Vinte
e oito de agosto de 2004. Aos 24 anos, Walter Herrmann Heinrich ajudava
a Argentina a bater a Itália por 84 a 69 e conquistar a medalha de ouro
nos Jogos Olímpicos de Atenas, na Grécia. No bairro de Morón, na área
metropolitana de Buenos Aires, o então adolescente Nicolás Laprovittola
era só um entre milhões de argentinos que vibraram com a vitória de seu
país e passaram a idolatrar cada um dos 12 atletas daquela conquista
histórica. Com 14 anos na época, o hoje armador do Flamengo já dava seus
primeiros arremessos num clube do próprio bairro, mas sequer sonhava em
se tornar jogador profissional de basquete. Como em um conto de fadas,
quis o destino que exatos dez anos depois ídolo e fã se encontrassem no
Brasil para defender o mesmo time.
- Como qualquer garoto, eu
sonhava ser jogador, mas nunca imaginei que pudesse vir a me tornar
profissional, que defenderia a seleção argentina ou que jogaria em outro
país. Acompanhei todos os jogos daquela geração, mas na verdade não
conhecia muito bem os jogadores. Lembro que o Herrmann jogou demais
contra os Estados Unidos e só depois do ouro passei a seguir de perto a
carreira de cada um deles. Quando ele assinou com o Flamengo fiquei
muito feliz. Não só por ele ser argentino, mas pelo que significa para o
basquete do meu país - explicou Nico, se referindo à histórica vitória
da Argentina sobre os Estados Unidos por 89 a 81 na semifinal das
Olimpíadas de Atenas 2004.
Um dos heróis de Nico no ouro de 2004, Herrmann vira seu colega de time no Fla (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Se
atualmente os dois são referências na equipe comandada pelo técnico
José Neto e foram fundamentais na inédita conquista da Copa
Intercontinental de Clubes, domingo passado, contra o Maccabi Tel Aviv,
de Israel, há uma década Nico era apenas um menino sonhador que vivia
correndo atrás da bola laranja. Aliás, essa é a única certeza que o
camisa 7 do Flamengo guarda daquele 28 de agosto, além da idolatria pelo
heróis dirigidos por Rubén Magnano (hoje técnico da seleção brasileira
masculina) e dos jornais da época que eternizaram o título argentino.
-
É claro que assisti à final contra a Itália, só não lembro exatamente o
que fiz depois do jogo. Sei que
não fui beber para comemorar porque só tinha 14 anos (risos). A única
certeza que tenho é que fui jogar basquete com meus irmãos e amigos.
Tenho todos os jornais de 2004 guardados em casa até hoje. Aquele ouro
para mim vale muito mais do que qualquer conquista da seleção de
futebol. A importância deles para os argentinos é tão grande, que
recentemente o Tata Martino (técnico da seleção de futebol) disse numa
entrevista que admira demais a geração de 2004 e que aquela equipe é uma
das maiores da história do esporte da Argentina - destacou Nico
Laprovittola.
Atento e até um pouco surpreso com as palavras
de carinho e idolatraria do novo companheiro de time, Herrmann não
esconde o orgulho pela conquista de 2004, mas diz que nem por isso se
sente melhor do que qualquer outro atleta argentino. Talvez essa seja a
razão que faça o jogador mais valioso da Liga Argentina na temporada
passada afirmar que nunca imaginou que a inesquecível conquista na
Grécia pudesse ter influenciado tanto as gerações futuras.
Principal
reforço do Flamengo para a temporada 2014/15, Herrmann agradece os
elogios de Laprovittola e se diz envaidecido pela chance de jogar ao
lado de um admirador. Ao mesmo tempo, o modesto ala rubro-negro cita uma
situação vivida num
passado nem tão distante assim para explicar que com o tempo a relação
de idolatria
entre fã e ídolo acaba perdendo a validade.
-
Nós nunca esperávamos que aquela medalha fosse ter uma repercussão e
uma importância tão grande assim para o esporte argentino. É muito
gratificante para mim saber que um companheiro de time me admira e se
espelhou na minha geração para se tornar um jogador profissional. Mas
com o tempo essa admiração se torna uma coisa normal. Isso aconteceu
comigo também. Sempre admirei o Pichi Campana e o Marcelo Milanesio, que
eram dois jogadores incríveis da seleção argentina, e tive a
oportunidade de jogar com o Milanesio no Atenas de Córdoba. Lembro que
foi uma experiência especial para mim, mas que se tornou comum com o dia
a dia no clube e a rotina de treinos e jogos - explicou Herrmann.
O
reforço rubro-negro pode até ter razão, mas nem por isso tem deixado de
"explorar" a boa vontade de seu fã. Em fase de adaptação no Rio de
Janeiro, Herrmann tem abusado bastante de Nico fora de quadra. Quase que
como um guia, o armador rubro-negro tem deixado o campeão olímpico na
cara da cesta na hora de indicar "as boas" da Cidade Maravilhosa ao
amigo.
Desde os números das linhas de ônibus e suas direções
até a escolha do melhor açaí da cidade, vício adquirido por Nico em
pouco mais de um ano de Rio e que parece já ter contaminado seu
compatriota.
-
O Nico tem sido fundamental na minha adaptação. Ele já me passou todas
as linhas de ônibus que preciso pegar para chegar aos lugares que quero
conhecer (risos). Segunda-feira peguei o 570 para conhecer o Corcovado
com meus três amigos argentinos que vieram assistir à Copa
Intercontinental. Fiquei impressionado com a beleza do lugar e o tamanho
do Cristo. Ele já me apresentou o Leblon e também me levou para tomar
açaí em Copacabana. Minha pedida foi com banana e morango e adorei -
disse Herrmann, que assim que desembarcou no Rio foi ao Maracanã
assistir à vitória do Flamengo sobre o Corinthians, por 1 a 0, pelo
Campeonato Brasileiro.
Há menos de um mês no Rio de Janeiro e
ainda sem entender bem o português, o ala argentino já se sente
praticamente em casa em solo brasileiro. Impressionado com a festa
proporcionada pela torcida do Flamengo após o título da Copa
Intercontinental de Clubes, Herrmann diz que já foi reconhecido pelos
torcedores na rua e só lamenta, em tom de brincadeira, não ter
conseguido dar a volta olímpica em razão da invasão à quadra.
Jogos na NBA despertam sensações distintas nos gringos
Antes
de aprimorar o novo idioma, Herrmann terá um desafio bem mais difícil
pela frente: representar o basquete brasileiro nas três partidas que o
Flamengo fará na pré-temporada da NBA, contra Phoenix Suns (8/10),
Orlando Magic (15/10) e Memphis Grizzlies (17/10).
Mas até
nisso o ala argentino está à frente do companheiro. Enquanto Nico não
esconde a ansiedade em poder realizar um antigo sonho de jogar no melhor
basquete do mundo, o ex-jogador do Detroit Pistons e do Charlotte
Bobcats terá a oportunidade de voltar à NBA seis temporadas depois de
disputar as finais da Conferência Leste contra o Boston Celtics, de Paul
Pierce, Ray Allen e Kevin Garnett.
Apesar de ter tirado
algumas dúvidas do "estreante" Laprovittola sobre a liga
norte-americana, Herrmann ficou sem resposta ao ser questionado se iria
enfrentar algum ex-companheiro de time:
- Não sigo muito a NBA
e sinceramente não sei dizer se algum ex-companheiro daquela época joga
nesses três times atualmente - admitiu o ala rubro-negro.
MVP da Copa Intercontinental, Laprovittola tinha 14 anos quando Herrmann foi ouro em Atenas (Foto: André Durão)
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