A
Federação de Futebol do Rio (Ferj) vem tentando combater as críticas ao
Campeonato Carioca, de que é deficitário e com baixo interesse do
público. Além da multa de R$ 50 mil para quem denegrir publicamente a
competição, na segunda rodada, os borderôs deixaram de apontar prejuízos
em jogos, passando a estampar lucro até em partidas de pouca torcida. A
usual conta de arrecadação menos despesas passou a incluir, nos
critérios da entidade, as cotas de transmissão de jogos. E a questão do
público pode ser resolvida com uma medida aprovada pelos próprios
clubes: o artigo 11 do regulamento da competição obriga os de menor
investimento a lançarem no borderô como ingressos utilizados 25% da
capacidade liberada do local do jogo pelo Corpo de Bombeiros.
Ou seja: em confrontos com público inferior a esse "piso", o público pagante fornecido nos borderôs pode não corresponder ao número de torcedores que de fato comprou os ingressos. Uma espécie de "doping" para a estatísticas do Carioca. Diz o primeiro parágrafo do artigo 11 do regulamento do Campeonato Carioca:
"§ 1º - Nas partidas em que não envolvam qualquer dos clubes grandes (Fluminense, Botafogo, Flamengo e Vasco), 25% da capacidade de público do estádio liberada pelo CBMERJ terão os ingressos contabilizados como utilizados, tomando-se como base de cálculo o valor de uma arquibancada inteira, podendo o clube dispor dos mesmos da forma como lhe convier, preferencialmente destinados a fins sociais".
Questionada
nesta sexta-feira, a assessoria da Ferj informou que o presidente
Rubens Lopes preferiu não se pronunciar. A reportagem do
GloboEsporte.com esteve em quatro jogos da segunda rodada do Carioca e
constatou, em dois deles, que o público presente era inferior ao
apresentado no borderô. Em boa parte dos boletins financeiros das
partidas entre clubes de menor investimento constam números redondos de
ingressos, um indício de que a carga solicitada foi inteiramente lançada
no documento. Um dos dirigentes consultados afirmou que a medida foi
originalmente tomada para eliminar uma desigualdade nas rendas em função
da divisão entre mandante e visitante, pois alguns dos estádios
atrairiam mais público do que outros.
Torcedor mostra ingresso com preço promocional, medida que gerou crise envolvendo clubes e Ferj (Foto: Vicente Seda)
Na primeira rodada, Barra Mansa x Volta Redonda escapou dos baixos públicos e não entrou na regra dos 25%, com 7.090 entradas utilizadas de 14.830 disponíveis. Mas o borderô de Tigres x Nova Iguaçu aponta exatos 1.000 torcedores presentes, incluindo 100 gratuidades. O boletim financeiro de Bangu x Madureira aponta 990 bilhetes utilizados, com venda de exatas 100 arquibancadas inteiras e 800 meias promocionais (R$ 20 e R$ 10, respectivamente), uma renda bruta redonda de R$ 10.000,00 (e prejuízo de R$ 1.086,89 no resultado operacional do jogo). Resende x Bonsucesso teve 350 ingressos disponíveis e todos utilizados. Diante dos números pouco comuns, a reportagem do GloboEsporte.com compareceu aos quatro jogos entre pequenos da segunda rodada e constatou, em dois deles, público menor do que o apresentado nos respectivos borderôs.
Bonsucesso x Bangu - Estádio Aniceto Moscoso
- Depois que chegamos aqui (em Conselheiro Galvão), mudou tudo (a respeito da meia entrada universal), porque teve uma nota oficial (da Ferj), li só aqui pelo telefone. Fechamos o borderô na carga total, 900 ingressos. Chegamos a uns 60%, vendeu bem, foi muito bom - disse Barros, que elogiou a promoção de ingressos, ressaltando ter sido um jogo de meio de semana.
Arquibancada que recebeu torcedores do Bangu esteve longe de sua lotação (Foto: Vicente Seda)
No borderô, 910 presentes, o total da carga pedida pelo clube. Barros confirmou que o Bonsucesso pagou integralmente pela carga de ingressos solicitada. Prejuízo de R$ 5.369,89, com renda de R$ 4.400,00. Isso porque a capacidade liberada em Conselheiro Galvão é de 4.272 torcedores. Logo, 25% seriam 1.068. Como a quantidade de ingressos pedida pelo clube foi inferior, todos os bilhetes foram lançados como utilizados. Indagado se a média de público não fica comprometida, a partir do momento que se coloca mais torcedores no borderô do que o real, ele respondeu:
- Isso acabou, com essa nova nota que saiu hoje (quarta-feira, mas a nota foi publicada na noite de terça), vai ter mudança. Sinceramente, preciso me informar lá na federação.
No jogo entre Resende e Tigres, no Estádio do Trabalhador, também na última quarta-feira, o empate em 1 a 1 foi assistido, de acordo com o borderô, por 900 pessoas (com 90 gratuidades). Mas não foi o observado pela reportagem do GloboEsporte.com. Funcionários da Prefeitura local, que administra o estádio, não se identificaram, mas também calcularam o público em torno de 300 pessoas. Um funcionário do estádio que tem acesso ao fluxo de ingressos afirmou
:- Meio de semana é isso aí mesmo, não vem ninguém. O movimento é muito fraco - disse, pedindo anonimato.
Ricardo Tufick, presidente do Resende, indagado sobre o público, se esquivou. Recorreu ao temporal ocorrido durante a partida:
- Não tem como contar quantas pessoas tinha lá. Choveu muito e a arquibancada ficou vazia no primeiro tempo. Muita gente que comprou o ingresso pode ter visto que o tempo tava fechando e não foi, e muita gente pode ter ido embora quando o temporal começou. Você tava lá e viu isso que eu tô te falando. Não tenho como fazer uma conta de quantas pessoas estavam lá.
O
dirigente confirmou ter vendido 810 ingressos, conforme relatado no
borderô. Mas ressaltou não poder precisar se os torcedores compareceram.
Confirmou um prejuízo de R$ 4.670,47. A renda total foi de R$ 8.300,00,
com despesas de R$ 12.970,47.
- Oitocentos e dez, claro. Está lá no borderô. Se as pessoas foram ou não foram, porque estava chovendo, ou por algum outro motivo, aí não é comigo. (...) Sim, claro (o valor do prejuízo foi o relatado no borderô). A gente faz isso (vender o ingresso a R$10) pra minimizar o prejuízo. Pra ter lucro, a gente precisaria colocar duas mil pessoas, mas o estádio só é liberado para 900, por falta de investimento. A gente não vive de bilheteria. Time pequeno nenhum vive. A gente tem que fazer de tudo pra colocar público. Toda manobra é válida - explicou.
Boavista x Cabofriense e Friburguense x Macaé
Nas
duas outras partidas presenciadas pela equipe do GloboEsporte.com
(Boavista x Cabofriense e Friburguense x Macaé), era impossível dizer
por observação que o público era menor do que o relatado nos borderôs.
No caso do Boavista, o clube não teve de arcar com os 800 ingressos
solicitados para o Estádio Elcyr Resende, somente 25% disso, ou 200
bilhetes. A Defesa Civil confirmou a justificativa do clube de que há
duas capacidades liberadas para o local, uma para jogos contra os
grandes (4.300 pessoas) e outra para confrontos entre os demais (800
pessoas). A diretoria do Boavista garantiu que os 800 ingressos foram
vendidos. O diretor técnico João Silva defendeu a medida:
Estádio Elcyr Resende, em Saquarema (Foto: Chandy Teixeira)
- Não vejo problema (na obrigação de compra de 25% dos ingressos). Até porque nos jogos contra clubes menores, a renda é toda do mandante. A gente tem uma torcida que acompanha a gente e fazemos esse repasse de ingressos para eles. Estes jogos, por exemplo, mesmo que eu venda a carga toda, a despesa sempre será maior, salvo em raríssimos casos. Pequeno contra pequeno é de praxe a despesa maior. Não é um desembolso que o clube faz, porque isso retorna em cotas de TV. Eu não acredito em prejuízo porque tem a cota da televisão - opina João Silva, responsável pela política de ingressos do clube.
José Siqueira, gerente de futebol do Friburguense, afirmou que a origem da medida foi para resolver uma desigualdade criada pela divisão de renda entre mandante e visitante. O jogo teve 50 arquibancadas inteiras (R$ 20), 500 meias promocionais (R$ 10) e 350 cadeiras inteiras (R$ 10) vendidas. Foram devolvidas sete das 90 gratuidades pedidas, fazendo com que o número final fugisse à regra dos exatos: 983 ingressos utilizados e um prejuízo de R$ 3.766,33.
Ou seja: em confrontos com público inferior a esse "piso", o público pagante fornecido nos borderôs pode não corresponder ao número de torcedores que de fato comprou os ingressos. Uma espécie de "doping" para a estatísticas do Carioca. Diz o primeiro parágrafo do artigo 11 do regulamento do Campeonato Carioca:
"§ 1º - Nas partidas em que não envolvam qualquer dos clubes grandes (Fluminense, Botafogo, Flamengo e Vasco), 25% da capacidade de público do estádio liberada pelo CBMERJ terão os ingressos contabilizados como utilizados, tomando-se como base de cálculo o valor de uma arquibancada inteira, podendo o clube dispor dos mesmos da forma como lhe convier, preferencialmente destinados a fins sociais".
Torcedor mostra ingresso com preço promocional, medida que gerou crise envolvendo clubes e Ferj (Foto: Vicente Seda)
Na primeira rodada, Barra Mansa x Volta Redonda escapou dos baixos públicos e não entrou na regra dos 25%, com 7.090 entradas utilizadas de 14.830 disponíveis. Mas o borderô de Tigres x Nova Iguaçu aponta exatos 1.000 torcedores presentes, incluindo 100 gratuidades. O boletim financeiro de Bangu x Madureira aponta 990 bilhetes utilizados, com venda de exatas 100 arquibancadas inteiras e 800 meias promocionais (R$ 20 e R$ 10, respectivamente), uma renda bruta redonda de R$ 10.000,00 (e prejuízo de R$ 1.086,89 no resultado operacional do jogo). Resende x Bonsucesso teve 350 ingressos disponíveis e todos utilizados. Diante dos números pouco comuns, a reportagem do GloboEsporte.com compareceu aos quatro jogos entre pequenos da segunda rodada e constatou, em dois deles, público menor do que o apresentado nos respectivos borderôs.
Bonsucesso x Bangu - Estádio Aniceto Moscoso
Na
partida entre Bangu e Bonsucesso, pela segunda rodada, no Estádio
Aniceto Moscoso, em Madureira, foi aplicada a meia entrada universal,
pois o anúncio de que a medida estava descartada em nota oficial da Ferj
ocorreu somente na terça-feira à noite - e o jogo aconteceu na quarta.
Júlio César Barros, ex-secretário-geral do Conselho Fiscal do Flamengo e
assessor da presidência do Bonsucesso, o mandante, ficou responsável
por fechar o borderô e acompanhou as vendas. No primeiro tempo, falou em
40% a 50% de ingressos vendidos e, depois, afirmou terem sido vendidas
mais algumas entradas, chegando a 60% da carga total.
- Depois que chegamos aqui (em Conselheiro Galvão), mudou tudo (a respeito da meia entrada universal), porque teve uma nota oficial (da Ferj), li só aqui pelo telefone. Fechamos o borderô na carga total, 900 ingressos. Chegamos a uns 60%, vendeu bem, foi muito bom - disse Barros, que elogiou a promoção de ingressos, ressaltando ter sido um jogo de meio de semana.
Arquibancada que recebeu torcedores do Bangu esteve longe de sua lotação (Foto: Vicente Seda)
No borderô, 910 presentes, o total da carga pedida pelo clube. Barros confirmou que o Bonsucesso pagou integralmente pela carga de ingressos solicitada. Prejuízo de R$ 5.369,89, com renda de R$ 4.400,00. Isso porque a capacidade liberada em Conselheiro Galvão é de 4.272 torcedores. Logo, 25% seriam 1.068. Como a quantidade de ingressos pedida pelo clube foi inferior, todos os bilhetes foram lançados como utilizados. Indagado se a média de público não fica comprometida, a partir do momento que se coloca mais torcedores no borderô do que o real, ele respondeu:
- Isso acabou, com essa nova nota que saiu hoje (quarta-feira, mas a nota foi publicada na noite de terça), vai ter mudança. Sinceramente, preciso me informar lá na federação.
O
presidente do Bonsucesso, Zeca Simões, também elogiou a promoção de
ingressos, mas questionado sobre se vale a pena de ter de pagar pela
carga total, mesmo não vendendo tudo, respondeu:
- Não vale a pena, mas isso aí é motivação, a gente está tentando trazer mais público para os estádios. Acho que é uma medida justa.
Ele também comentou sobre o impacto no cálculo da média de público do campeonato e afirmou ter dado parte dos ingressos pelos quais teve de pagar.
- Acredito até que possa ser, possa acontecer (alteração na média de público). Mas a gente que é presidente de clube de menor investimento, são muitos pedidos de ingressos, entendeu? Então em vez de pegarmos cortesia, a gente já bota uma faixa do total, não da capacidade do estádio, da carga maior do ingresso, que se manda fazer dos ingressos. Então já consta mesmo na despesa.
Sobre o fato de o público presente ser inferior ao descrito no borderô, Simões afirmou:
- Tem perto de 900. É que a maioria que a gente distribuiu às vezes nem veio, entendeu? A gente paga, né. A gente paga e dá, entendeu?
Resende x Tigres - Estádio do Trabalhador
- Não vale a pena, mas isso aí é motivação, a gente está tentando trazer mais público para os estádios. Acho que é uma medida justa.
Ele também comentou sobre o impacto no cálculo da média de público do campeonato e afirmou ter dado parte dos ingressos pelos quais teve de pagar.
- Acredito até que possa ser, possa acontecer (alteração na média de público). Mas a gente que é presidente de clube de menor investimento, são muitos pedidos de ingressos, entendeu? Então em vez de pegarmos cortesia, a gente já bota uma faixa do total, não da capacidade do estádio, da carga maior do ingresso, que se manda fazer dos ingressos. Então já consta mesmo na despesa.
Sobre o fato de o público presente ser inferior ao descrito no borderô, Simões afirmou:
- Tem perto de 900. É que a maioria que a gente distribuiu às vezes nem veio, entendeu? A gente paga, né. A gente paga e dá, entendeu?
Resende x Tigres - Estádio do Trabalhador
No jogo entre Resende e Tigres, no Estádio do Trabalhador, também na última quarta-feira, o empate em 1 a 1 foi assistido, de acordo com o borderô, por 900 pessoas (com 90 gratuidades). Mas não foi o observado pela reportagem do GloboEsporte.com. Funcionários da Prefeitura local, que administra o estádio, não se identificaram, mas também calcularam o público em torno de 300 pessoas. Um funcionário do estádio que tem acesso ao fluxo de ingressos afirmou
:- Meio de semana é isso aí mesmo, não vem ninguém. O movimento é muito fraco - disse, pedindo anonimato.
Ricardo Tufick, presidente do Resende, indagado sobre o público, se esquivou. Recorreu ao temporal ocorrido durante a partida:
- Não tem como contar quantas pessoas tinha lá. Choveu muito e a arquibancada ficou vazia no primeiro tempo. Muita gente que comprou o ingresso pode ter visto que o tempo tava fechando e não foi, e muita gente pode ter ido embora quando o temporal começou. Você tava lá e viu isso que eu tô te falando. Não tenho como fazer uma conta de quantas pessoas estavam lá.
- Oitocentos e dez, claro. Está lá no borderô. Se as pessoas foram ou não foram, porque estava chovendo, ou por algum outro motivo, aí não é comigo. (...) Sim, claro (o valor do prejuízo foi o relatado no borderô). A gente faz isso (vender o ingresso a R$10) pra minimizar o prejuízo. Pra ter lucro, a gente precisaria colocar duas mil pessoas, mas o estádio só é liberado para 900, por falta de investimento. A gente não vive de bilheteria. Time pequeno nenhum vive. A gente tem que fazer de tudo pra colocar público. Toda manobra é válida - explicou.
Boavista x Cabofriense e Friburguense x Macaé
Estádio Elcyr Resende, em Saquarema (Foto: Chandy Teixeira)
- Não vejo problema (na obrigação de compra de 25% dos ingressos). Até porque nos jogos contra clubes menores, a renda é toda do mandante. A gente tem uma torcida que acompanha a gente e fazemos esse repasse de ingressos para eles. Estes jogos, por exemplo, mesmo que eu venda a carga toda, a despesa sempre será maior, salvo em raríssimos casos. Pequeno contra pequeno é de praxe a despesa maior. Não é um desembolso que o clube faz, porque isso retorna em cotas de TV. Eu não acredito em prejuízo porque tem a cota da televisão - opina João Silva, responsável pela política de ingressos do clube.
José Siqueira, gerente de futebol do Friburguense, afirmou que a origem da medida foi para resolver uma desigualdade criada pela divisão de renda entre mandante e visitante. O jogo teve 50 arquibancadas inteiras (R$ 20), 500 meias promocionais (R$ 10) e 350 cadeiras inteiras (R$ 10) vendidas. Foram devolvidas sete das 90 gratuidades pedidas, fazendo com que o número final fugisse à regra dos exatos: 983 ingressos utilizados e um prejuízo de R$ 3.766,33.
-
O Friburguense em momento nenhum questionou (o artigo do Regulamento
Geral das Competições da Ferj). Até porque a média é muito superior aos
25%. Então, nunca tivemos esse problema ligado ao borderô. Não lembro
porque determinaram esses 25%, mas, a princípio, tinha aquela coisa de
que o pequeno não era o mandante. Os pequenos, em jogos contra si,
faziam a divisão de 60/40, 50/50 porcento. E se questionava, quando
alguém jogava em Friburgo, que a arquibancada só tinha 300, 400
torcedores. Então, se determinou uma quantidade mínima que teria que ter
nesses jogos mais ou menos para isso, para resolver o problema dos
pequenos. Mas a gente, na verdade, nunca se utilizou disso. Justamente
porque a média de público é em faixa de 500, 600 torcedores por partida -
explica o dirigente do Friburguense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário