O recado de Vanderlei Luxemburgo nas últimas entrevistas tem sido
claro: com um elenco limitado tecnicamente, o Flamengo precisa jogar no
sacrifício para escapar do rebaixamento no Brasileirão. E sacrificar é um verbo
que Víctor Cáceres soube conjugar como poucos nos últimos tempos com a camisa
rubro-negra. Indicado pelo próprio Luxa após se destacar no Libertad, o
paraguaio reencontra o treinador justamente em seu melhor momento pelo clube,
dois anos e quatro fraturas após sua contratação. Lesões que são fruto de um
lema que o volante diz ter aprendido em seu país e que define bem a realidade
da equipe: se faltar técnica, tem que sobrar raça.
A vitória de domingo, sobre o Coritiba, foi a primeira do Flamengo no
Brasileirão sem Cáceres em campo. Nada, porém, que abale um posto que
demorou
para ser alcançado: de titular absoluto. Após cumprir suspensão
automática contra o Coxa, o paraguaio tem retorno garantido diante do
Atlético-MG,
quarta-feira, no Maracanã. E em entrevista ao GloboEsporte.com no
condomínio
onde mora no Rio de Janeiro já deu o recado: não fugirá de divididas.
Mesmo que
o custo seja uma quinta fratura defendendo o clube, o volante garante:
vale a
pena.
- O jogador paraguaio tem isso de muita raça, disputa cada bola como se
fosse a última. Não somos muito técnicos como os brasileiros. Então, cada um
tem que mostrar o que tem de melhor em campo (...)
Com certeza vale a pena (a fratura). É o meu trabalho, estou exposto a isso. A
vontade não pode faltar nunca no futebol.
De contrato renovado automaticamente recentemente, Cáceres tem mais
dois anos pela frente no Flamengo. Período em que projeta jogar bem mais do que
as 54 partidas que fez até o momento e repetir a trajetória de outro paraguaio
que conheceu através de histórias contadas por seu pai e por Luxemburgo, e que
marcou época na Gávea: Francisco Reyes.
Confira abaixo toda entrevista de Victor Cáceres:
Depois de altos e baixos em um
primeiro momento no Flamengo, você tem vivido sua melhor fase em 2014, desde a
Libertadores. Acha que está próximo do Cáceres que tem tanto prestígio no
Paraguai?
- Acho que estou tendo um ano bom. Nos dois primeiros anos no Flamengo,
machuquei muito e não consegui ter sequência. Ainda não consegui, né? Por conta
das suspensões, mas, graças a Deus, estou chegando ao nível que jogava no
Libertad. Com certeza vou me dedicar mais para chegar ao nível ideal.
O que mudou para
este crescimento?
- Acho que tem muito da questão da adaptação ao país. No começo foi
difícil, até pelo idioma e estilo de jogo. Aqui é muito diferente do Paraguai.
Lá é mais cadenciado, aqui é correria.
Agora, você finalmente poderá
trabalhar com o Luxemburgo, que foi justamente quem te indicou para o Flamengo.
Isso te deixa ainda mais confiante e tranquilo para dar sequência ao bom
momento?
- Com certeza. A confiança é o mais importante para um jogador de
futebol. Luxemburgo passa isso não só para mim, mas para todos os jogadores.
Todo elenco está mais confiante, ele transmite isso. Por isso, o time está
jogando melhor, mais encaixado.
Você ficou fora de duas partidas
recentemente por suspensão, mas em momento algum teve sua condição de titular
questionada, ao contrário de outras épocas. Já se sente dono da posição? Você
já tem consciência da importância que passou a ter para o time, principalmente
defensivamente?
- Não me sinto dono do posto, mas me sinto, sim, muito mais confiante
do que me sentia. O fato de poder ter sequência é fundamental. Não me sinto
muito importante para o time ainda, tenho que demonstrar isso em campo, a cada
jogo.
Seu rendimento cresceu bastante
principalmente durante a disputa da Libertadores. Você acha que essa
característica de entrega, de dedicação do jogador sul-americano, fez a
diferença ao seu favor? Com um time limitado tecnicamente, isso se torna ainda
mais importante?
- O jogador paraguaio tem isso de muita raça, disputa cada bola como se
fosse a última. Não somos muito técnicos como os brasileiros. Então, cada um
tem que mostrar o que tem de melhor em campo. Mas sei que todos os companheiros
também se entregam por completo. Não vejo tanta diferença, mas vocês
(brasileiros) sempre falam sobre isso (risos). Pode ser verdade.
Acha que essa característica
acaba te expondo mais fisicamente? Esse é o motivo de tanta lesão um pouco fora
do comum, como as fraturas que você teve no Flamengo?
- Foram quatro fraturas: cotovelo, ombro, mão e quadril. Sempre falo
com os fisioterapeutas que nunca me machuquei ao longo da carreira, e é algo
que tem acontecido muito no Flamengo. Acho que é pelo sacrifício, entrega
total, mudança de ritmo de treinamento...
São fraturas que valeram a pena
pelo clube?
- Com certeza vale a pena. É o meu trabalho, estou exposto a isso.
Qual foi a lesão mais
complicada?
- Acho que a do quadril. Joguei várias partidas com dores e demorou
também para recuperação.
Essa entrega sempre foi uma
característica marcante? Como foi o seu início no futebol?
- Foi como a maioria dos jogadores, com muito sacrifício. Ia andando
para os treinos, jogava em um time da quarta divisão do Paraguai, até que o
Libertad me comprou ainda na base. Somos oito irmãos, três que jogam futebol.
Além de mim, tem um no Newell´s, da Argentina, e outro na base do Olimpia. O
futebol hoje em dia é uma oportunidade de ganhar a vida, poder ajudar aos
familiares... Eu pude ajudar muito. Por isso, tudo vale a pena, todo
sacrifício.
Uma pessoa muito importante na
sua trajetória foi o Tata Martino, que deixou o Barcelona recentemente e
assumiu a seleção da Argentina. Como começou sua relação com ele? Ainda mantém
contato?
- Ele foi quem me subiu para os profissionais no Libertad e é uma
pessoa muito importante na minha vida. Sempre que é possível, nos falamos pelo
telefone. Foi também quem me levou para seleção e tenho que agradecer muito por
toda oportunidade que ele me deu.
Ainda há quem compare seu rendimento
pelo Libertad e pelo Flamengo e tenha questionamentos, principalmente no
posicionamento. Você mudou mesmo a maneira de jogar no Brasil ou não concorda
com isso?
- Mudei, sim. Lá no Paraguai o esquema também é diferente, eu podia
sair mais para atacar, revezava com meu companheiro de posição. Aqui no Brasil,
o primeiro volante fica mais preso e sai muito pouco para o jogo. No Paraguai,
eu conseguia jogar mais próximo do gol, mas hoje em dia gosto dessa posição.
Não me arrependo, não.
No Paraguai, você é muito
conhecido como "Topo", que é seu apelido. Queria que você explicasse
a origem? Gostaria de ser chamado assim no Brasil também?
- Não é algo que me incomode. Desde menino, meu irmão mais velho me
chama assim por conta do boneco Topo Gigio, que era um rato com os dentes na
frente e a orelha grande (risos). Ele falava que era parecido comigo e pegou.
Os jornalistas começaram a chamar assim e ficou.
Recentemente, o Luxemburgo te
comparou com o Reyes, zagueiro paraguaio que marcou época no Flamengo nas
décadas de 60 e 70. Ele é uma inspiração para você? Já conhecia a história
dele?
- Na verdade, não conhecia, mas meu pai fala muito. Recentemente,
Luxemburgo também me lembrou da história. Fui pesquisar na internet e achei
muito legal. É muito inspirador. Nós sempre sonhamos em criar identificação com
o clube, virar ídolo. Ainda mais em um clube como o Flamengo.
No Libertad, você nunca tinha
passado por essa situação de brigar contra o rebaixamento. Como está encarando
esta realidade no Flamengo? Dá para manter a tranquilidade?
- Nunca passei por isso. Só aqui no Flamengo no ano passado, quando
vivemos mais ou menos e conseguimos sair rápido. Esse ano está complicado, mas
a chegada do Luxemburgo foi importante para passar tranquilidade, motivação. Com
certeza vamos sair dessa situação. Estamos trabalhando forte e com dedicação.
Vamos brigar por coisa melhor.
Você falou que os paraguaios têm
muito essa postura de entrega por não serem tão técnicos. Diria que este é um
exemplo a ser seguido por este Flamengo, que não tem conseguido demonstrar
tanta qualidade com a bola nos pés e deve apostar na superação?
- A vontade não pode faltar nunca no futebol, temos que ter sempre.
Contra o Botafogo e o Sport, demonstramos que queremos algo melhor. Se não
estamos podendo jogar bem, temos que ganhar com raça, com vontade, com o
coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário