A obra O Negro no Futebol Brasileiro, do falecido jornalista e escritor Mário Filho, ajuda a explicar por que o Flamengo tem tanta identidade com a raça negra. "O Flamengo virou clube do povo quando acabou com e estória de só branco no time. Abrindo as portas da Gávea para os pretos", diz o autor em seu livro, lançado em 1947.
De acordo com Mario Filho, antes de botar um mulato no time, o Flamengo botara um preto: Jarbas. E depois Roberto. "Enquanto o Fluminense trazia para Álvaro Chaves os grandes jogadores do futebol paulista, quase todos brancos, muitos com nome italiano, o Flamengo levava para a Gávea os grandes rubro-negros do futebol carioca, quase todos pretos, Fausto dos Santos, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, brasileiros até no nome".
Segundo o professor Bernardo Buarque, doutor em História Social da Cultura pela PUC-Rio, o Flamengo soube captar os novos tempos que o Brasil vivia nos anos 30 e 40. "O Flamengo mudou a cara do time, incorporando a figura do negro em suas equipes de futebol. Jose Bastos Padilha [presidente do Flamengo] teve participação, contratando jogadores que atuavam em outras equipes. E na Copa de 1938, com a boa participação do Brasil e de Leônidas, o negro passa a ser a também cara do Brasil no mundo. Isso pode ser usado para explicar a popularidade do Flamengo".
No entanto, Buarque ressalva que há pesquisadores que defendem que a introdução do negro no futebol brasileiro veio ainda antes da profissionalização nos anos 30 – tese de Mario Filho. "Essa versão tem sido questionada. Já no final dos anos 10 aparecem jogadores com fenótipos negros", diz Buarque.
De acordo com o docente, que lecionou cursos de História Social do Futebol na UFRJ e no ano que vem será professor da Fundação Getulio Vargas, o pioneirismo do Vasco, na utilização de negros em seu elenco, pode ser relativizado. "O vasco tinha uma outra cultura clubística – era uma relação patrão e empregado que era trazida dos negócios para o futebol. O Flamengo, quando contratou jogadores negros, não tinha essa relação patronal".
Para Bernardo Buarque, que fez pós-doutorado na Maison des Sciences de l’Homme, em Paris, com uma etnografia das torcidas do Paris Saint-Germain, a torcida do Flamengo teve a capacidade de transformar um apelido depreciativo, o de urubu, de conotação racista, em algo positivo, invertendo o que era chacota.
Torcedor do Flamengo, desses que em outros tempos se aventurava a seguir o time em jogos em outras cidades, Bernardo Buarque acredita que ainda há tabus a quebrar. Entre eles, o fato de poucos técnicos brasileiros, nas equipes de elite, pertencerem à raça negra.
"É tão raro que um técnico negro faça sucesso que, sem duvida, os resultados de Andrade nesse campeonato brasileiro têm um peso simbólico. É importante que seja assim", completa.
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