terça-feira, 26 de agosto de 2014

Queda de moto perto de final e ídolo da mulher de Zico: Doval vai virar filme


Cartaz do filme de Doval (Foto: Divulgação)Raro. Adjetivo mais adequado impossível para qualificar sujeito de trajetória das mais peculiares dentre as vistas no futebol carioca: Horácio Narciso Doval, o Doval, o primeiro "El Loco" que jogou bola profissionalmente no Rio, onde tornou-se ídolo de Flamengo e Fluminense. Também conhecido como "Diabo Louro", faria 70 anos em 4 de janeiro deste ano caso uma parada cardíaca não o levasse prematuramente no dia 12 de outubro de 1991, aos 47. O septuagenário do argentino, aliás, é um dos principais motivos que levaram Sérgio Rossini, tricolor de coração, e Federico Bardini, compatriota do craque e rubro-negro desde 81, a investirem na produção do filme "Doval: o gringo mais carioca do futebol".

- Na realidade, o gancho é que ele nasceu em 1944 e estaria fazendo 70 anos no início de 2014. A gente até está um pouco atrasado, porque começamos a fazer o filme no ano passado com intenção de ficar pronto nesse ano. A gente espera acabar até o final do ano para poder casar com essa data de 70 anos. Vamos fazer uma algumas entrevistas ainda na Argentina e nos Estados Unidos, onde ele encerrou a carreira - disse Rossini.

O argentino não chamou atenção de Sergio e Federico somente pelo futebol. A forma como se adaptou rapidamente ao Rio de Janeiro, segundo a dupla, é das características mais encantadoras do protagonista da película que pretendem finalizar até dezembro.

O "carioca" Doval

- Há vários filmes do Pelé, do Zico, há um ótimo filme sobre Garrincha, mas não tem um sobre o Doval. Lógico que outros craques merecem filme, mas a vida do Doval é uma vida de filme mesmo, cinematográfica. Além de um ídolo de futebol, também foi uma figura pública bem interessante e popular. É um personagem carioca, que andava de moto em Ipanema sem capacete e nem chinelo. Quando era parado por policiais, logo era liberado. Era pão-duro. Falava "Ídolo não paga". Há uma padaria famosa aqui em Ipanema aonde ele tomava café diariamente e não pagava. Dizem que o português de lá ficava p... - afirmou Bardini, às gargalhadas.

torcedores Sergio Rossini fluminense e Federico Bardini flamengo (Foto: Fred Gomes) 
Rossini e Bardini fizeram questão de conceder a entrevista em frente à Rua Vinícius de Moraes, ponto da Praia de Ipanema onde Doval curtia seus fins de semana (Foto: Fred Gomes)

Doval vira filme também, de acordo com Rossini e Bardini, pela capacidade de agradar a gregos e troianos. No caso carioca, a rubro-negros e tricolores.

- Eu e ele (Bardini) não vimos o Doval jogar, mas queríamos fazer algo juntos há muito tempo. Pensávamos em algo sobre futebol, e eu já admirava o Doval e ele também. Eu, por ser tricolor, e ele, por ser flamenguista e argentino, fez do Doval nosso personagem ideal - explicou Rossini, que objetiva também descrever na obra os contextos políticos de Brasil e Argentina - o regime ditatorial imperava em ambas as nações.

"Essas cenas, as aventuras do Doval, têm que ser resgatadas em forma de ficção. Até hoje as pessoas que entrevistamos em Ipanema falam com muita saudade, choram e se arrepiam. Com certeza é o argentino mais querido do Brasil, pode fazer um enquete que não tem igual. Quem se compararia? O Tévez no Corinthians? Nem se compara. Um simples mergulho dele na Praia de Ipanema dava capa de jornal, algo muito incomum na época. 
Federico Bardini, aludindo ao poder midiático de Doval em época na qual a mídia não era tão presente quanto nos dias de hoje

Resgatar a memória de um dos maiores ídolos de Fla e Flu é outros dos grandes objetivos da dupla de diretores. Ambos concordam que pouco se fala de Doval atualmente. Dimensionam a importância do argentino para o Flamengo pautando-se em comentário de Márcio Mará, editor do GloboEsporte.com e um dos depoentes do documentário.

- É um personagem do qual a gente precisava contar essa história, completamente esquecida. Ninguém cita o Doval e ninguém lembra muito dele, é um nome que precisa ser trazido de volta. A partir do momento em que não se escuta falar do nome de um jogador, esse jogador vai ficando no esquecimento. O Mará diz que o Doval foi o único jogador capaz de dividir a idolatria da torcida rubro-negra com o Zico. Mará ainda afirma que o fato de a geração de Zico ter conquistado tudo pelo Flamengo acabou ofuscando um pouco do que foi o Doval e do que ele fez pelo clube - lamentou Rossini.

Pedido de doações

Doval nas areias de Ipanema (Foto: Arquivo de Federico Bardini e Sergio Rossini)Investimentos para a conclusão do filme são bem-vindos, afirma Rossini. Buscam doações num site de financiamento compartilhado, mas até agora só conseguiram cerca de R$ 400 dos R$ 129 mil que pretendem arrecadar. A dupla afirma que os doadores terão o nome incluído nos agradecimentos e poderão ganhar brindes. O valor da contribuição define a recompensa.

Gols pautaram a passagem do Gringo por Flamengo e Fluminense - foram 94 vestindo vermelho e preto e outros 68 ostentando a camisa tricolor -, mas histórias que certamente redundariam em polêmicas homéricas nos dias de hoje merecem destaque, opinam Rossini e Bardini. Para ilustrá-las aos mais jovens, lançarão mão de cenas ficcionais.

 Doval nas areias de Ipanema. No bairro, fez sucesso com as mulheres ao lado dos compositores Marcos e Paulo Cesar Valle, com quem formou o "Trio Colírio" (Foto: Arquivo de Federico Bardini e Sergio Rossini)

Queda de moto e "ciúme" de Zico

- Há muitas histórias interessantes, como a em que ele caiu de moto a dois dias da final do Carioca de 1974 e não conseguiu jogar - O Fla foi campeão. Vamos, inclusive, abrir teste para encontrar o Doval ator, essas cenas, as aventuras do Doval, têm que ser resgatadas em forma de ficção. Até hoje as pessoas que entrevistamos em Ipanema falam com muita saudade, choram e se arrepiam. Com certeza é o argentino mais querido do Brasil, pode fazer um enquete que não tem igual. Quem se compararia? O Tévez no Corinthians? Nem se compara. Um simples mergulho dele na Praia de Ipanema dava capa de jornal, algo muito incomum na época. A gente também levantou uma história de ciúme que foi logo totalmente desmentida pelo Zico. Há quem fale que o Zico foi um dos responsáveis pela saída de Doval, mas o próprio Zico afirma que era amigo dele. O Zico nos contou nas gravações que passou sua lua de mel em Buenos Aires e que lá o Doval os levou aos melhores lugares. O Doval também elimina qualquer hipótese disso quando disse, nos anos 70, que, apesar dos nove anos a mais que tinha em relação a Zico, guardava conselhos do Galo, pois o considerava muito mais profissional. O Doval era p... louca, e o Zico muito profissional - conta Federico.

A grande paixão da vida de Zico, aliás, é outro motivo de "ciúme". Sandra, antes de conhecer, namorar e se casar com o Galinho, ia à Gávea para tietar um jogador louro. Mas o "russo" em questão era Doval e não seu futuro amor. 

-  Ele conheceu a Sandra porque ela ia ao Flamengo por ser fã do Doval. Ela tinha um álbum com fotos do Doval, e o Zico brinca que, quando começou a namorar com ela, falou: "Joga isso no lixo" (risos) - prossegue Bardini.

Erro sobre morte

Outra meta do documentário é desmistificar uma das versões mais propaladas sobre a morte de Doval. Diz-se que o óbito se deu em meio a celebrações de vitória por 2 a 0 do Flamengo sobre o Estudiantes, em 9 de outubro de 1991, quando os clubes duelaram pela primeira fase da Supercopa. Na verdade, o Gringo veio a falecer três dias depois, num sábado. Segundo Federico Bardini, no fim de semana em questão, fruto de sua inexorável identificação com o Rubro-Negro, disputou torneio de masters com a camisa do Fla. Foi campeão e artilheiro, mas acabou transferido para o "time dos imortais" ao festejar mais um triunfo em vermelho e preto, porém protagonizado por ele próprio e não pelo time profissional, que, coincidentemente, passava pela Argentina na mesma semana.

- Quero desmentir isso. A gente comprovou que se trata de um erro histórico. O Flamengo joga na Argentina dias antes, quem nos contou a versão verdadeira foi o Gil (Búfalo, ponta-direita da máquina tricolor). Nesse fim de semana, houve um torneio sênior de futebol em que jogaram River Plate, mais um time que não lembro, o Flamengo e um time de São Paulo. O Gil contou: "Nunca joguei pelo Flamengo, mas o Doval me convidou e não pude recusar". O Flamengo ganhou o torneio, o Doval foi o artilheiro, e, à noite, foram comemorar num restaurante chamado "La Estancia" e depois foram para a boate "New York City". O Doval morre entrando no carro, na saída da boate. Dizem que, assim como o pai dele, era hipertenso - encerra Bardini.

Vinte e três anos se passaram do ocorrido, mas Doval, referência, ícone carioca e ídolo da dupla Fla-Flu, vive até hoje no Rio, mais especificamente nas areias de Ipanema.

Morte de Doval é informada por "O Globo" em 13 de outubro de 1991 (Foto: Reprodução/Acervo "O Globo") 
Morte de Doval é informada por "O Globo" em 13 de outubro de 1991 (Foto: Reprodução/Acervo "O Globo")

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