sábado, 14 de dezembro de 2013

Promessa do basquete nacional, pivô lembra as pedras no caminho até o Flamengo

A distância de aproximadamente 300km que separa Pouso Alegre, em Minas Gerais, cidade natal de Cristiano Felício, e o ginásio do Tijuca, no Rio de Janeiro, local da partida entre Flamengo e São José, neste sábado, às 17h, pela décima rodada do NBB, quase some no mapa diante das adversidades que o pivô precisou superar antes de ser apontado como uma das maiores promessas da modalidade no país.

Deslumbrado com o Rio de Janeiro, Cristiano Felício posa na Lagoa Rodrigo de Freitas (Foto: Divulgação/MPC Rio Comunicação) 
Com o desejo de conhecer o Corcovado adiado em razão do mau tempo que tem castigado o Rio de Janeiro, Cristiano Felício tem que se contentar em posar para fotos na Lagoa Rodrigo de Freitas (Foto: Divulgação)

Contratado pelo clube da Gávea no início desta temporada após um imbróglio envolvendo o Minas Tênis - que o impediu de ingressar no basquete universitário dos Estados Unidos - Felício, aos poucos, vem readquirindo seu ritmo de jogo. E ganhando espaço na equipe comandada pelo técnico José Neto, principal responsável por sua contratação. 

Com médias de 6.8 pontos, 3.3 rebotes, 0.5 assistência e 0.3 toco por partida na temporada, o jogador de apenas 21 anos terá uma missão indigesta pela frente neste sábado: parar o gigante de 2,11m Caio Torres, que trocou o Flamengo pelo São José após o título do NBB 5 com a equipe rubro-negra. E abriu as portas para sua contratação.

- Não joguei com o Caio no Flamengo, mas tive a oportunidade de treinar com ele na seleção brasileira. Sofria bastante para marcá-lo. É um excelente jogador, um pivô pesado dentro do garrafão e que vai nos dar muito trabalho como todo o time do São José - afirmou o camisa 21.    

Bom de bola e fera no handebol 

 Antes de desembarcar no Rio de Janeiro e se encantar, muitas incertezas desafiaram o caminho de Cristiano Felício. Até mesmo a opção pelo basquete não surgiu de imediato. A convicção de que seu futuro estava diretamente ligado ao esporte da bola laranja só veio aos 13 anos, após ter sido convidado por um professor para integrar o time da Escola Dr. Ângelo Cônsoli. 

- Quando era mais novo, eu praticava handebol na escola e no time da cidade. Jogava bem e cheguei a disputar alguns torneios. Mas sempre fui apaixonado por futebol. Aos 11 anos, comecei a jogar como meia no time Sul Minas. O problema é que o campo era longe da minha casa. Como minha família não tinha recursos para comprar o material necessário e para pagar meu deslocamento, tive que desistir - explicou.

Mosaico Cristiano Felicio (Foto: Divulgação/MPC Rio Comunicação) 
 
Conhecido por seu jeitão tímido e calado dentro e, principalmente, fora das quadras, o pivô do Flamengo abre o sorriso num dos muitos momentos de descontração durante a entrevista (Foto: Divulgação)

Essa foi apenas a primeira frustração na caminhada do pivô. Assim que aceitou o convite e percebeu que o basquete tinha sido a escolha mais acertada, Cristiano Felício começou a sonhar com a NBA. Entre idas e vindas, passou por Varginha e sobreviveu a uma reprovação num teste no Minas Tênis Clube até ser aprovado em Pindamonhangaba e defender o Jacareí, perto de São José dos Campos, por um ano e meio. Em seguida, surgiram a primeira chance com a camisa da seleção brasileira e um golpe do destino a seu favor.

- No meio da segunda temporada em Jacareí, fui convocado pelo Gustavo Conti (técnico do Paulistano) para a seleção cadete (sub-17) com o Raulzinho e o Lucas Bebê. Logo depois, fui chamado novamente pelo Minas para fazer um teste. Desta vez, eu passei. Só que, por ironia do destino, meu primeiro técnico lá foi justamente o cara que me reprovou da outra vez. Ele jurava que não se lembrava de mim (risos) - lembrou o pivô rubro-negro.

duros golpes: Morte do pai e volta dos EUA

Foram quase três anos em Belo Horizonte e outros dois duros golpes que a vida lhe proporcionou. O primeiro e mais difícil, em 2010: a morte de seu pai, Agnelo, a quem era muito apegado. Depois, no fim do ano passado, após ser impedido pelo Minas de jogar no basquete universitário americano e ver o sonho de jogar na NBA ser abreviado. Até hoje o clube luta na Justiça por uma indenização por ser o time formador.

- Meu pai e minha mãe eram divorciados quando ele morreu, mas foi muito difícil, pois eu era o mais próximo dos cinco filhos. Não poder continuar nos Estados Unidos também foi muito frustrante. O basquete lá é muito diferente, desde o ritmo dos treinamentos até a estrutura. Eu treinei e estudei numa prep. school - uma espécie de escola intermediária entre o colegial e a universidade - no estado da Califórnia durante nove meses e cheguei a disputar alguns jogos. Minha intenção era ficar, passar para uma universidade e depois tentar entrar na NBA. Infelizmente não deu, mas ainda vou realizar esse sonho no futuro - apostou Felício.

A morte do pai o aproximou ainda mais da família. Criado pela mãe, Maria Lúcia, e pelas irmãs mais velhas Carolina, de 27 anos, e Verônica, de 26, Cristiano se viu na obrigação de assumir o papel de chefe da casa e dar uma vida melhor para o clã dos Silva, que conta ainda com Rafael, de 19, e a caçula Vitória, de 14, única a seguir seus passos no esporte.

- Ela leva jeito e poderá ter um futuro brilhante se continuar se dedicando nos treinos. Minha família é muito humilde e me sinto na responsabilidade de dar uma vida melhor para eles. Somos muito próximos e estou sempre ligando para saber se eles estão precisando de alguma coisa. Meu pai era aposentado, e minha mãe é professora. Ela é uma heroína para mim. Sempre trabalhou bastante, até em dois períodos, para conseguir sustentar a gente. Minhas irmãs mais velhas também foram muito importantes, pois sempre cuidaram de mim e dos mais novos quando minha mãe tinha que trabalhar - contou Cristiano.

Brasil basquete Jamaica Cristiano Felicio (Foto: EFE)Do alto de seus 2,10m, o olhar tímido, quase impenetrável, e a voz baixa contrastam com sua força e sua explosão dentro do garrafão. Características que o levaram à seleção adulta que disputou a Copa América de Caracas, entre os meses de agosto e setembro deste ano. Apesar da trágica campanha em terras venezuelanas, o pivô do Flamengo aprovou a experiência e torce para que o Brasil seja um dos convidados para o Mundial da Espanha, no ano que vem.  

- Foi meu primeiro torneio pela seleção principal e às vezes eu não sabia como reagir. Sou tímido e fiquei um pouco acanhado e intimidado, pois não conhecia alguns jogadores pessoalmente. O mais importante foi adquirir mais experiência internacional com esses atletas mais velhos. Mas o Neto e o Rodrigo (assistente) sempre me pedem para falar mais dentro de quadra, e eu acho que melhorei desde que cheguei ao Flamengo - destacou.

Se durante os treinos e jogos Marcelinho Machado, Gegê e Shilton são os jogadores que mais falam e orientam Cristiano, fora de quadra Jerome Meyinsse é o grande parceiro da promessa mineira. Os dois só não estão juntos quando o camisa 21 prefere a companhia feminina de uma "nova amiga", que ele prefere não citar o nome.  

- Não estou namorando, mas estou conhecendo uma pessoa e está sendo muito legal. Principalmente porque ela está me ajudando a conhecer melhor a cidade (risos). Mas meu grande parceiro é o Jerome. Ele está encantado com o Rio de Janeiro como qualquer pessoa, mas é bem mais empolgado do que eu. Eu sou mais calmo e gosto de sair para comer e ir ao cinema - disse o pivô, que ainda não conheceu o Corcovado e o Pão de Açúcar.


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