segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O preço parece, mas não é o problema


É senso comum que os ingressos para o futebol estão caros e, em decorrência disso, o público foi afastado dos estádios. Pessoamente, nunca encarei dessa forma. Há, sim, ingressos caros, mas há também ingressos baratos. Começa pela existência da “meia entrada”, medida de caráter meramente populista, principalmente quando aplicada a espetáculos que nada têm a ver com a transmissão de cultura, tomando-se cultura aqui no seu significado educacional.

Recentemente, certamente baseada no senso comum e na ausência de qualquer estudo, a Federação de Futebol do Rio de Janeiro “baixou” resolução estabelecendo um patamar máximo para ingressos em todos os jogos do campeonato desse ano.

Medida simpática, não? Sem dúvida.

Simpática, populista e enganadora, além de invasiva. Definição de preço de ingresso deve ser do mandante do jogo. Ah, mas no Carioca o mando é compartilhado. Nesse caso, que os clubes se acertem antes e definam os preços que cobrarão. Federações estaduais e a nacional abusam de seus poderes sobre os clubes sem ter real representatividade para isso. Essa, porém, é outra história, para outro momento.

Nesse post, vou falar de um trabalho de pesquisa realizado em caráter pessoal pelo Edmilson Varejão, pesquisador da FGV, com mestrado em Economia.

Para seu estudo Varejão tomou por base a análise de 354 jogos do Flamengo, nos campeonatos disputados entre 2007 e 2014. Como parte de seu estudo e para deixa-lo plenamente atualizado, sua primeira providência foi deflacionar todos os valores, ou seja, independentemente do ano original, todos os valores foram corrigidos para a base Janeiro/2014, a partir dos dados do IPCA. Os trechos em itálico são transcrições do trabalho.
Relação entre preço e público
O público total nesses jogos foi de 8.760.582 torcedores, com receita bruta de R$ 220.408.118,50. O valor do ingresso médio foi de R$ 29,33. Os principais estádios utilizados foram o Maracanã (fechado para reforma entre 2010 e 2012) e Engenhão. Considerando todos os jogos nesses estádios e apenas neles, os resultados de público presente médio e ticket médio estão apresentados na tabela a seguir:

De acordo com a tabela, apesar do ingresso médio do Maracanã e Engenhão apresentarem valores semelhantes – R$ 25 – o público médio foi bem diferente: 34.449 e 19.296 torcedores, respectivamente. Na comparação com o Novo Maracanã, a média público presente (31.961 torcedores) se aproxima da média do antigo estádio, mas com ingresso médio bem mais elevado (R$ 44).
A conclusão natural é que o preço não é a variável mais relevante para explicar a diferença de público entre os jogos mandados nos três estádios. Apesar do ticket médio do Novo Maracanã ter sido bem superior aos jogos mandados nos outros dois estádios, o público médio foi muito superior aos jogos do Engenhão e apenas um pouco inferior ao do antigo Maracanã.”
Desempenho em campo, atração do campeonato e público no estádio
As diferenças de público apresentadas nos três estádios (Maracanã velho, Maracanã novo e Engenhão) pode ter sua explicação nas campanhas nos campeonatos disputados.

O próximo gráfico mostra a colocação no campeonato como uma medida de atratividade dos jogos, ou seja, quanto melhor for a fase do time, mais atraentes serão seus jogos e maior será a presença dos torcedores. Nesse gráfico, estádio por estádio, veremos a relação entre colocação no Campeonato Brasileiro, público presente médio e ingresso médio.

O gráfico acima corrobora o resultado apresentado no parágrafo anterior: embora haja pequena alteração no ticket médio, existe uma grande diferença de público entre os estádios. A inovação trazida nele é que, para cada estádio, anos com melhor colocação apresentam público presente médio maior. Foram os caso de 2009, que teve o maior público médio no triênio 2007 – 2009, 2011 (triênio 2010 – 2012) e 2014 (biênio 2013 – 2014). Vale destacar que apenas em 2014 houve variação significativa do ticket médio (20%) em relação ao ano anterior, o que poderia sugerir existência de efeito preço no aumento da demanda.
O próximo gráfico também mostra de forma muito eloquente como o público se divide entre as diferentes competições. Das quatro, é justamente o Estadual a competição com menor apelo, como mostra a presença média de público em cada uma:


Os números mostram que há uma significativa diferença de público médio entre os campeonatos. A título de exemplo, entre 2007 e 2014, o público médio no Campeonato Carioca, o menos demandado, foi 37% menor do que o Brasileirão, apesar da proximidade dos valores dos tickets médios. Mais uma vez esse fator não surge como variável-chave para explicar o diferencial de público presente entre os jogos, desta vez de diferentes campeonatos.
A atração dos jogos sobre o público

Esse é mais um ponto que mostra que o público tem diversas influências para ir ou não aos estádios. Considerando o Campeonato Carioca, as informações mostram que grande parte do público aparece mesmo nos clássicos e nas partidas decisivas das fases finais.

“No caso do Flamengo, os jogos contra as equipes de pequeno investimento apresentaram prejuízo em 45% das oportunidades. Isso ocorreu apesar do preço médio de R$ 20, bastante reduzido se comparado à média histórica (R$ 29). Já os clássicos, e, sobretudo, as decisões, apresentam crescimento significativo de público e renda, mesmo contando tradicionalmente com preços de ingressos mais elevados. Portanto, o preço médio não foi capaz de explicar, mais uma vez, o diferencial de público dos jogos dentro do mesmo campeonato.”


A influência dos dias e horários
Outra característica que deveria ser observado pelos dirigentes interessados no aumento do público nos estádios são as datas e horários das partidas. Considerando as partidas disputadas no novo Maracanã em Campeonato Brasileiro, os dados apontam que jogos no fim de semana, sobretudo nos sábados, apresentam público significativamente maior, apesar de não haver diferença nos preços cobrados.
Os jogos pela Copa Libertadores, Copa do Brasil e Sul-Americana não foram considerados, pois eles são disputados somente no meio de semana. Já o Campeonato Carioca foi desconsiderado porque seus maiores públicos estão concentrados nos jogos finais, realizados sempre em finais de semana. Para obter uma amostra homogênea, foram considerados os jogos realizados no novo Maracanã, em Campeonato Brasileiro, excluindo clássicos e decisões, num total de 20 partidas.
Os preços cobrados estão realmente elevados?
O que se deduz da decisão da FERJ é que os valores cobrados até agora são elevados e que existe espaço por parte dos clubes para a diminuição dos preços dos ingressos.
Entretanto, é preciso considerar que houve alteração sensível no total de despesas com a entrada em operação do novo Maracanã, lembrando que elas envolvem custos operacionais, aluguel do estádio e taxas para escoteiros e cronistas esportivos. Enquanto esse valor significava menos de R$ 10 no antigo Maracanã, houve aumento para R$ 13,23 no Engenhão. Após a reforma, o novo Maracanã passou a custar 72% a mais em relação aos valores anteriores à reforma, com o custo médio por torcedor de R$ 26,88 (lembrando que todos os valores foram deflacionados pelo IPCA).

Antes de prosseguir vale destacar que os custos relativos à organização dos jogos são divididos apenas entre os torcedores pagantes. Essa é uma informação que pode parecer óbvia, mas não é: em média, nos jogos do Flamengo, mais de 20% dos torcedores não pagam ingresso (gratuidades e cadeiras cativas, no caso do Maracanã), e outra parte paga metade do preço (meia-entrada). Dessa forma, qualquer análise de custos deve se basear no público pagante, e não presente. Pelo mesmo motivo a melhor referência de preço não é o valor integral do ingresso, mas sim o preço médio.
Nesse contexto, ao considerar apenas os torcedores pagantes, o custo por torcedor no novo Maracanã passa a ser, em média, R$ 32,67. Como parte significativa dos custos é fixa, e como os jogos no Campeonato Carioca tem menor média de público, os custos médios por torcedor pagante nesse campeonato são mais altos, atingindo o valor de R$ 41,13.
Conclusão
Essas informações levantadas e apresentadas pelo Edmilson Varejão demonstram que a relação entre preço do ingresso e o público presente nos jogos do Flamengo entre 2007 e 2014, não foi tão significativa quanto seria esperado pelo senso comum.
Diferentes variáveis influenciam a presença de mais ou menos torcedores, como o estádio, a fase do time, o campeonato, a importância da partida e até mesmo o dia da semana se mostraram fatores decisivos para levar o torcedor ao campo.
Outro ponto: a reforma do Maracanã criou uma nova realidade para o futebol carioca. De um lado a nova arena proporciona mais conforto e segurança aos torcedores, mas por outro o custo de operação foi aumentado em 72% em comparação ao período anterior à reforma. Como os preços fixados pela federação são menores do que o custo médio de operação no principal estádio, o Maracanã, o que pode se esperar é o fim dos jogos nesse estádio. Conforme demonstrado nessa análise, o estádio da partida, ao menos nos jogos do Flamengo, é determinante na atração de público. Diante desse contexto, fica evidente que a decisão da FERJ de fixar os preços pode oferecer riscos ao futebol carioca.
Partindo do princípio de que caberia à Federação resolver essas questões, a primeira medida seria discutir como atrair o público, levando outras possibilidades em conta. Temos visto no Rio de Janeiro e em todo o Brasil que bons times levam torcedores aos estádios. Boas campanhas levam torcedores. Conforto leva mais torcedores. O preço não é o fator-chave para aumentar a presença nos estádios. Pessoalmente, sou favorável a ingressos baratos para jogos sem maior importância, mas se o estádio para esses jogos for o novo Maracanã vai ficar difícil em função de seus custos operacionais. Esse é outro ponto a ser considerado e debatido, inclusive pelos gestores do estádio.
Como devem ter reparado os leitores, os trechos em itálico são transcrições do estudo. Para finalizar, transcrevo o encerramento do Edmilson Varejão para esse excelente trabalho. Fica a torcida para que os dirigentes da FERJ leiam e reflitam.
Finalmente, é importante salientar que a questão da precificação dos ingressos e do resultado financeiro das partidas em si e do campeonato como um todo são indissociáveis. Assim, ao tomar uma medida arbitrária que implica a limitação das receitas que os clubes podem auferir no campeonato, a federação deveria oferecer aos clubes filiados uma contrapartida que mostrasse que também está interessada no incremento de público, ainda que à custa da diminuição da receita. Para isso, uma alternativa seria a FERJ diminuir sua participação na renda dos jogos, que hoje é 10% da renda bruta, a maior dentre as federações estaduais. Outra alternativa seria a promoção por parte da entidade de um amplo debate sobre as leis estaduais que conferem direitos de gratuidade e meia-entrada sem contrapartida financeira por parte dos governos, além de distribuição de parcelas da renda para escoteiros e cronistas esportivos. Com toda certeza, essas duas medidas em conjunto possibilitariam aos clubes maior fôlego para oferecer preços mais atraentes aos torcedores.

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