O sistema político brasileiro atual é bem semelhante ao nosso sistema carcerário: botamos um ladrão de galinha lá, e ele sairá um perito em roubo a banco.
1 - Uma questão de consciência
Se em minha consciência o sistema político brasileiro é altamente propenso à corrupção, e se a realidade me mostra que a simples substituição dos atores não muda o enredo da peça, neste caso eu deveria me abster de votar. Ora, que tipo de consciência é a minha que fica indignada com a corrupção, mas que não se constrange em votar em candidatos a corruptos? Ninguém que preserva em si um pouco de dignidade moral deveria votar num potencial ladrão. Reclamos da ladroagem e nos revoltamos com a roubalheira na política, mas ignoramos, sem o menor senso do pudor, que eles estão lá exatamente porque os elegemos.
Dirá então alguém: Mas nem todo político é ladrão!!!
Sim, é verdade!
Certamente deve haver um ou outro político que não se deixou corromper e que ainda não entregou sua alma a empreiteiros gananciosos; todavia, pela própria forma como se organiza a política vigente, tal homem público apenas serve de álibi para a manutenção desta estrutura podre e devassa. É bem verdade que em todo ofício ou ocupação há maus profissionais, contudo, esses são sempre a exceção; na política, ao contrário, a exceção são justamente os bons, os honestos, os que de fato fazem da política o que ela deveria ser, ou seja: a ciência da boa organização, direção e administração de nações ou Estados. No Brasil, o sentimento de impunidade aliado aos meios de acesso à corrupção, transforma potencialmente um cidadão honesto num político corrupto.
Perguntará ainda outra pessoa: Mas o voto nulo vai resolver o problema?
Não! O voto nulo não tem esta finalidade.
Quando votamos nulo demonstramos com clareza que não estamos satisfeitos com a maneira atual de se fazer política no Brasil, e que exigimos mudanças mais profundas, com mais rigor à impunidade e mais controle às ações dos políticos. O voto nulo é uma das maneiras de o cidadão manifestar sua repulsa, não à política em si, mas ao modo como ele é exercida em nosso país. É, portanto, uma forma de ação política.
Um entusiasmado eleitor poderá, enfim, argumentar que ao votar nulo a pessoa estará favorecendo os candidatos corruptos, os quais serão beneficiados com os votos das pessoas menos esclarecidas, que os colocarão no poder etc. O argumento, entretanto, ignora que o sistema político brasileiro (no qual estão incluídas todas as leis que protegem os políticos, bem como todas as regalias que fazem destes uma casta privilegiada entre nós) não será mudado por um pequeno grupo de honestos eleitos, uma vez que as mudanças sempre exigirão o voto da maioria dos parlamentares, os quais são notadamente corruptos e contrários às mudanças. Sem a constante e participativa pressão da sociedade, o que inclui o boicote pelo voto nulo, o resultado será sempre o mesmo, o que pode ser atestado pelo próprio histórico eleitoral do país.
2 - Uma forma de pressão
No âmbito do consumo, o boicote já se mostrou altamente eficaz, levando muitos comerciantes e indústrias a mudarem suas condutas e melhorarem seus produtos e serviços. Quando votamos nulo, anunciamos em alto e bom som que o “produto” político brasileiro que nos é oferecido está em péssimas condições e que precisa ser melhorado. Não podemos nos conformar com esta estrutura política de conveniências, em que os interesses pessoais e partidários de políticos permanecem acima dos interesses da coletividade. Não podemos tolerar uma estrutura em que as leis que beneficiam os agentes públicos sejam feitas e aprovadas por eles mesmos, sem qualquer consulta popular. Um exemplo emblemático refere-se ao famigerado “Foro Privilegiado”, inserido na Constituição Republicana do remoto ano de 1891 e ampliado pelos políticos na última Constituição de 1988, entre tantos outros...
3 - Uma exigência ao Voto Facultativo
Nas últimas eleições uma campanha do TSE ostentava para si o pomposo slogan de "O Tribunal da Democracia". Ora, que tipo de Democracia é essa que obriga um cidadão a deixar sua casa, contra sua própria vontade, para votar? A incoerência e de uma proporção tão absurda que transforma o sentido de "democracia" exatamente no seu oposto, ou seja: "ditadura". Enquanto o voto facultativo é preceito essencial nos países desenvolvidos, o voto obrigatório é característica típica de países autoritários. O voto obrigatório, no Brasil, é um dos muitos resquícios de leis restritivas que ainda prevalecem. É o que sobrou do velho sistema coronelista, sob uma nova roupagem. Antes tínhamos o voto de cabresto, hoje temos o voto obrigatório. Na prática, portanto, o voto obrigatório, que teve a chancela do ditador Getúlio Vargas, nada mais é do que uma forma de controle das massas, interessante apenas a políticos que, a depender das consciências livres e pensantes, jamais alçariam ao poder.
4 - Uma demonstração de desprezo
É comum entre os que se opõem ao voto nulo argumentarem que votando assim a pessoa estará "desperdiçando seu voto", como se o simples ato de votar fosse em si mesmo uma ação proveitosa ou benéfica para a sociedade. Ora, qual tem sido, afinal, o resultado prático dos nossos votos ao longo de toda essa democracia? Mesmo supondo que o candidato escolhido seja aparentemente honesto, ainda assim e em termos funcionais, o que resultou disso para a melhoria da ética na nossa política? Nada! E por uma razão basilar e própria da cultura política brasileira: o que interessa para o candidato é tirar vantagens pessoais e políticas da sua candidatura. Da forma como as leis funcionam para os políticos, pelo o modo como eles são punidos e pela facilidade de se deixarem corromper, mesmo o “honesto” não costuma resistir ao primeiro “olhar bondoso” de um empreiteiro. Sim, pois: o sistema político brasileiro atual é bem semelhante ao nosso sistema carcerário: botamos um ladrão de galinha lá, e ele sairá um perito em roubo a banco. Quando votamos nulo mostramos o nosso desprezo pela forma como se faz política aqui e, consequentemente, exigimos mudanças claras no modo de se punir aqueles que cospem nas caras de seus próprios eleitores, os quais não honram a função que ocupam, nem estão nem um pouco preocupados com o verdadeiro desenvolvimento do país.
5 - Uma opção e nada mais
Além de qualquer argumento contra ou a favor, o voto nulo pode ser apenas uma opção de quem não se interessa por política, seja por alienação, seja por indiferença, seja enfim, pela simples liberdade de não votar, sem qualquer razão ou motivo. É assim que funciona uma verdadeira Democracia.
É isso!
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