Poucos sabem, mas foi um mesmo homem o responsável por “descobrir”
Ademir da Guia e levá-lo para jogar na zaga e por revolucionar o
basquete brasileiro, ao ponto de transformá-lo em bicampeão mundial e em
dono de duas medalhas olímpicas de bronze. Este é Togo Renan Soares,
que nasceu em João Pessoa 105 anos atrás e se radicou no Rio de Janeiro
para fazer história também no Flamengo, onde conquistou um inédito
decacampeonato estadual de basquete.
Kanela, como era popularmente conhecido, foi o técnico que, entre
outras conquistas, comandou a seleção brasileira bicampeã mundial em
1959 e 1963 e conquistou as medalhas de bronze nos Jogos Olímpicos de
Roma, em 1960; e nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964.
Ele nasceu em 22 de maio de 1906 e era sobrinho do ex-governador da
Paraíba Camilo de Holanda. Morreu em 12 de dezembro de 1992, aos 86 anos
de idade. Quinze anos depois de sua morte, em 2007, veio o
reconhecimento mundial definitivo, ao ser o primeiro treinador
brasileiro incluído no Hall da Fama do Basquete.
A história de Kanela no esporte brasileiro é mesmo curiosa. Apesar de
ter feito história no basquete, ele foi também, ainda no início da
carreira, jogador e treinador de pólo aquático pelo Botafogo e depois
técnico de futebol em clubes como Bangu, Botafogo e Flamengo. Fez
sucesso mesmo no basquete, mas ainda como técnico do Bangu em 1929 foi o
responsável pela descoberta de um dos mais completos zagueiros do
futebol mundial: Domingos da Guia (que antes de ser convencido por
Kanela para jogar na zaga insistia em atuar pelo meio).
Apenas depois, já no final da década de 1940, é que começou a se
dedicar exclusivamente ao basquete. Revolucionou o treinamento realizado
até então no país, apostou nos contra-ataques e nos arremessos da “zona
morta” (impensados à época) e se tornou um supercampeão.
Conquistou 12 títulos cariocas de basquete pela equipe rubro-negra,
incluindo o decacampeonato estadual da modalidade entre 1951 e 1960.
Pela seleção brasileira, foram mais de 20 anos de comando, com uma
carreira para lá de vitoriosa. Além do bicampeonato mundial e das duas
medalhas olímpicas, Kanela era o técnico brasileiro ainda em mais dois
vice-campeonatos mundiais (1954 e 1970), em um 3º lugar mundial (1967) e
ainda nas conquistas de uma medalha de prata (1963) e de duas medalhas
de bronze (1951 e 1959) nos Jogos Pan-Americanos.
Para o roupeiro Antônio Ezequiel, o Mineiro, que até hoje trabalha no
Flamengo e que na época de “moleque” viu o treinador na ativa no clube
carioca, o sucesso de Togo Renan Soares nas quadras se refletia até
mesmo na hora dos treinamentos.
- Quando Kanela chegava para dar seus treinos o ginásio ficava lotado
com os guris que queriam ver sua atuação. Ele era daqueles técnicos
estilo professor, que a toda hora parava o treinamento para explicar o
jeito certo de fazer determinada jogada. Os mais jovens adoravam -
relembra.
Kanela era um ídolo, mesmo numa época em que a seleção brasileira era
composta por craques como Wlamir Marques, Rosa Branca, Amaury Pasos,
entre outros.
- Todos o admiravam, porque ele respirava basquete e passava o dia todo
no clube, se dedicando aos treinamentos - destaca Mineiro, ponderando
que fora do Flamengo e da Seleção Brasileira ele adotava uma postura
completamente diferente.
- Fora do Flamengo e da seleção, era uma pessoa extremamente reservada e
pouco se sabia de sua vida pessoal – completa o ropeiro.
Se nos treinamentos Kanela era um estrategista, dentro de quadra ele se
transformava. O técnico era conhecido pelo seu temperamento explosivo e
pela forma agressiva como tratava os árbitros sempre que se julgava
prejudicado. O livro “A Era Kanela”, por exemplo, que fala sobre sua
carreira vitoriosa no esporte, relata vários incidentes em que ele
brigou com juízes que ao seu ver estava prejudicando suas equipes.
História esquecida
Apesar de todas as conquistas no Flamengo, Togo Renan Soares não tem
sua história preservada adequadamente no clube da Gávea. Atualmente,
todos os troféus e menções ao time de basquete que fez história no
Flamengo estão encaixotados e o ginásio de basquete do clube
rubro-negro, recentemente reinaugurado, leva o nome de Hélio Maurício,
um antigo cartola que presidiu o clube na década de 1970.
Curiosamente, o ginásio que Togo Renan Soares batiza é o de vôlei da
sede do clube na Gávea, que precisa passar por reparos a começar pelos
letreiros de bronze com o nome do treinador mais vencedor da história do
rubro-negro carioca.
Ginásio de basquete do Flamengo leva o nome de um ex-presidente do clube (Foto: Phelipe Caldas)
Mas segundo a assessoria de imprensa do clube carioca, esta realidade
vai mudar a partir da construção do Museu do Flamengo, que está em curso
e tem previsão de inauguração para o final do ano. Nele, uma ala
especial deve contar a história do basquete flamenguista, em que Kanela
foi seu maior símbolo.
Kanela batiza a quadra de vôlei do Flamengo, que precisa de reformas (Foto: Phelipe Caldas)
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