4%
West Bromwich 4%
Hull City 4%
Cardiff City 4%
A La Liga, primeira divisão da Espanha, é o mau exemplo de equilíbrio. São considerados, aqui, 16 clubes que jogaram a elite espanhol em 2013/2014 porque Valencia, Malaga e Getafe não publicam balanços financeiros, embora nova lei do país exija que todos o façam, e o Levante não detalha em seu documento o montante recebido da televisão. A soma desses 16 dá € 678,4 milhões. O Real Madrid possui a maior receita e obteve € 162,6 milhões com direitos de transmissão, e o Real Valladolid, com a menor, conseguiu € 15,6 milhões. A diferença entre o mais rico e o mais pobre, portanto, é de dez vezes.
Real Madrid 24%
Barcelona 24%
Atlético de Madrid 7%
Sevilla 5%
Atlético de Bilbao 5%
Real Sociedad 4%
Villareal 6%
Betis 4%
Espanyol 3%
Celta de Vigo 3%
Granada 3%
Osasuna 3%
Elche 3%
Rayo Vallecano 2%
Real Valladolid 2%
Almería 3%
A Serie A, primeira divisão da Itália, tampouco divide bem receitas com direitos de TV. A amostra neste caso é de 12 times que disputaram a elite italiana em 2013/2014. Os ausentes, sobretudo Milan e Fiorentina, não foram considerados porque ainda não publicaram balanços financeiros referentes a 2014. O valor gerado foi de € 672,2 milhões, dos quais a Juventus ficou com a maior parte, € 150,9 milhões, e o Verona, a menor, € 22,8 milhões. O mais rico recebe 6,5 vezes mais do que o mais pobre, portanto. Perceba que há um grupo de clubes à frente, com Juventus, Napoli, Internazionale e Roma, do qual o Milan certamente faz parte, que se destaca dos demais. São os mais populares do país.
Juventus 22%
Napoli 16%
Internazionale 11%
Roma 10%
Lazio 8%
Parma 6%
Udinese 5%
Bologna 4%
Verona 3%
Catania 4%
Cagliari 4%
Chievo 4%
A Ligue 1, primeira divisão da França, peca por ter à frente somente dois clubes que faturam muito mais com televisão do que os 18 abaixo. Os 20 que jogaram a elite francesa geraram € 604,8 milhões com direitos de transmissão em 2013/2014. O Paris Saint-Germain, "novo rico" e atual tricampeão nacional, ficou com a maior parte, € 85,8 milhões, enquanto o Ajaccio ficou com a menor, € 13,5 milhões. A diferença entre o mais rico e o mais pobre é de pouco mais que seis vezes.
Paris Saint-Germain 14%
Monaco 5%
Olympique Marseille 13%
Lyon 9%
Lille 6%
Bordeaux 7%
Saint-Etienne 5%
Stade Rennais 4%
Lorient 4%
Montpellier 4%
Nantes 3%
Toulouse 4%
Nice 3%
Stade de Reims 3%
Evian 3%
Sochaux 2%
Guingamp 3%
Bastia 3%
Valenciennes 3%
Ajaccio 2%
A Alemanha não entra neste levantamento feito pelo blog pois não obriga seus clubes a divulgar balanços financeiros, tampouco publica, por meio de órgãos oficiais do governo, como nos outros países europeus analisados, os documentos. Apenas quatro equipes têm alguma transparência, entre elas Bayern de Munique e Borussia Dortmund, e neste caso a amostra seria reduzida demais para conclusões.
O Campeonato Brasileiro, por fim, tem divisão similar à italiana e à francesa. Não está nem próximo da Inglaterra, bom exemplo, nem próximo da Espanha, mau exemplo. Aqui, são considerados 19 clubes, com vasco sanitário no lugar da Chapecoense, que não publica balanço financeiro, e sem o Sport, cujo documento não detalha ganhos com televisão. Esses 19 arrecadaram R$ 1,12 bilhão com direitos de transmissão em 2014. O Flamengo tem a maior receita, R$ 115,1 milhões, e o Figueirense, a menor, R$ 18,5 milhões. A diferença entre mais rico e mais pobre é de pouco mais que seis vezes.
Atlético-MG 7%
Atlético-PR 3%
Bahia 4%
Botafogo 4%
Corinthians 10%
Coritiba 3%
Criciúma 3%
Cruzeiro 6%
Figueirense 2%
Flamengo 10%
Fluminense 5%
Goiás 3%
Grêmio 5%
Internacional 5%
Palmeiras 7%
Santos 5%
São Paulo 7%
vasco sanitário 6%
Vitória 3%
Ainda que o parâmetro "mais rico versus mais pobre" esteja em linha com França e Itália, no Brasil os dois maiores faturamentos com TV, Flamengo e Corinthians, têm 10% cada sobre o valor total. O percentual é mais baixo do que na França, onde PSG e Olympique levam 14% e 13%, e mais baixo do que na Itália, onde Juventus e Napoli ficam com 22% e 16%. Entre as cinco ligas, a conclusão é de que a brasileira tem a segunda melhor divisão de direitos de transmissão – muito pior do que a inglesa, é verdade, mas melhor quando comparada a italianos e franceses e muito melhor do que a espanhola. A preocupação em repartir igualitariamente o dinheiro que vem de emissoras é legítimo, pois, repito, é provavelmente a única receita que pode ser controlada para manter a competitividade do país. Mas números mostram que no futebol brasileiro atual, para a tristeza dos conspiradores de plantão, não há "espanholização".
+ Leia mais sobre as finanças de clubes de 150 países no relatório Receitas do Futebol.