Fosse o futebol uma escola, Márcio Araújo seria daqueles alunos pouco populares, que sofrem até certa provocação dos mais agitados tamanha a discrição, mas que são os queridinhos dos professores. Disciplinado, cumpre as tarefas à risca, mas evita badalação. Foi assim no Atlético-MG e no Palmeiras. Tem sido assim no Flamengo. O risco de ficar marcado somente por um brilho improvável na final do Carioca do ano passado já ficou para trás. Queridinho de Vanderlei Luxemburgo, o volante se tornou peça intocável no esquema rubro-negro. Quase invisível durante a maior parte da temporada, vive nesta semana um raro momento sob holofotes, graças ao reencontro com o rival da semifinal do Carioca, domingo, no Maracanã.
Márcio Araújo ficou fora de apenas um jogo no ano: o trágico empate com o N. Iguaçu (Foto:Cahê Mota/GloboEsporte.com)
No lugar dos gols, que são escassos - apenas três -, Márcio Araújo conquistou seu espaço no Flamengo pela versatilidade e dedicação. A fórmula já tinha dado certo com Felipão, que o mantinha na equipe do Palmeiras mesmo diante de protestos do torcedor, e cativou também Vanderlei Luxemburgo. Desde a chegada do treinador, em julho, o volante é, ao lado de Canteros, o jogador de linha que mais esteve em campo: 49 aparições em 55 partidas, atrás apenas de Paulo Victor, com 52. Neste ano, houve apenas uma ausência, por suspensão, nas 22 exibições do time - e justamente no fatídico empate com o Nova Iguaçu, que custou a Taça Guanabara. Números que comprovam a estabilidade de um herói de título que não abre mão do perfil operário:
- É complicado se defender, falar bem de si próprio. Deixo o trabalho falar por si só. Essa é a melhor forma do jogador se expressar e responder qualquer crítica. As pessoas que nos comandam e nos dão oportunidade não são loucas. São pessoas que têm experiência, qualificadas. A melhor forma de responder é dando o retorno em campo. Talvez, quem vai ao estádio não sabe o que é passado pela comissão técnica. Quando não tem uma situação de jogar do meio para frente, de não chutar tanto ao gol, talvez não agrade tanto.
O destino, entretanto, reservou a Márcio Araújo a eternidade quando o assunto é Flamengo e Vasco. O momento quase que único de protagonismo é guardado como o mais importante da carreira e determinante para que o jogador que chegou à Gávea depois de um mês desempregado se firmasse:
- Foi um presente para coroar a chegada ao Flamengo. Um título, um gol... Não imaginava chegar a tanto na minha vida. É o grande momento da minha carreira. Chegar ao time da minha infância, que sempre torci, acompanhava a rivalidade... Poder jogar contra o Vasco foi muito importante. Marcou minha vida, me deu confiança e crédito junto ao torcedor para crescer durante a temporada.
Domingo, às 16h (de Brasília), Márcio Araújo revive a história de uma decisão com os vascaínos. Repetir o momento de artilheiro no Maracanã não está entra suas pretensões. Discreto, sabe que o que o manteve na equipe por tanto tempo vai além disso. E, desta vez, impedir gols também pode valer o posto de herói. Com a vantagem do empate, o Flamengo vai à decisão se não for vazado.
Confira abaixo todo bate-papo do volante com o GloboEsporte.com sobre o clássico e sua curta e intensa passagem pelo clube do coração:
Pouco mais de um ano depois do título do ano passado, você reencontra o Vasco em um jogo decisivo. Quando você olha para trás, quais são as recordações da final do ano passado? O que passou na cabeça de vocês naqueles últimos minutos até o seu gol?
O lance ficou marcado não somente por dar o título ao Flamengo, mas também por toda polêmica envolvendo a posição irregular. Dentro de campo, já foi possível ter essa percepção? Como você lidou com toda repercussão?
- Foi uma surpresa para mim e para todos que estavam em campo. Não tinha como analisar nada no momento do jogo, tanto que ninguém reclamou. Analisar depois é mais complicado, mas não tira o valor do nosso esforço, da nossa campanha intocável. Lideramos o campeonato todo. Acho que venceu o melhor.
Depois de tudo isso, reencontrar o Vasco é especial? Qual a diferença para os outros três confrontos deste ano?
- É um clima de maior decisão por ser o último. As equipes estão bem preparadas, com alguns jogadores que se qualificaram por estarem vindo do departamento médico. O time está inteiro, completo. Vai ser um jogo muito mais atrativo do que o primeiro.
As duas últimas partidas foram marcadas por lances violentos, reclamações envolvendo a arbitragem... Há preocupação de que o futebol seja o foco desta vez?
Apesar de muitas vezes o torcedor criticar, questionar, você é um dos jogadores mais regulares do Fla desde o ano passado, os números mostram isso. Qual o segredo?
- É trabalho, respeito, busca pelo espaço a cada treino, a cada oportunidade. São 30, 40 jogadores, uns cinco, seis por posição, e temos que fazer sempre algo mais, estar se renovando para buscar a posição, não reclamando por não sermos os escolhidos. Muitas vezes não fui e tive paciência para trabalhar. Não podemos reclamar por não jogar. A temporada é longa e sempre vamos ter uma oportunidade. Temos que estar preparados para agradar torcida, imprensa, treinador...
Você tem consciência da importância que o Vanderlei dá para você no esquema atual? Se sente quase que intocável?
- Futebol é muito momentâneo, e as coisas passam rápido. Se a pessoa se iludir com números, com partidas em sequência, pode diminuir o ritmo. Talvez seja o meu melhor momento. O Vanderlei não se contenta com pouco, está sempre cobrando mais. Quando ele chegou, quem não estava bem cresceu. Outros que estavam bem, como o Everton, também cresceram de rendimento. Ele fez isso com o Cirino que ninguém entendeu (mudança de posição) e está dando resultado. Quantos gols ele já fez? Isso nos faz crescer. Claro que me sinto elogiado por ser escolhido, prestigiado por estar em campo, mas não me iludo. Não podemos abaixar a guarda. Sou grato pelas oportunidades, mas sei que tenho que sempre trabalhar mais.
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