É senso
comum que os ingressos para o futebol estão caros e, em decorrência
disso, o público foi afastado dos estádios. Pessoamente, nunca encarei
dessa forma. Há, sim, ingressos caros, mas há também ingressos baratos.
Começa pela existência da “meia entrada”, medida de caráter meramente
populista, principalmente quando aplicada a espetáculos que nada têm a
ver com a transmissão de cultura, tomando-se cultura aqui no seu
significado educacional.
Recentemente, certamente baseada no senso comum e
na ausência de qualquer estudo, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro
“baixou” resolução estabelecendo um patamar máximo para ingressos em
todos os jogos do campeonato desse ano.
Medida simpática, não? Sem dúvida.
Simpática, populista e enganadora, além de
invasiva. Definição de preço de ingresso deve ser do mandante do jogo.
Ah, mas no Carioca o mando é compartilhado. Nesse caso, que os clubes se
acertem antes e definam os preços que cobrarão. Federações estaduais e a
nacional abusam de seus poderes sobre os clubes sem ter real
representatividade para isso. Essa, porém, é outra história, para outro
momento.
Nesse post, vou falar de um trabalho de pesquisa
realizado em caráter pessoal pelo Edmilson Varejão, pesquisador da FGV,
com mestrado em Economia.
Para seu estudo Varejão tomou por base a análise de
354 jogos do Flamengo, nos campeonatos disputados entre 2007 e 2014.
Como parte de seu estudo e para deixa-lo plenamente atualizado, sua
primeira providência foi deflacionar todos os valores, ou seja,
independentemente do ano original, todos os valores foram corrigidos para a base Janeiro/2014, a partir dos dados do IPCA. Os trechos em itálico são transcrições do trabalho.
Relação entre preço e público
O
público total nesses jogos foi de 8.760.582 torcedores, com receita
bruta de R$ 220.408.118,50. O valor do ingresso médio foi de R$ 29,33.
Os principais estádios utilizados foram o Maracanã (fechado para reforma entre 2010 e 2012) e Engenhão.
Considerando todos os jogos nesses estádios e apenas neles, os
resultados de público presente médio e ticket médio estão apresentados
na tabela a seguir:
De
acordo com a tabela, apesar do ingresso médio do Maracanã e Engenhão
apresentarem valores semelhantes – R$ 25 – o público médio foi bem
diferente: 34.449 e 19.296 torcedores, respectivamente. Na comparação
com o Novo Maracanã,
a média público presente (31.961 torcedores) se aproxima da média do
antigo estádio, mas com ingresso médio bem mais elevado (R$ 44).
“A
conclusão natural é que o preço não é a variável mais relevante para
explicar a diferença de público entre os jogos mandados nos três
estádios. Apesar do ticket médio do Novo Maracanã ter sido bem superior
aos jogos mandados nos outros dois estádios, o público médio foi muito
superior aos jogos do Engenhão e apenas um pouco inferior ao do antigo
Maracanã.”
Desempenho em campo, atração do campeonato e público no estádio
As
diferenças de público apresentadas nos três estádios (Maracanã velho,
Maracanã novo e Engenhão) pode ter sua explicação nas campanhas nos
campeonatos disputados.
O próximo gráfico mostra a colocação no campeonato
como uma medida de atratividade dos jogos, ou seja, quanto melhor for a
fase do time, mais atraentes serão seus jogos e maior será a presença
dos torcedores. Nesse gráfico, estádio por estádio, veremos a relação
entre colocação no Campeonato Brasileiro, público presente médio e
ingresso médio.
“O
gráfico acima corrobora o resultado apresentado no parágrafo anterior:
embora haja pequena alteração no ticket médio, existe uma grande
diferença de público entre os estádios. A inovação trazida nele é que,
para cada estádio, anos com melhor colocação apresentam público presente
médio maior. Foram os caso de 2009, que teve o maior público médio no
triênio 2007 – 2009, 2011 (triênio 2010 – 2012) e 2014 (biênio 2013 –
2014). Vale destacar que apenas em 2014 houve variação significativa do
ticket médio (20%) em relação ao ano anterior, o que poderia sugerir
existência de efeito preço no aumento da demanda.”
O próximo gráfico também mostra de forma muito
eloquente como o público se divide entre as diferentes competições. Das
quatro, é justamente o Estadual a competição com menor apelo, como
mostra a presença média de público em cada uma:
Os
números mostram que há uma significativa diferença de público médio
entre os campeonatos. A título de exemplo, entre 2007 e 2014, o público
médio no Campeonato Carioca, o menos demandado, foi 37% menor do que o
Brasileirão, apesar da proximidade dos valores dos tickets médios. Mais
uma vez esse fator não surge como variável-chave para explicar o
diferencial de público presente entre os jogos, desta vez de diferentes
campeonatos.
A atração dos jogos sobre o público
Esse é mais um ponto que mostra que o público tem diversas influências para ir ou não aos estádios. Considerando o Campeonato Carioca, as informações
mostram que grande parte do público aparece mesmo nos clássicos e nas
partidas decisivas das fases finais.
“No caso
do Flamengo, os jogos contra as equipes de pequeno investimento
apresentaram prejuízo em 45% das oportunidades. Isso ocorreu apesar do
preço médio de R$ 20, bastante reduzido se comparado à média histórica
(R$ 29). Já os clássicos, e, sobretudo, as decisões, apresentam
crescimento significativo de público e renda, mesmo contando
tradicionalmente com preços de ingressos mais elevados. Portanto, o
preço médio não foi capaz de explicar, mais uma vez, o diferencial de
público dos jogos dentro do mesmo campeonato.”
A influência dos dias e horários
Outra
característica que deveria ser observado pelos dirigentes interessados
no aumento do público nos estádios são as datas e horários das partidas.
Considerando as partidas disputadas no novo Maracanã em Campeonato
Brasileiro, os dados apontam que jogos no fim de semana, sobretudo nos
sábados, apresentam público significativamente maior, apesar de não
haver diferença nos preços cobrados.
Os jogos pela Copa Libertadores, Copa do Brasil e
Sul-Americana não foram considerados, pois eles são disputados somente
no meio de semana. Já o Campeonato Carioca foi desconsiderado porque
seus maiores públicos estão concentrados nos jogos finais, realizados
sempre em finais de semana. Para obter uma amostra
homogênea, foram considerados os jogos realizados no novo Maracanã, em
Campeonato Brasileiro, excluindo clássicos e decisões, num total de 20
partidas.
Os preços cobrados estão realmente elevados?
O
que se deduz da decisão da FERJ é que os valores cobrados até agora são
elevados e que existe espaço por parte dos clubes para a diminuição dos
preços dos ingressos.
Entretanto,
é preciso considerar que houve alteração sensível no total de despesas
com a entrada em operação do novo Maracanã, lembrando que elas envolvem
custos operacionais, aluguel do estádio e taxas para escoteiros e
cronistas esportivos. Enquanto esse valor significava menos de R$ 10 no
antigo Maracanã, houve aumento para R$ 13,23 no Engenhão. Após a
reforma, o novo Maracanã passou a custar 72% a mais em relação aos
valores anteriores à reforma, com o custo médio por torcedor de R$ 26,88
(lembrando que todos os valores foram deflacionados pelo IPCA).
Antes
de prosseguir vale destacar que os custos relativos à organização dos
jogos são divididos apenas entre os torcedores pagantes. Essa é uma
informação que pode parecer óbvia, mas não é: em média, nos jogos do
Flamengo, mais de 20% dos torcedores não pagam ingresso (gratuidades e
cadeiras cativas, no caso do Maracanã), e outra parte paga metade do
preço (meia-entrada). Dessa forma, qualquer análise de custos deve se
basear no público pagante, e não presente. Pelo mesmo motivo a melhor
referência de preço não é o valor integral do ingresso, mas sim o preço
médio.
Nesse
contexto, ao considerar apenas os torcedores pagantes, o custo por
torcedor no novo Maracanã passa a ser, em média, R$ 32,67. Como parte
significativa dos custos é fixa, e como os jogos no Campeonato Carioca
tem menor média de público, os custos médios por torcedor pagante nesse
campeonato são mais altos, atingindo o valor de R$ 41,13.
Conclusão
Essas
informações levantadas e apresentadas pelo Edmilson Varejão demonstram
que a relação entre preço do ingresso e o público presente nos jogos do
Flamengo entre 2007 e 2014, não foi tão significativa quanto seria
esperado pelo senso comum.
Diferentes
variáveis influenciam a presença de mais ou menos torcedores, como o
estádio, a fase do time, o campeonato, a importância da partida e até
mesmo o dia da semana se mostraram fatores decisivos para levar o
torcedor ao campo.
Outro
ponto: a reforma do Maracanã criou uma nova realidade para o futebol
carioca. De um lado a nova arena proporciona mais conforto e segurança
aos torcedores, mas por outro o custo de operação foi aumentado em 72%
em comparação ao período anterior à reforma. Como os preços fixados pela
federação são menores do que o custo médio de operação no principal
estádio, o Maracanã, o que pode se esperar é o fim dos jogos nesse
estádio. Conforme demonstrado nessa análise, o estádio da partida, ao
menos nos jogos do Flamengo, é determinante na atração de público.
Diante desse contexto, fica evidente que a decisão da FERJ de fixar os
preços pode oferecer riscos ao futebol carioca.
Partindo
do princípio de que caberia à Federação resolver essas questões, a
primeira medida seria discutir como atrair o público, levando outras
possibilidades em conta. Temos visto no Rio de Janeiro e em todo o
Brasil que bons times levam torcedores aos estádios. Boas campanhas
levam torcedores. Conforto leva mais torcedores. O preço não é o
fator-chave para aumentar a presença nos estádios. Pessoalmente, sou
favorável a ingressos baratos para jogos sem maior importância, mas se o
estádio para esses jogos for o novo Maracanã vai ficar difícil em
função de seus custos operacionais. Esse é outro ponto a ser considerado
e debatido, inclusive pelos gestores do estádio.
Como
devem ter reparado os leitores, os trechos em itálico são transcrições
do estudo. Para finalizar, transcrevo o encerramento do Edmilson Varejão
para esse excelente trabalho. Fica a torcida para que os dirigentes da
FERJ leiam e reflitam.
Finalmente,
é importante salientar que a questão da precificação dos ingressos e do
resultado financeiro das partidas em si e do campeonato como um todo
são indissociáveis. Assim, ao tomar uma medida arbitrária que implica a
limitação das receitas que os clubes podem auferir no campeonato, a
federação deveria oferecer aos clubes filiados uma contrapartida que
mostrasse que também está interessada no incremento de público, ainda
que à custa da diminuição da receita. Para isso, uma alternativa seria a
FERJ diminuir sua participação na renda dos jogos, que hoje é 10% da
renda bruta, a maior dentre as federações estaduais. Outra alternativa
seria a promoção por parte da entidade de um amplo debate sobre as leis
estaduais que conferem direitos de gratuidade e meia-entrada sem
contrapartida financeira por parte dos governos, além de distribuição de
parcelas da renda para escoteiros e cronistas esportivos. Com toda
certeza, essas duas medidas em conjunto possibilitariam aos clubes maior
fôlego para oferecer preços mais atraentes aos torcedores.
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