Minutos antes do início da partida do Flamengo contra o Goiás, no
Campeonato Brasileiro de 2010, no Maracanã, o goleiro Bruno Souza
telefonou de dentro do vestiário para Luiz Henrique Romão, o Macarrão.
Naquele exato momento, do outro lado da linha, o amigo de infância do
jogador já estava com Eliza Samudio, que acabara de ser sequestrada e
agredida, ao lado do bebê Bruninho, de quatro meses, filho do jogador.
Meses depois, no julgamento em que foi condenado a 22 anos e três meses
de prisão pelo desaparecimento e pela morte da ex-amante, o ex-goleiro
admitiu que naquele dia entrou mal em campo após a conversa telefônica. E
acabou não tendo condições psicológicas de defender bolas totalmente
defensáveis. O Flamengou perdeu de 2 a 1. Esta é uma das histórias que
os jornalistas Leslie Leitão, Paula Sarapu e Paulo Carvalho recordam no
livro, “Indefensável”, da Editora Record, que será lançado neste
segunda-feira, Livraria da Travessa de Botafogo, a partir das 19h. Com
266 páginas, a publicação não apenas reconta o caso, mas mostra aos
leitores detalhes que não tiveram destaque — ou espaço — nos
noticiários.
O GLOBO: Porque escrever um livro sobre o caso Bruno?
LESLIE LEITÃO: Desde
o momento inicial de apuração vimos que havia muitos mistérios que
rondavam os personagens. Mergulhamos no universo dos personagens
envolvidos para mostrar a miséria social que é o pano de fundo da
tragédia final, que é assassinato de uma maria chuteira que queria R$
3,5 mil de pensão pelo filho que teve com o goleiro famoso. Antes disso,
os personagens tiveram suas vidas abaladas com várias outras tragédias
do cotidiano. Estávamos diante de um dos casos de maior repercussão de
todos os tempos, que envolvia um goleiro do Flamengo, capitão do time,
que provavelmente estaria na Copa agora, cotadíssimo. Tínhamos um belo
enredo para tentar desenvolver.
O GLOBO: Muito já se
escreveu e transmitiu sobre o caso nos jornais, revistas e TVs e a
história era acompanhada pelas pessoas como se estivessem seguindo os
capítulos de uma novela. O leitor vai se surpreender com alguma
história?
LESLIE LEITÃO: Não nos
propomos a escrever um livro para dizer que o Bruno é malvado. Estamos
contando um caso e alguns bastidadores. A gente mostra, por exemplo, que
de fato a Eliza infernizava o Bruno, porque queria que ele a assumisse.
Ameaçava constrangê-lo, queria invadir a concentração, o hotel onde ele
estava hospedado. Outro caso envolve o pai da Eliza Samudio, Luiz
Carlos Samudio, que aparece em Minas para fazer o exame de DNA quando a
polícia descobre a mancha de sangue no carro (na Range Rover do
jogador). Só que aí a mãe que estava desaparecida há mais de uma década,
reaparece, para dizer que o Luiz Carlos não podia fazer o exame porque
não era o pai biológico da Eliza. Ninguém sabia, nem o próprio pai. Isso
na época não veio à tona, a imprensa não revelou.
O GLOBO: Vocês chegaram a uma conclusão sobre qual teria sido o verdadeiro motivo do crime?
PAULA SARAPU:
Ela tentava provar na Justiça a paternidade do Bruninho e afrontava o
Bruno. Para nós, não foi o dinheiro, o grande motivo de o Bruno ter
arquitetado este plano e sim o fato de a Eliza provocá-lo e bater de
frente com ele. Ela era uma pessoa que desafiava muito o Bruno. Dias
antes do sequestro dela, eles firmaram através dos advogados que se
encontrariam numa audiência para definir o local do exame de DNA e o
valor da pensão em caso positivo, que era R$ 3.500, quando o Bruno em
carteira assinada ganhava R$ 120 mil. Era um valor para ele muito
irrisório, não era então por isso que ele não pagaria uma pensão. Ele se
preocupava muito também com a reputação dele, em relação à família da
Ingrid, a atual esposa, uma dentista de classe média, das Forças
Armadas, cujo pai não via com bons olhos o relacionamento. Bruno tinha
preocupação de como isso seria recebido.
PAULO CARVALHO:
O que derrubou o Bruno foi vaidade. Ele é ambicioso, tinha poderes. Era
o melhor goleiro do Brasil, capitão do time mais popular do Brasil,
acho que ele não aceitou o fato de que ele fez uma burrada. Todo mundo
conhecia a Eliza. A gente não qualifica ela no livro, mas no meio do
futebol todos sabiam que ela era uma menina que gostava de viver neste
meio e já tinha se relacionado com outros jogadores. Ele mesmo começa a
ser sacaneado. Perguntavam, “mas logo com ela?”. Então ele não aceitou e
não queria que aquilo se tornasse público. O fato de ela começar a
procurar a imprensa fez ele perder a cabeça de vez. E acabou cometendo
este ato insano.
O GLOBO: Depois de toda a pesquisa e de ouvir pessoas que se relacionavam com ele, como vocês definem o Bruno?
LESLIE:
Entrevistamos familiares, amigos de infância, segurança. Tentamos
mostrar quem é o Bruno, de onde ele veio. Ele nasceu de uma relação
conturbadíssima, com um pai bandido, ladrão, envolvido com o tráfico e
uma mãe que deu cinco tiros numa rival, por ciúme. Isso mostra um pouco
do DNA deste personagem. Não sou psiquiatra, mas todas as pessoas que
entrevistamos que entendiam do tema enxergam nele traços de psicopata.
Ele é frio para matar e frio para pegar pênalti. Até hoje se nega a
admitir. Ele confessou parcialmente no julgamento e ainda assim tem
resistência em admitir que matou a Eliza. Tentamos entrevistá-lo através
dos advogados, mas ele não aceita falar sobre o crime. O Bruno criou um
mundo de mentiras, do qual ele não saiu até hoje. Duas das pessoas que
acompanhavam o julgamento do goleiro de perto juram que a bíblia que ele
carregava o tempo inteiro no tribunal estava de cabeça para baixo. Tudo
fazia parte de uma encenação.
PAULA SARAPU: Ao
passo em que ele se acha intocável, ele desprezava as mulheres. A gente
conta uma passagem em que a Daiane é presa, acusada de sequestrar o
Bruninho. Ela liga para o Bruno, que não atende, liga em seguida para o
Macarrão, ele desliga. Até que enfim consegue falar com o Macarrão e diz
que está na delegacia e sendo presa e precisa falar com o Bruno. O
Macarrão diz que vai dar o recado, que o Bruno não vai atender. Ela
solta um palavrão enorme e diz: avisa ao Bruno que a mãe dos filhos dele
está sendo presa. E ele agia assim com todas as mulheres. Daiane conta
que o relacionamento deles era entre tapas e beijos. Eles estavam juntos
desde que ela tinha 12 anos e ele 14 anos. A Elisa também contava que
tinha sido agredida várias vezes.
O GLOBO: Algum dos entrevistados consegue explicar porque o menino Bruno foi poupado?
LESLIE: Só
duas pessoas sabem realmente o que aconteceu: o Macarrão e o Bola. E
eles nunca falaram sobre isso, o porquê de eles não terem matado o bebê.
A versão que existe mais concreta é que de o Bola (ex-policial civil
Marcos Aparecido dos Santos) não quis matar a criança, por mais absurdo
que isso possa parecer, afinal, ele era assassino profissional. E a
criança, que foi levada junto a com a mãe, volta para o sítio. Isso é um
detalhe importantíssimo na história toda. Com a criança, havia uma
prova de que Elisa não havia fugido. A Elisa não ia abandonar o bilhete
da Megasena dela e sumir no mundo. Se as pessoas diziam que a Eliza era
uma chantagista e só queria o dinheiro do Bruno, ela dependia da criança
para ganhar algum dinheiro.
O GLOBO: Então, o menino não ter sido morto, prejudicou os planos de Bruno?
PAULO CARVALHO:
O próprio sumiço do Bruninho poderia ter feito todos acreditarem que
ela realmente tinha ido embora com os R$ 30 mil, que foi o dinheiro que
atraiu ela para Belo Horizonte.
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