Tetracampeãs brasileiras com o time juvenil feminino de polo aquático do Flamengo, Emilyn Vital, Hemanuelle Scalabrin e Eloine
Pereira mal sabiam o que era a modalidade antes de chegarem à Gávea há
aproximadamente três anos. Como qualquer criança de 10, 11 anos, elas tinham
outros interesses na época. Moradoras da Rocinha, o esporte não passava de um mero passatempo ou, na
melhor das hipóteses, um atalho para uma vida melhor. Por isso, Emilyn e
Hemanuelle se inscreveram no projeto esportivo da comunidade e começaram a praticar
vôlei e natação, respectivamente. Já Eloine tinha planos mais ambiciosos:
jogava futebol no América e sonhava em ser uma jogadora profissional.
Seus caminhos só se cruzaram quando o ex-jogador de polo
aquático Solon dos Santos - ex-Botafogo, Flamengo, Fluminense e seleção
brasileira - foi convidado pelo governo do Estado para coordenar, ao lado de
Marcello Cassiano, o núcleo da modalidade que faz parte do projeto Rio 2016,
que tem como objetivo desenvolver a prática desportiva e a inclusão social para
crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência.
Ex-atletas
de natação, vôlei e futebol, Hemanuelle (à esquerda), Eloine e Emilyn
foram descobertas no projeto esportivo da Rocinha e atualmente fazem
parte do time feminino de polo aquático do Flamengo (Foto: Marcello
Pires)
Daí em diante, tudo mudou. A primeira a se interessar pela modalidade foi Hemanuelle. O que era apenas
uma curiosidade de adolescente se transformou em paixão. De quebra, serviu para
acabar com uma rotina indesejada da goleira menos vazada em três dos quatro
títulos nacionais conquistados pelo Flamengo.
- Eu odeio nadar, por isso não tive nenhum tipo de problema para largar a
natação (risos). Devo ter virado goleira por isso. Fico paradinha ali, só
defendendo. Mas acho que valeu a pena, já que só não fui a goleira menos vazada
em um dos quatro Brasileiros que disputamos. Também já fui convocada para participar dos
treinos da seleção brasileira - lembrou a caçula do trio, de 14 anos.
Convidada pela amiga Andreza, Emilyn resolveu seguir os passos da futura
companheira e trocou a bola branca usada no vôlei pela amarela do polo. A
decisão foi tão acertada que a chutadora rubro-negra logo chamou o reforço.
- Minha amiga Andreza já jogava e me chamou para treinar. Eu nem sabia o que
era polo aquático, mas fiquei curiosa e acabei aceitando o convite. Passei mais
ou menos um mês treinando na Rocinha e cheguei ao Flamengo ainda sem muita
noção. Até porque a piscina do complexo só tinha 2 metros de profundidade. Mas
gostei tanto que nem tive muita dificuldade na hora de escolher entre o polo e
o vôlei - lembrou Emilyn, de 15 anos.
Última a ingressar na
modalidade, Eloine reconhece que não se decidiu tão
facilmente como a amiga. Federada pelo América, a ponteira de 15 anos
que
sonhava em ser jogadora profissional de futebol chegou a conseguir
conciliar os treinos dos gramados com os da piscina, mas quando foi
obrigada a fazer sua escolha a paixão pelo clube
do coração falou mais alto.
- Eu gostava dos dois esportes, mas meu treinador no América me colocou contra a
parede e acabei optando pelo polo. Além de ser rubro-negra, eu achei que teria
mais oportunidade de me destacar no futuro num clube grande como o Flamengo. O polo aquático mudou tudo na minha vida, tenho
certeza de que fiz a escolha certa. Hoje sou mais responsável, muita mais
disciplinada e até mais paciente - afirmou Eloine.
Mas nem tudo são flores debaixo d'água. O contato físico nos jogos
masculinos pode até ser maior, mas as mulheres contam com algumas armas que só
elas possuem capazes de deixar marcas muito mais profundas nas adversárias.
- No feminino, o jogo também é pesado. Rola umas unhadas e as mesmas porradas
das partidas entre os homens. Somos obrigadas até a cortar as unhas
(risos) por conta disso. Às vezes, a gente também ganha um soco na cara ou umas mordidas - contou
Emilyn, que praticamente curou sua asma desde que trocou as quadras pelas
piscinas. - Eu tenho asma, mas há três anos que não uso mais minha
bombinha.
Técnico linha dura e coração mole
Responsável direto pela evolução das meninas, o técnico Antônio Canetti não dá moleza nem durante a entrevista. Entre uma interrupção e outra, o comandante com jeitão de "carrasco" não perde a oportunidade de cobrar e exigir profissionalismo de suas pupilas.
A voz rouca e a fala pausada de Canetti só são interrompidas quando as
meninas saem da berlinda e mostram o respeito e a confiança que depositam no
comandante, uma espécie de paizão das promessas rubro-negras.
- Se a gente der mole, ele pega até pelos cabelos (risos). Mas esse jeito
brigão dele é que nos estimula e serve como inventivo e motivação. Sabemos que
essas cobranças são para o nosso bem. Isso só nos dá ainda mais vontade de
treinarmos e provarmos que somos capazes de alcançarmos nossos objetivos -
disse Emilyn, a mais falante do trio.
Técnico
do polo aquático feminino do Flamengo, Antônio Canetti é o principal
responsável pela rápida adaptação das meninas ao polo aquático (Foto:
Marcello Pires)
Apesar da fama de linha dura, Canetti se derrete todo na hora de avaliar o
desempenho das meninas que até pouco tempo atrás sequer conheciam o polo
aquático. Cheio de orgulho e otimista com a temporada que começa em fevereiro, o
treinador do Flamengo não esconde a admiração e o orgulho que têm por suas guerreiras.
-
O potencial delas é enorme, e elas têm tudo para se tornarem grandes
jogadoras. Mas isso vai depender exclusivamente delas, pois a estrutura
oferecida pelo Flamengo é de primeira. O polo aquático feminino no
Brasil evoluiu demais de 2007 para cá. O que mais chama atenção é que
elas encaram essa oportunidade no esporte como uma maneira única de
mudar de vida. Essas meninas não entram para perder e são capazes de
reverter situações incríveis dentro d'água. Isso é muito legal e
gratificante - elogiou Canetti.
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