Ano novo, vida velha. O regulamento do Campeonato Carioca de 2015
pouco mudou em relação ao de 2014, e pelo menos um artigo vai na
contramão do que esperam autoridades e especialistas. Enquanto a
reivindicação é por mais envolvimento dos clubes no combate à violência
das torcidas organizadas, a Federação de Futebol do Rio (Ferj) mantém,
desde 2013, um parágrafo que garante ingressos para essas facções.
Segundo o Parágrafo 2 do Artigo 11, "nas partidas com qualquer dos
clubes grandes, 5% da capacidade do estádio (...) poderão ser
transformadas em permissão de acesso destinada aos integrantes
cadastrados das torcidas organizadas, legalmente constituídas e sem
impedimentos de qualquer ordem, tomando-se como base de cálculo para
efeitos do borderô o valor de uma arquibancada inteira (...)."
Isso garante que as organizadas recebam entradas, prática condenada,
inclusive, por dirigentes e até jogadores, vítimas da violência dessas
facções. Oficialmente, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco se
recusaram, ao longo de 2014, a dar ingressos. Mas policiais afirmam que
apreensões em dias de jogos provam que a rotina continua.
- Essa facilidade das organizadas no acesso aos ingressos ainda
existe. Constatamos pelas apreensões em dias de jogos - diz o juiz
Marcelo Rubiolli, coordenador do Juizado Especial do Torcedor do Rio. -
Isso sustenta a lavagem de dinheiro, que muitas torcidas organizadas
fazem. Além disso, permite a entrada nos estádios de torcedores já
penalizados por atos de violência, sustentados por essas facções com a
conivência dos clubes.
Na teoria, o regulamento tenta proteger os torcedores pacíficos,
restringindo o benefício a facções sem punições e que mantenham o
cadastro de seus integrantes em dia. Mas, na prática, não é o que
ocorre. Segundo a Polícia Militar, as quatro maiores organizadas do Rio -
Fúria Jovem, do Botafogo; Torcida Jovem, do Flamengo; Young Flu, do
Fluminense; e Força Jovem, do Vasco - não têm cadastros atualizados.
O comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios
(Gepe), tenente-coronel João Fiorentini, afirma que essas quatro
organizadas "raramente passam mais de dois meses sem receber uma
punição":
- No Rio, estamos lutando e incentivando as organizadas a manterem
seus cadastros atualizados. A Fúria, do Botafogo, por exemplo, não tem.
Estamos restringindo a entrada de material de torcida. Mas sabemos que
eles têm, sim, facilidade de obter ingressos - diz Fiorentini.
No Carioca de 2014, pelo menos no papel, essas quatro torcidas
estavam sob punição. Mas era possível ver seus integrantes nos estádios -
e, segundo a polícia, graças a ingressos doados por seus respectivos
clubes.
- Enquanto existir essa cultura entre os clubes e as torcidas
organizadas, pouco vai mudar - opina o sociólogo Maurício Murad,
especialista em violência no futebol. - O controle já é falho para os
punidos, a impunidade já impera... Sem o empenho dos clubes e das
federações, fica impossível - alerta.
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