Amado
na Europa, só que mais pela gentileza e simpatia fora de campo do que
pelo futebol apresentado nos gramados, Ederson chega ao Flamengo para
vestir a camisa que um dia foi de Zico e "conhecer seu país", como diz
Patrizia Pighini, esposa, fiel escudeira e ex-representante. E a
história de Edy, como é tratado pela companheira, mudou exatamente
quando o novo 10 rubro-negro conheceu a empresária, 22 anos mais velha e
acostumada a lidar com jogadores do porte de Roberto Baggio, Salvatore
Schillaci e Trezeguet. Mas isso não garantiu a ele o sucesso no futebol
europeu. As críticas de torcedores e imprensa ao seu desempenho com as
camisas dos clubes são inversamente proporcionais aos elogios ao seu
comportamento e relacionamento com todos.
Na
França e na Itália, países onde jogou, Ederson deixa pouca saudade.
Nunca se impôs nas principais equipes que defendeu, Lyon e Lazio,
e não encontrou resistência para deixar ambos – desta vez, sai do clube
italiano para assinar um contrato de três anos com o Flamengo. Malas
prontas, ele embarca nesta quinta-feira rumo ao Rio de Janeiro, onde
será apresentado no dia seguinte, depois de realizar exames médicos. No
sábado, retorna à Itália para acertar os detalhes da mudança, voltando em definitivo para a Gávea no dia 30.
–
Edy está pulando de alegria. É incrível olhar no rosto e ver a
felicidade dele. Há um brilho nos olhos, porque queria muito jogar no
Flamengo, voltar a jogar no seu país. Ele saiu muito novo e, por isso,
não é tão conhecido no Brasil. Também por esse motivo quis voltar –
afirmou Patrizia Pighini, 51 anos, casada com o jogador desde 2008, em
entrevista ao GloboEsporte.com por telefone.
Sucesso esperado, mas não alcançado
Patrizia
e Ederson se conheceram em Nice quando o jogador defendia o clube do
litoral francês. À época, ela era empresária de jogadores, profissão que
exercia desde 1995, a convite do famoso gestor de carreiras italiano
Antonio Caliendo. Patrizia trabalhava num escritório da empresa em
Montecarlo, onde tem residência fixa, e começou a cuidar diretamente da
carreira daquele armador do Nice, então com apenas 19 anos.
Graduada
em economia na Universidade Bocconi – uma das mais prestigiadas da
Europa –, a empresária destacava sempre o talento do jovem cliente em
entrevistas. "Vocês vão ouvir falar muito do Ederson. Tem grandes coisas
destinadas para ele." Ou ainda: "Barcelona e Inter de Milão são alguns
dos clubes que já sondaram o Ederson." Embora o futuro do seu cliente
não tenha sido tão glorioso como as previsões da empresária e principal
fã do jogador, a sintonia entre os dois deu casamento.
– A
maturidade dele me impressionava. É uma pessoa que se interessa por
todos os aspectos da vida, além do futebol: economia, investimentos,
cultura, alimentação... Tudo. Fala espanhol, italiano, francês e quer
aprender também o inglês também, além da sua língua materna,
o português. É um profissional 100% dedicado, que cuida de todos os
detalhes – elogia Patrizia, que deixou de ser representante do jogador
depois do casamento e nascimento do único filho do casal, hoje com
quatro anos.
Vida pacata e lesões "em segredo"
Os
22 anos de diferença que separam as idades de Patrizia e Ederson não
condicionam a vida do casal. Nunca condicionaram, diz a esposa, que
ressalta a união e um comportamento distante dos holofotes da vida
social dos boleiros.
– Somos pessoas normais, com os pés no
chão, Não fazemos excessos, porque sabemos que um dia essa profissão de
jogador vai terminar. Pensamos muito nisso. A nossa vida é bem
tranquila. Raramente saímos, e o nosso filho é a prioridade.
Patrizia
esteve no Rio de Janeiro apenas uma vez, há mais de 20 anos e para
passar férias, mas está muito animada com a nova vida na "cidade mais
bonita do mundo pela natureza" – juntamente com Roma "pela cultura",
acrescenta. O casal ainda não decidiu onde vai morar, mas a mudança não
assusta os dois, que residem há muito tempo entre Itália e Mônaco.
E
ter uma situação financeira sob controle também explica a mudança de
ares. Embora não seja mais empresária de Ederson, Patrizia revela que
aconselhou o marido a tomar a decisão de voltar para o Brasil. Segundo
ela, o Flamengo não era a única opção, mas Ederson preferiu decidir logo
o futuro agora para não ficar pendurado até 31 de agosto, data de
encerramento da janela na Europa. Para isso, o brasileiro abriu mão de
uma boa parte do salário que recebia no Lazio – cerca de € 1,5 milhão
por ano (cerca de R$ 5,24 milhões). No Flamengo, o meia irá receber
anualmente R$ 2,5 milhões. Ou seja, menos da metade.
Inicialmente,
o Lazio não queria deixar o jogador sair de graça, mas acabou se
convencendo de que seria a melhor opção para os cofres do clube. Pelo
rendimento em campo, Ederson não estava dando retorno.Em
2011, o presidente do clube, Claudio Lotito, conseguira finalmente
contratar aquele jogador do Lyon que vinha acompanhando desde os tempos
do Nice. E o meia chegou com o rótulo de ser o novo "Totti do Lazio", o
camisa 10 que os alvicelestes sempre invejaram ao rival da capital. Só
que o meia não conseguiu corresponder às elevadas expectativas, isso
graças às várias lesões nos joelhos e na coxa esquerda.
Segundo
repórteres ouvidos pela reportagem, profissionais que acompanham
diariamente o clube, o brasileiro era visitante assíduo de uma clínica
romana para realizar tratamentos médicos. Mais do que isso, por vezes
era até encoberto pela esposa, que, segundo esses mesmos jornalistas,
dizia ser ela o paciente em tratamento, não o marido. O objetivo seria
impedir mais repercussão negativa em torno das várias lesões do jogador,
porque o assunto havia virado gozação em Roma.
Ederson e
Patrizia travaram algumas batalhas com a imprensa e torcedores que
inundavam as redes sociais de comentários polêmicos por conta das várias
lesões contraídas pelo jogador. O ápice foi em janeiro deste ano,
quando o brasileiro recusou a transferência para o Sampdoria. O Lazio
receberia o atacante Bergessio em troca, mas o negócio morreu na última
hora. A torcida se revoltou e acusou Ederson de se "agarrar ao seu
salário milionário no clube romano, mas sem fazer por merecer."
A
esposa defendeu o marido nas redes sociais com um enorme post – escrito
em italiano e depois compartilhado pelo próprio jogador – em que
acusava os críticos de não saberem "o que é crescer na miséria, falta de
comida na mesa, dormir em casa de lata com pavimento de terra (…) e ter
de dormir em bancos do vestiário sem ter dinheiro para pegar ônibus de
volta para casa." Era uma alusão às dificuldades que Ederson teria
passado na sua infância em Parapuã, no interior de São Paulo.
O
post repercutiu em todo a Itália. Positivamente. Torcedores
entrevistados pela reportagem lembram de Ederson e Patrizia como duas
pessoas "sempre muito gentis e educadas". Repórter do site
"Lazialita.com", Valerio Cassetta diz que o ex-Lazio "sempre se destacou
pela sua humanidade e simplicidade" – em sua despedida, o brasileiro
fez uma postagem em rede social para agradecer, em tom emocionado, os momentos que teve no clube italiano.
Ederson
não era o cara de chegar de carrão aos treinos. Em Roma, nunca exibiu
modelos como Ferraris por Roma - dirigia um Fiat 500. Na memória de
alguns jornalistas, além das celebrações dos gols imitando uma águia,
símbolo do clube, ficou guardado um episódio numa clínica de Roma com
uma fã.
– Lembro perfeitamente que, no começo da temporada
passada, ele e todos os jogadores passaram por testes médicos na
clínica, e ele viu uma menina numa cadeira de rodas aguardando para
tirar uma foto com ele. Ederson ficou tocado. No dia seguinte, voltou ao
local só para oferecer a sua camisa a essa menina. Ele é mesmo assim,
uma pessoa muito humana. Sempre foi muito disponível com todos e
demonstrou ser uma pessoa inteligente dentro e fora do gramado – afirma
Cassetta.
Nem meia nem atacante
Em
Lyon, onde Ederson jogou entre 2008 e 2012, a impressão deixada é
semelhante. Embora tenha atuado com mais regularidade pelo time francês
do que no Lazio, os jornalistas lembram dele como alguém de quem se
"esperava muito mais". Correspondente do jornal "L'Equipe" em Lyon,
Vincent Duluc ressalta que a transferência para o time romano aconteceu
apenas no fim do contrato, sendo que o Lyon não ganhou nada com o
negócio.
–
Se ele fosse realmente bom, teria sido vendido antes do fim do
contrato, e o Lyon teria ganho dinheiro com a sua saída. Ele saiu de
graça, no fim do vínculo – criticou o repórter.
Duluc, que
acompanha há vários anos o dia a dia do clube francês, descreve Ederson
como um "grande companheiro de equipe", "amado por todos", "uma pessoa
muito gentil e educada", mas diz que o brasileiro foi superestimado.
–
Ederson fez grandes coisas no Nice, é verdade, mas quando chegou a Lyon
todo mundo falava que ele seria o novo Juninho, só que nunca foi um
jogador muito importante para time. Nunca se impôs. Lembro que estava
sempre machucado, tinha uma musculatura frágil. Não dava para entender
direito se era um atacante ou um meia. Não marcava muitos gols e não
dava sequer muitas assistências. Seus números não eram muito
empolgantes. Ederson era como um 14º, 15º jogador do time.
Naquela
época, o Lyon jogava em um 4-3-3, sem um camisa 10 clássico, e Ederson
atuava mais pelas alas. No Lazio, o brasileiro também não teve tantas
chances para se apresentar como o armador do time. Alternou de posição
várias vezes. Só no Nice é que foi sempre um 10 clássico e,
curiosamente, alcançou os seus melhores números: 91 jogos em quatro
temporadas e 16 gols marcados. No Flamengo, a esperança da torcida é que
ele reencontre o futebol naquela que é a sua posição de origem.
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