quarta-feira, 15 de abril de 2015

Balanço do Flamengo enche os olhos



Em outra situação, o título deste post seria “Balanço do Flamengo enche os olhos e o cofre”, mas na atual conjuntura enche somente os olhos, e já está fantástico, bom demais.

O balanço publicado no diário Valor Econômico nessa segunda-feira, dia 13 de abril, foi o primeiro dessa “safra”. Considerando as receitas totais e operacionais, ele surge já como o melhor balanço de 2014, e com larga margem sobre os demais, mesmo sobre os dois clubes que há muitos anos lideram esse ranking – Corinthians e São Paulo. Se considerarmos, porém, somente as receitas sem os valores de transferências de atletas, o Flamengo em 2013 já foi o clube de maior faturamento no Brasil.

A receita é apenas parte do balanço, mas é o número mágico que mostra quanto dinheiro entrou no caixa, teoricamente, e é o número que primeiro enche os olhos de todos. E também desata a imaginação sobre o que fazer com ele...

Em outros tempos, todo o dinheiro arrecadado em 2014 já estaria hoje comprometido com gastos diversos, principalmente contratações bombásticas que, acima de qualquer dúvida, gerariam gastos enormes em pouco tempo transformados em novas e pesadas dívidas. Agora foi diferente, como vamos ver.

Em 2013, as despesas operacionais do clube atingiram o valor de R$ 232,3 milhões.

Em 2014, essas mesmas despesas caíram para o valor de R$ 229,7 milhões.

Isso significou uma redução de 1,1% nas despesas.

Ah... Sério que você tá valorizando uma redução de um por cento? Sério? – muitos leitores já estarão perguntando.

Sério, muito sério, sim. Primeiro, porque significa que as despesas foram controladas. Segundo, e aqui está o grande pulo do gato dessa gestão rubro-negra, porque as receitas cresceram uma barbaridade! E mesmo assim não se gastou por conta delas.

Em 2013 as receitas operacionais líquidas do Flamengo foram de R$ 259,2 milhões.

Em 2014 essas receitas chegaram ao total de R$ 334,3 milhões.

Um crescimento de 29% nas receitas! E as despesas diminuíram! É, repeti, mas é tão raro vermos isso no Brasil, que vale a pena repetir.

É essa combinação que faz a gestão rubro-negra ser diferente em relação às anteriores e ser diferente da gestão da maioria dos nossos clubes. Em síntese: a receita cresceu muito e assim mesmo as despesas foram controladas, até diminuindo um pouco de um ano para outro. Esse é, teoricamente, o comportamento ideal, principalmente em situações pouco confortáveis da economia ou do clube. E, na situação do Flamengo, é o comportamento necessário, absolutamente necessário, sem deixar margem à menor aventura.

Como disse em 2014, falando sobre 2013, repito agora em 2015, falando sobre os números de 2014: cenário lindo, mas nem tudo são flores. Há espinhos e eles são muitos. Se de um lado o clube teve um fantástico superávit de R$ 64,3 milhões, saindo de um déficit de R$ 19,5 milhões em 2013, por outro gastou a enormidade de R$ 40,3 milhões em despesas financeiras nesse exercício. Mesmo assim, um valor 13,1% inferior ao de 2013. O valor de despesas financeiras é ainda maior, mas nesse caso já por conta das dívidas antigas em processo de pagamento. Fica claro, portanto, que esses quarenta milhões são despesas financeiras sobre as operações correntes do clube.

Há outros espinhos, todos dolorosos. O clube tinha, em 31 de dezembro de 2014, um total de R$ 140,6 milhões em dívidas financeiras para pagar, sendo a metade quase exata – 50,4% - a curto prazo.

Essas dívidas são caras. Elas se referem a dinheiro para despesas correntes e, em boa parte, são os famosos “adiantamentos” de direitos de transmissão e patrocínios. Como já explicado inúmeras vezes nas páginas (eletrônicas) desse OCE, a Globo ou os patrocinadores não adiantam dinheiro de seus caixas. Confiando na direção e dentro dos contratos já existentes, essas empresas concordam em repassar ou avalizar empréstimos feito junto a instituições financeiras. Trocando em miúdos: o clube “vai” no banco e pede um empréstimo, dando como garantia o que tem a receber no futuro.

Por que são caras? Porque elas têm um custo médio mensal na faixa de 1,3% a 1,8%. Algumas operações são acrescidas, ainda, da Taxa SELIC, que nesse momento está na casa dos 10% ao ano. Isso significa, por exemplo, que um empréstimo feito pelo Banco BIC, tem um custo hoje de quase 2,5% ao mês de juros!

Absurdo?

Claro que sim, muito absurdo.

Necessário?

Muito necessário. Isso é feito por todos os demais clubes da Série A, uns mais, outros menos.
  
Muito bem, vamos a alguns pontos importantes e positivos.

Marketing – cresceu 49,9% apenasmente, como diria o saudoso Odorico Paraguaçu; o  marketing rubro-negro é uma estrela, com uma receita de R$ 79,9 milhões.

Sócio-Torcedor – cresceu 84,2%, passando de R$ 16,5 para R$ 30,4 milhões. A grande estrela aqui é o torcedor.

Direitos de transmissão, o famoso “dinheiro da TV”, passou de R$ 110,9 milhões para R$ 115,1 milhões.

Bilheteria – esse foi o único dos grandes componentes da Receita Operacional que apresentou queda - 18% - com um total de R$ 40,1 milhões em 2014 contra R$ 48,9 milhões em 2013. Existiram motivos para isso, mas por ora ficarei apenas nos números.
 
Nos próximos dias e já no princípio de maio, teremos análises mais completas não só sobre o Flamengo como, também, dos demais clubes da Série A e alguns da B.

Veremos que o ano de 2014 foi muito cruel para quase todos os clubes brasileiros, inclusive com alguns apresentando quedas nas receitas.

Como venho dizendo nos posts sobre a MP 671 ou sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte, esse ano corrente e muito provavelmente o próximo serão extremamente duros para todos: governo, empresas, clubes de futebol e nós, cidadãos.

Hoje é comum ouvirmos os mais diversos dirigentes de clubes falando em racionalidade, controle de gastos, sustentabilidade e outros termos e expressões bonitos e bem intencionados. A prática da maioria, porém, destoa das palavras. Inclusive, já tivemos a mostra que a maioria não enxerga a Lei de Responsabilidade Fiscal como positiva em suas exigências. Muitos chegaram ao ponto de falar que não vão aderir e pediram mudanças no texto em tom de exigência. Ora, francamente, recebe um favor e faz exigências sem nada mostrar de sério em contrapartida?

No Flamengo, que recém-aprovou sua própria versão da lei de responsabilidade fiscal (comentada aqui), as palavras e a prática têm caminhado juntas, na maior parte do tempo, com um ou outro escorregão, muito normal, de vez em quando. É isso que tem feito a diferença em relação ao passado, o que não importa muito, e em relação ao futuro, que é o que realmente importa.

À guisa de esclarecimento: não estou exagerando nos elogios ao Flamengo, como já disseram muitos leitores de forma até agressiva. Estou apenas comentando a realidade mostrada por números e por ações. Não sou torcedor do Flamengo, sou, desde o berço, torcedor do São Paulo FC, o que, de resto, nunca foi segredo e é sabido por todos os leitores mais ou menos regulares desse OCE.

E, por fim, gosto muito dos números, é verdade, mas gosto mais ainda do futebol, pura e simplesmente, acreditando que nessa fase de nossa história os números são essenciais para percebermos o buraco em que estamos e enxergarmos os caminhos para dele sair.

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