Em outra situação, o título deste post seria “Balanço do Flamengo enche os olhos e o cofre”, mas na atual conjuntura enche somente os olhos, e já está fantástico, bom demais.
O balanço publicado no diário Valor Econômico nessa
segunda-feira, dia 13 de abril, foi o primeiro dessa “safra”.
Considerando as receitas totais e operacionais, ele surge já como o
melhor balanço de 2014, e com larga margem sobre os demais, mesmo sobre
os dois clubes que há muitos anos lideram esse ranking – Corinthians e
São Paulo. Se considerarmos, porém, somente as receitas sem os valores
de transferências de atletas, o Flamengo em 2013 já foi o clube de maior
faturamento no Brasil.
A receita é apenas parte do balanço, mas é o número
mágico que mostra quanto dinheiro entrou no caixa, teoricamente, e é o
número que primeiro enche os olhos de todos. E também desata a
imaginação sobre o que fazer com ele...
Em outros tempos, todo o dinheiro arrecadado em
2014 já estaria hoje comprometido com gastos diversos, principalmente
contratações bombásticas que, acima de qualquer dúvida, gerariam gastos
enormes em pouco tempo transformados em novas e pesadas dívidas. Agora
foi diferente, como vamos ver.
Em 2013, as despesas operacionais do clube atingiram o valor de R$ 232,3 milhões.
Em 2014, essas mesmas despesas caíram para o valor de R$ 229,7 milhões.
Isso significou uma redução de 1,1% nas despesas.
Ah... Sério que você tá valorizando uma redução de um por cento? Sério? – muitos leitores já estarão perguntando.
Sério, muito sério, sim. Primeiro, porque significa
que as despesas foram controladas. Segundo, e aqui está o grande pulo
do gato dessa gestão rubro-negra, porque as receitas cresceram uma
barbaridade! E mesmo assim não se gastou por conta delas.
Em 2013 as receitas operacionais líquidas do Flamengo foram de R$ 259,2 milhões.
Em 2014 essas receitas chegaram ao total de R$ 334,3 milhões.
Um crescimento de 29% nas receitas! E as despesas diminuíram! É, repeti, mas é tão raro vermos isso no Brasil, que vale a pena repetir.
É essa combinação que faz a gestão rubro-negra ser
diferente em relação às anteriores e ser diferente da gestão da maioria
dos nossos clubes. Em síntese: a receita cresceu muito e assim mesmo as
despesas foram controladas, até diminuindo um pouco de um ano para
outro. Esse é, teoricamente, o comportamento ideal, principalmente em
situações pouco confortáveis da economia ou do clube. E, na situação do
Flamengo, é o comportamento necessário, absolutamente necessário, sem
deixar margem à menor aventura.
Como disse em 2014, falando sobre 2013, repito
agora em 2015, falando sobre os números de 2014: cenário lindo, mas nem
tudo são flores. Há espinhos e eles são muitos. Se de um lado o clube
teve um fantástico superávit de R$ 64,3 milhões, saindo de um déficit de R$ 19,5 milhões em 2013, por outro gastou a enormidade de R$ 40,3 milhões em despesas financeiras
nesse exercício. Mesmo assim, um valor 13,1% inferior ao de 2013. O
valor de despesas financeiras é ainda maior, mas nesse caso já por conta
das dívidas antigas em processo de pagamento. Fica claro, portanto, que
esses quarenta milhões são despesas financeiras sobre as operações correntes do clube.
Há outros espinhos, todos dolorosos. O clube tinha, em 31 de dezembro de 2014, um total de R$ 140,6 milhões em dívidas financeiras para pagar, sendo a metade quase exata – 50,4% - a curto prazo.
Essas dívidas são caras. Elas se referem a dinheiro
para despesas correntes e, em boa parte, são os famosos “adiantamentos”
de direitos de transmissão e patrocínios. Como já explicado inúmeras
vezes nas páginas (eletrônicas) desse OCE, a Globo ou os patrocinadores
não adiantam dinheiro de seus caixas. Confiando na direção e dentro dos
contratos já existentes, essas empresas concordam em repassar ou
avalizar empréstimos feito junto a instituições financeiras. Trocando em
miúdos: o clube “vai” no banco e pede um empréstimo, dando como
garantia o que tem a receber no futuro.
Por que são caras? Porque elas têm um custo médio mensal na faixa de 1,3% a 1,8%. Algumas operações são acrescidas, ainda, da Taxa SELIC,
que nesse momento está na casa dos 10% ao ano. Isso significa, por
exemplo, que um empréstimo feito pelo Banco BIC, tem um custo hoje de
quase 2,5% ao mês de juros!
Absurdo?
Claro que sim, muito absurdo.
Necessário?
Muito necessário. Isso é feito por todos os demais clubes da Série A, uns mais, outros menos.
Muito bem, vamos a alguns pontos importantes e positivos.
Marketing – cresceu 49,9% apenasmente, como diria o saudoso Odorico Paraguaçu; o marketing rubro-negro é uma estrela, com uma receita de R$ 79,9 milhões.
Sócio-Torcedor – cresceu 84,2%, passando de R$ 16,5 para R$ 30,4 milhões. A grande estrela aqui é o torcedor.
Direitos de transmissão, o famoso “dinheiro da TV”, passou de R$ 110,9 milhões para R$ 115,1 milhões.
Bilheteria
– esse foi o único dos grandes componentes da Receita Operacional que
apresentou queda - 18% - com um total de R$ 40,1 milhões em 2014 contra
R$ 48,9 milhões em 2013. Existiram motivos para isso, mas por ora
ficarei apenas nos números.
Nos próximos dias e já no princípio de maio,
teremos análises mais completas não só sobre o Flamengo como, também,
dos demais clubes da Série A e alguns da B.
Veremos que o ano de 2014 foi muito cruel para
quase todos os clubes brasileiros, inclusive com alguns apresentando
quedas nas receitas.
Como venho dizendo nos posts sobre a MP 671 ou
sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte, esse ano corrente e
muito provavelmente o próximo serão extremamente duros para todos:
governo, empresas, clubes de futebol e nós, cidadãos.
Hoje é comum ouvirmos os mais diversos dirigentes
de clubes falando em racionalidade, controle de gastos, sustentabilidade
e outros termos e expressões bonitos e bem intencionados. A prática da
maioria, porém, destoa das palavras. Inclusive, já tivemos a mostra que a
maioria não enxerga a Lei de Responsabilidade Fiscal como positiva em
suas exigências. Muitos chegaram ao ponto de falar que não vão aderir e
pediram mudanças no texto em tom de exigência. Ora, francamente, recebe
um favor e faz exigências sem nada mostrar de sério em contrapartida?
No Flamengo, que recém-aprovou sua própria versão da lei de responsabilidade fiscal (comentada aqui),
as palavras e a prática têm caminhado juntas, na maior parte do tempo,
com um ou outro escorregão, muito normal, de vez em quando. É isso que
tem feito a diferença em relação ao passado, o que não importa muito, e
em relação ao futuro, que é o que realmente importa.
À guisa de esclarecimento:
não estou exagerando nos elogios ao Flamengo, como já disseram muitos
leitores de forma até agressiva. Estou apenas comentando a realidade
mostrada por números e por ações. Não sou torcedor do Flamengo, sou,
desde o berço, torcedor do São Paulo FC, o que, de resto, nunca foi
segredo e é sabido por todos os leitores mais ou menos regulares desse
OCE.
E, por fim, gosto muito dos números, é verdade, mas
gosto mais ainda do futebol, pura e simplesmente, acreditando que nessa
fase de nossa história os números são essenciais para percebermos o
buraco em que estamos e enxergarmos os caminhos para dele sair.
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