Selecionar com mais qualidade, captar parcerias lucrativas e internacionalizar a marca Flamengo são os três maiores trunfos para solidificar o futuro das categorias de base do clube, que vive período de novos projetos e, consequentemente, a esperança de dias melhores. Na sequência do especial preparado pelo GLOBOESPORTE.COM, iniciado na última quinta-feira com o choque de gestão já implantado, é a vez das ideias a médio e longo prazo dos diretores Carlos Brazil e Carlos Noval entrarem em campo. Sem a certeza do amanhã, já que a gestão de Patricia Amorim poderá ser encerrada em dois anos, a dupla espera deixar um legado de profissionalismo, reorganização e bons frutos colhidos na função.
Até aqui, o que foi posto em prática não exigiu muito mais do que interesse, pesquisa, conhecimento da área e esforço braçal. Entre disciplinar a garotada e olhar para a frente com a consciência do peso que representa o Flamengo, a nova equipe montada reconhece que tem um desafio mais árduo pela frente: produzir em meio à grave limitação financeira. A presidente confessa que não será possível destinar à base um orçamento próprio para 2011, embora esse seja o objetivo no ano seguinte. Portanto, a palavra-chave é criatividade.
Após uma sequência de reuniões de integração, ficou claro que era fundamental ter um cuidado especial com os processos de seleção, que, afinal, norteiam a escolha de grande parte dos jogadores que, em tese, logo vestirão a camisa rubro-negra. Assim, foi criado o Projeto TOCAR, cuja sigla significa testar, observar, captar e avaliar. É o primeiro passo para que pequenos craques tenham a oportunidade de ir para a Gávea antes de serem seduzidos pela melhor estrutura de rivais.
- Estamos usando um campo em Nova Iguaçu, que foi cedido gratuitamente, para desenvolver esse projeto. Identificamos que os jovens não eram testados justamente pelo clube. Alguns tinham minutos para mostrarem o que sabem. Desde o dia 17 de novembro, reunimos 40 garotos que terão até um mês de treinos até serem selecionados. Isso não é uma simples peneira, é um processo organizado. Mesmo os primeiros cortados têm, no mínimo, 80 minutos em dois dias para provarem que podem permanecer - esclareceu Carlos Brazil,diretor administrativo.
Os times que saem de Nova Iguaçu, então, enfrentam os equivalentes à categoria no Flamengo para um teste final. Nesse esquema, o clube mantém o coordenador Mauro Felix e mais quatro observadores, que também já viajam ao redor do país em busca de revelações. Uma ação que poderia ser onerosa para os cofres, mas que, através de bom relacionamento e ênfase na divulgação da marca, parece se tornar bem simples.
- Toda competição tem interesse de receber alguém do Flamengo. Por isso, ao anteciparmos que há um torneio a ser disputado em determinado lugar, entramos em contato para ver se é possível que a organização pague o deslocamento e a hospedagem de um observador. Geralmente, dizem que sim e economizamos mais um pouco. Também já costuramos acordos e vamos repassar os contratos, ainda sob aprovação, a donos de núcleos espalhados para que indiquem jogadores só para nós. Em troca, oferecemos um pequeno percentual dos direitos do garoto - destacou Brazil.
Atrelado a isso, está sendo reativado pouco a pouco o Projeto Soma, um dos mais antigos e vencedores, que auxiliou na formação de Zico e Bebeto, por exemplo. A atividade consiste na escolha de alguns talentos que precisam crescer mais ou ganhar massa muscular para fornecer-lhes acompanhamento alimentar frequente. Já houve reuniões com o médico Serafim Borges, autor da ideia no fim da década de 60, para que patrocínios sejam captados. Assim, mais uma vez, haverá redução de despesas. Está prevista ainda a criação de um software para que as estatísticas da meninada possam ser acessadas com mais rapidez por qualquer um.
Correndo contra o tempo
Clubes como São Paulo e Inter, por exemplo, além de já contarem com centros de treinamento prontos, investem quase R$ 20 milhões por ano no que se torna sua maior fonte de receita, já que, a cada temporada, vários valores são vendidos para o exterior. Criado pela Fifa, o "mecanismo de solidariedade" (que prevê um reembolso de 5% ao formador a cada transferência internacional de um jogador oriundo de sua base) em geral é repassado para os custos das divisões. No Rubro-Negro carioca, a luta é para que isso venha a ocorrer um dia.
Sem estar livre das críticas, sobretudo pelo mau desempenho do futebol, a presidente Patricia Amorim fez um desabafo em relação ao esforço para resolver problemas internos antigos e aprovar novas ideias, que, segundo ela, pouco é divulgado.
- Venho tentando fazer o possível. Se lanço campanha para o CT, não esqueço do museu. Ou seja, penso no futuro sem resgatar o passado. Mas é claro que o trabalho visa o hoje também. Esse primeiro ano de Flamengo foi barra pesada, é uma escolha de Sofia diária. Aconteceu tudo ao mesmo tempo: prisão do Bruno, perda da nossa casa (Maracanã, em obras), os títulos que não vieram... Só que, junto a essa força na base, também pagamos oito meses de salários do futsal, que estava abandonado. Não há mais dívidas em alguns setores. O objetivo é zerar tudo para ter as certidões negativas e, assim, possamos usar benefícios da Lei de Incentivo Fiscal, como outros clubes. Parcerias menores, como a Ambev, que nos rende R$ 2,5 milhões por ano, e a Sky já têm tido o dinheiro revertido para a remodelação do Ninho do Urubu e o esporte amador - colocou Patricia.
Disputa pelos direitos
Menina dos olhos, o citado CT de Vargem Grande, gerenciado por Paulo Nascimento, é outro que conta com projetos ambiciosos. Se em princípio a construção de novos vestiários, refeitório e alojamentos são prioridades, para o fim de 2012 espera-se ter um pequeno estádio para jogos da base e uma escola em funcionamento dentro do território, que pertence ao clube desde o começo da década de 80, quando George Helal era o presidente. A mandatária rubro-negra já está em contato com o Governo do Estado para viabilizar o assunto antes do fim de seu mandato.
Enquanto os sonhos não se concretizam, a diretoria da base faz o que pode para evitar que empresários e investidores "fatiem" a garotada. De acordo com o que ficou estabelecido nas novas normas, o padrão "fifty-fifty" (50% para cada lado) não existe mais.
- Fincamos o pé quanto a isso, o Flamengo não pode ser refém, até porque, sem a marca, sem o desenvolvimento, ninguém garante futuro de jogador. Quase todos nos disseram que estávamos dando um tiro no pé, que não dava para mudar isso. Fomos metralhados mesmo, sob a ameaça de perdermos os meninos. Mas nada disso aconteceu. Não posso revelar qual o máximo, só não há mais acerto com esse percentual. Os exemplos estão aí: se o Santos tivesse Ganso e Neymar por inteiro, talvez já pudesse ter feito bons negócios - colocou Carlos Noval.
Bandeira internacional
Por fim, ainda há a intenção de ampliar a divulgação da marca do clube fora do Brasil. Para isso, campanhas que já vem sendo feitas por Botafogo e Vasco, principalmente, serão implantadas pelo departamento de marketing. O primeiro Fla Camp, por exemplo, deve ser feito nas férias escolares do meio do ano que vem. Em época não muito distante, planeja-se realizar o Fla Day, para trazer gente de fora para conhecer a história rubro-negra e o que ela representa dentro do futebol. Na mão contrária, a partir da entrada de alguns recursos, a garotada será levada para torneios na Europa, o que raramente foi posto em prática nas últimas décadas.
- Há o cuidado de não darmos um passo muito maior. Os projetos estão sendo tocados por prioridade. E é possível arrecadar mais do que gastar. Quando houver solidez, iremos ao exterior. Tem clubes que já estão tão adiantados, como o São Paulo, que diz que não viaja mais para fora para não perder os bons jogadores. Penso diferente: não dá para recusar. É só não levar os melhores com frequência - analisa Brazil.Maior ídolo do Flamengo, Zico aprova o rumo que a base tem tomado pelas mãos de Patricia Amorim, Carlos Noval e Carlos Brazil. Mas faz seus alertas.
- Eles têm o respaldo para um bom trabalho e estão tirando um pouco do amadorismo da categoria. Só que é preciso investir. Deve-se entender que base não é gasto. E tem de ser a longo prazo, parar pelo caminho pode pôr tudo a perder. Além disso, espero que não se torne aquele "cabide de emprego", em que parentes e amigos entram para não fazer nada e estouram orçamentos. Já se aprendeu muito com os erros de antes. Não tenho mais sonho na vida, só a vontade de ver o Flamengo lucrando de verdade com isso - disse, por telefone, à reportagem do GLOBOESPORTE.COM.
Diante de tantas ideias e boas intenções, aumenta também a responsabilidade dos envolvidos e o torcedor, certamente, também ficará de olho nos próximos passos da diretoria, com tanta ou mais vontade de ver um geração de craques formados em casa brilharem nos gramados pelo mundo. Claro, com o manto rubro-negro.
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