sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Aldeia Kaxarari encontra no amor pelo Flamengo parte da própria história

Era para ser um jogo qualquer. No Aluízio Ferreira fazia sol e as cores que se via em campo faziam menção a um grande clube carioca, o Flamengo. Até então nada demais, a não ser o fato de que os rubro-negros em disputa fazem parte de uma tribo, localizada em um distrito a mais de 300km de Porto Velho e com pouco mais de 500 integrantes. Trata-se dos Kaxarari. Independentes, eles conquistaram, em 1970, o direito à saúde, educação e posse de suas terras - garantidas por lei. Atualmente, eles têm garantido também o espaço no futebol rondoniense com o uniforme  vermelho e preto, do time do coração e que se mistura à tribo há tanto tempo que nem eles sabem ao certo como mensurar.

Time de futebol Kaxarari (Foto: Daniele Lira) 
Time de futebol Kaxarari devidamente uniformizada (Foto: Daniele Lira)


Para chegar à Porto Velho eles enfrentaram uma verdadeira saga. Aqui, durante a última semana, eles disputaram mais uma final do Campeonato Interdistrital, que está na 24ª edição. E voltaram bicampeões. Mas para chegar até o título, eles tiveram que enfrentar, várias vezes por semana, dependendo da disponibilidade do elenco, mais de 30km para treinar. O campo, localizado no distrito de Extrema (a 300km de Porto Velho), é frequentado desde 2009 pelo grupo, ano em que começaram a competir - e já foram campeões.

Sem saber ao certo há quanto tempo o amor pelo esporte surgiu na aldeia, o atual técnico, Anderson Kaxarari, conta que manter essa tradição, aliando cultura ao futebol, não é tão simples. Dos grandes desafios que eles precisam enfrentar, a distância e o deslocamento até a capital rondoniense é um deles. 

- O nosso amor pelo futebol surgiu como o amor pelo Flamengo. Nós não sabemos quando nem como, mas levamos adiante. O nosso povo gosta muito de esporte. A gente participa também de competição de vôlei e atletismo, mas futebol é a nossa paixão. Como não temos campo para treinar, precisamos usar o do distrito de Extrema, que fica distante uns 30km da nossa aldeia. De verdade? Nós gostaríamos de ter um gramado pra fazer um jogo na comunidade indígena. Temos até o espaço, mas não temos estrutura para fazer os jogos. 

Devidamente uniformizados, eles fazem questão de que as camisas, os calções e as meias sejam oficiais. Mas essa exigência não custou barato. O líder Zezinho Kaxarari conta que pra fazer tudo de maneira organizada, foi necessário ir até Rio Branco, capital acreana, aonde fizeram as compras. A arrecadação do dinheiro necessário para isso foi feita dentro da própria aldeia, já que patrocínio é algo desconhecido por lá. 

- Para os uniformes, que compramos em Rio Branco, tivemos que fazer uma vaquinha com os jogadores. Eles trabalham aqui na aldeia mesmo, uns como professores, outros na área da saúde, então todo mundo tem salário e resolveu ajudar. A gente não se importa em ajudar, todo mundo quer competir, de um jeito ou de outro.

Kaxarari (Foto: Daniele Lira) 
Tribo viajou até Rio Branco, capital acreana, para comprar os uniformes (Foto: Daniele Lira)
 
Por fim, cumprindo a função de líder, ex-jogador, treinador e palpiteiro, o mais falante Kaxarari faz questão de relembrar, em meio a entrevista ao GloboEsporte.com, sobre o que o Flamengo representa aos indígenas e complementa relembrando da época áurea do Rubro-Negro. 

- Nos jogos usamos as cores do Flamengo. Elas nos representam e não nego, sempre gostei muito do time. Na década de 1980 foi quando eu vi os jogos mais bonitos, mas com Zico e Cláudio Adão em campo não tinha como ser diferente, eles são ídolos e vão continuar sendo pra sempre. Hoje, infelizmente, vejo que o interesse pelo futebol é mais econômico e que virou um mercado, mas isso não acontece com a gente. Nós jogamos por amor e jogamos entre amigos, já que acreditamos na força dos laços.


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