terça-feira, 29 de julho de 2014

Fome, um pai herói e a lição da estreia no Flamengo: a trajetória de Marcelo

Marcelo zagueiro Flamengo (Foto: Reprodução SporTV)
Nem sempre o produto final de uma carreira de jogador de futebol apresenta os percalços e desafios vividos por eles. É o caso do zagueiro Marcelo, de 22 anos, que fez sua estreia com a camisa do Flamengo domingo, na vitória por 1 a 0 sobre o Botafogo, no Maracanã, em uma situação das mais complicadas para o time, então na lanterna do Campeonato Brasileiro.

No jogo, Marcelo teve boa atuação. No entanto, aos 44 minutos do segundo tempo,  quase pôs tudo a perder. Toda uma história de sacrifícios, que tem no seu roteiro fome, uma desilusão do futebol e a relação com o pai, responsável por manter o seu sonho vivo. Ali, em um erro grosseiro, o Botafogo esteve próximo do empate.

Os socos repetidos no gramado depois de o Flamengo se livrar do perigo representam a raiva do jogador, um desabafo pelo erro cometido diante dos problemas que venceu para estar ali. A grande chance de sua vida apareceu e estava disposto a não desperdiçá-la.

- Não fosse aquele erro, acho que poderia dar nota 10 para a minha atuação. Estava concentrado, ciente do que fazia. Com aquela falha no fim, se sai o gol, o time não teria reação. Lutamos muito o jogo todo e com o apoio do Léo Moura, Alecsandro, João Paulo... Wallace me abraçou e disse para eu me acalmar. Mas ali senti que a gente venceria - disse Marcelo.

A personalidade do jogador não o deixou se abater. Saiu do jogo de cabeça erguida. Sua história está na cabeça, contada em detalhes. Aos 19 anos, viu a fome de perto quando jogava nas categorias de base do Macaé. Ouviu promessas não cumpridas dos dirigentes. Sem jantar, foi caminhar pela praia acompanhado de outros jogadores para passar o tempo à espera do café da manhã.

Seus parentes sofriam em Juiz de Fora. Recolhiam dinheiro e volta e meia conseguiam mandar R$ 20 para o jogador se alimentar. Descobriu por terceiros que seria dispensado do clube, assim como todos os outros jogadores dos juniores. Estava com uma pubalgia e se desiludiu. Decidiu abandonar o futebol e voltou para a sua cidade. Foi trabalhar como marceneiro com o tio Marco. Sua avó Maria prometeu até dinheiro para que ele seguisse os estudos.

- Recebia R$ 300 de ajuda de custo no Macaé, mas eles não pagavam. A gente ligava para o supervisor e ele mandava se virar, dizia que não éramos moleques. Quando fui trabalhar com meu tio, ganhava R$ 150 por semana. Conseguia guardar alguma coisa. Mas meu pai foi guerreiro. Sempre assim. Onde vou carrego o nome dele comigo - disse Marcelo.

Paulo, seu pai, não se conformava em ver o filho desistir do sonho. Responsável por incentivá-lo ainda menino, em projetos esportivos de escolas primárias. Já se virava, pedindo dinheiro aos amigos, para comprar uma chuteira, a mais barata que fosse, para o filho participar. Quando havia desistido, ele o convenceu a aceitar um convite do Volta Redonda para conversar. Sabia que ali estava a última esperança.

- Ele arrumou um carro de um amigo e me levou. Chegamos lá, eu não acreditava muito no que me prometiam. Estava desiludido, parecia tudo muito fácil do jeito que falavam. Não queria mais sofrer. Ele se sentou atrás de uma caçamba de entulho, me chamou e disse que eu deveria aceitar. Que Deus havia me colocado naquele caminho. Começou a chorar. Não tive como recusar. Fiquei e hoje sou muito grato ao Volta Redonda - contou Marcelo.

pais marcelo flamengo (Foto: Bruno Ribeiro) 
Os pais Margarida e Paulo e avó Iracema com uma camisa que receberam do filho (Foto: Bruno Ribeiro)


No domingo, ele ganhou a sua primeira oportunidade no time com a lesão de Samir e a suspensão de Chicão, logo na estreia do técnico Vanderlei Luxemburgo. No fim do jogo, o alívio e apoio dos companheiros. Resolveu recompensar quem já havia gritado por ele anteriormente.

- Contra o São Paulo, na primeira vez em que fui relacionado, um torcedor ficou me chamando, pedindo minha camisa, dizendo que era de Volta Redonda. Domingo, ele estava lá de novo e entreguei a camisa do jogo a ele. Nem o conhecia, mas foi só por ele dizer que torcia pelo Volta Redonda. Tenho uma ótima relação com o clube e a cidade - afirmou.

Seus familiares chegaram a vir para o Rio acompanhar o jogo. Com a chuva que caiu, pediu que ficassem em casa sua mãe Margarida, duas irmãs e a mulher Suellen. O pai sequer deixou Juiz de Fora, segundo Marcelo, por ser "muito na dele". Na volta para os braços da família, confraternização, mas com a lição do jogo aprendida.

- Serve de aprendizado. Uma simples jogada pode criar um grande transtorno. Meu futebol foi sempre de zagueiro mesmo. Em Volta Redonda, diziam que eu era técnico, veloz, mas sei o momento certo de dar um drible ou o chutão. Mas eu me sinto um zagueiro zagueiro mesmo.

Do jeito que o professor gosta.

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