Nada de anormal, diz Wallace.
Mas, com certeza, a história a seguir não se enquadra nos padrões do
mundo do futebol. Novo reforço do Flamengo, o zagueiro chega ao clube
para um recomeço depois do Corinthians. Em um ambiente no qual o funk e
pagode são ritmos obrigatórios, o jogador - nascido em Conceição de
Coité, interior da Bahia - prefere ler a história de Arthur
Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX. Mas o enredo da vida do
menino brasileiro não deixa a desejar. Ele driblou a infância pobre. Até
aí, um capítulo mais do que comum. Mas, ao abrir o livro da sua vida,
surge o homem que, aos 25 anos, beijou apenas uma mulher na vida, quase
morreu na infância e tinha num simples banho o artigo de luxo.
- Fui formado nas categorias de base do Vitória, lá se incentivava a
leitura, ganhei o hábito, nada de anormal. Pode ser fora dos padrões de
jogador, mas nada de anormal – afirmou um sereno Wallace na sua
apresentação no Flamengo.
O hábito da leitura é para amansar a ansiedade, diz ele. Promessa de
muitas páginas nos próximos dias, enquanto o zagueiro espera o seu
primeiro jogo com a camisa do Flamengo.
Além de ler, ele é fã de cinema – filmes cult e documentários, é bom
frisar - e teatro. Mas, longe de qualquer peça, a vida de Wallace foi
marcada por dificuldades. Ainda criança no interior da Bahia, por causa
das secas e de períodos de até seis meses sem chuva, a água só era
aberta pela distribuidora uma vez por mês. E as famílias tinham que
armazenar o máximo possível.
A família se mudou para o Rio de Janeiro, onde o pai do jogador
trabalharia como frentista. O chão de um úmido dormitório alugado servia
de cama. Em vez de acalentar sonhos, isso causou ao menino Wallace
pneumonia por três invernos seguidos. Ele chegou a ser internado em
estado delicado.
Ainda criança, começou a tomar gosto pela bola. Como meia-esquerda, num
campeonato regional de futsal chamou atenção de um olheiro, que quis
levá-lo para o Vitória.
Em campo, o meia virou volante, depois zagueiro. Fora das quatro
linhas, a titular de seu coração era Jéssica, desde a adolescência.
- Até hoje, só beijei minha esposa – confessou o zagueiro, que tem um filho, Lucas, de sete anos.
Em recente entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, antes da conquista do
Mundial de Clubes da Fifa pelo Corinthians, Wallace revelou uma história
inusitada quando foi pai, aos 17 anos, com Jéssica tendo 16.
O jogador se mudou para a casa dos sogros e precisava economizar. E deu seu jeito:
- Eram três ônibus para ir ao treino e três para voltar (no Vitória).
Comecei a vender o vale-transporte para tentar comprar o enxoval, e
minha esposa, extremamente maquiavélica, bolou um jeito de eu não pagar o
ônibus: você vai fazer uma carteira de maluco e entrar como deficiente
físico. Fiz uma foto com a cabeça raspada, deixava a barba mal feita e
entrava babando, mancando. Batia na porta do ônibus e me fingia de mudo.
Foram seis meses assim, até que um policial me abordou e confiscou.
A maluquice ficou para trás. Agora morador do Rio, Wallace tem seu
carro para chegar ao Ninho do Urubu. Nos primeiros dias de treinamento, o
jogador demonstra extrema seriedade nas atividades e, quando atua entre
os reservas no coletivo, exibe boa marcação e disposição.
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