GLOBOESPORTE.COM: você chegou para a entrevista com a biografia do Zidane para dar ao Gabriel.
Disse que a ideia é ajudá-lo a ganhar confiança. Em um momento importante da
temporada, distribuiu exemplares do livro "Nunca Deixe de Tentar", de Michael
Jordan, para seus companheiros. Em quantos livros buscou essa ajuda no momento
de baixa no Corinthians e aqui no Flamengo?
Wallace: Nunca
gostei de livros de autoajuda, li poucos. Um livro que me chamou muito a
atenção, porque tem esse lance de dificuldades que a gente passa, foi o do
Agassi (autobiografia do ex-tenista). É muito parecido o sentimento que ele
tinha com o sentimento que eu tinha. De que isso não dá para mim, vou fazer
outra coisa, pensei em parar de jogar futebol. E no Corinthians eu pensei muito
nisso. Não que seja de autoajuda, mas a história dele dá para tirar coisas
boas.
No Corinthians, foi campeão de praticamente tudo. Ganhou
Libertadores e Mundial. Mas jogava pouco. Não era tão prazeroso viver aquilo na
condição em que estava?
Foi muito bom para mim, mas nunca tive sequência de jogos. A
maior foi de seis jogos. Cheguei do Vitória com a perspectiva de me firmar lá.
Nos momentos que pensei que seria titular, não fui por um ou outro motivo. Não coloco
culpa em ninguém. Um cara que aprendi a gostar foi o Tite, está entre os três
melhores do país. Aprendi muito com ele. Só que tive que mudar a característica
de jogo para me enquadrar. As duas vezes que seria titular eu fraturei o
tornozelo, em 2011, e fiquei quatro meses parado. Quando retornei, quebrei o
nariz. Lesões que acabaram me atrapalhando. E acho que também questão de não
ter me ambientado com o clima, a cidade, as pessoas são diferentes.
Diferentes como?
Estou acostumado ao calor das pessoas, em Salvador. Eu
sou reservado, mas ao mesmo tempo gosto de estar com muitas pessoas. Em
Salvador sempre tive muitos amigos. Em São Paulo era eu, esposa (Géssica),
filho (Lucas) e só. Fiz alguns amigos, mas poucos. Já aqui no Rio a primeira
coisa que encontrei no Flamengo foi amigo. Paulo Victor, Hernane, Cleber Santana,
Gabriel, João Paulo, o Val. Foram os caras que estiveram comigo num momento de
dificuldade, deram palavra de apoio, conforto. A diferença do Corinthians para
cá foi ter encontrado amigos. E a cidade também. O Rio é maravilhoso. Só não é
melhor que Salvador e nem minha cidade, Conceição do Coité-BA (risos). As
pessoas são receptivas, no Rio tem essa coisa mais tranquila, de amigos, andar
pela rua. Acho que influenciou.
Esses caras que você citou são amigos fora do futebol?
Sim. Paulo Victor é meu amigão. Quando eu for casar na
igreja, ele será um dos padrinhos. Hernane é outro. Cleber Santana (que não
está mais no Flamengo) mesma coisa. João Paulo. Gabriel vive em casa almoçando.
Os caras se tornaram amigos e quando for embora vamos manter contato. Essas
amizades vão se prolongar para o resto da vida.
De reserva a titular contestado. Agora, titular absoluto e
até capitão em alguns jogos. Foi tudo muito rápido?
Sem soberba ou hipocrisia, sabia que iria acontecer. Como
estava há dois anos sem jogar, o torcedor e a imprensa querem o resultado
momentâneo. Isso é normal. Futebol é muito dinâmico. Sabia que a partir do
momento que tivesse sequência de sete, oito, nove jogos, voltaria a ganhar a
confiança que tinha perdido. Fiquei praticamente dois anos sem jogar no
Corinthians. Jogava um jogo, ficava dez jogos fora. Para ganhar confiança assim
é muito difícil. E das vezes que joguei não comprometi. Em todos os momentos
difíceis o Tite me colocava porque ele confiava muito em mim. Entrei na final
do Mundial, entrei na final da Libertadores, nos dois jogos, então sabia que
voltar a jogar bem, voltar a me tornar uma referência na equipe, seria questão
de tempo. E minha mulher também me deu muito apoio. Nos momentos de dúvida
talvez ela acreditasse mais em mim do que eu mesmo. E aqui no Flamengo, quando o
Mano assumiu e me deu uma sequência de jogos, eu comecei a jogar bem. Tinha consciência
de que não estava jogando bem, continuei trabalhando, e ele me deu liberdade
para fazer o que eu fazia no Vitória. Quando o Jayme assumiu, foi questão de
sequência. O lance de ser capitão, nunca tive vaidade. Isso você conquista com
respeito do grupo, foi uma coisa natural. Tenho conquistado aos poucos.
No momento em que você chega, além da questão técnica,
falou-se muito do fato de ter Carlos Leite como empresário. Virou o símbolo da "era
Carlos Leite" no Flamengo. Se o jogador não rende, é mais um que veio pela
relação do clube com o empresário. Como vê isso?
Como eu não leio notícias, sabia por terceiros algumas
coisas. Sou muito grato ao Carlos, talvez tenha sido a pessoa que mais
acreditou em mim. No período difícil no Corinthians, ele sempre disse para eu
ficar tranquilo que no momento oportuno eu jogaria. E que quando tivesse sequência
desempenharia meu futebol. Ele não me conhecia de agora, me conhecia desde
2009, que foi quando me viu no Vitória. Além de termos relação profissional,
temos relacionamento pessoal muito grande, de confiança, nunca me pressionou.
Já tive empresário que me pressionava para jogar, o que é normal. Foi um cara
que me deu tranquilidade para que eu pudesse estar com a cabeça boa. Para, no
momento de jogar, jogar tranquilo. Independentemente de ser do Carlos Leite, o
Mano também é do Carlos, mas, quando assumiu, ele teve uma sequência e me tirou
do time. Ele poderia não ter me tirado. Sabia que tinha de mostrar dentro de
campo, e isso está acontecendo.
Nesse momento de decisão na Copa do Brasil, fala-se muito que
aquela goleada para o Atlético-PR, por 4 a 2, pelo Brasileiro, que resultou na saída do Mano,
foi o ponto da virada do Flamengo. O que mudou a partir daquilo? Foi um momento
da transformação?
Pelo fato de ninguém esperar a saída do Mano, sim. Mas eu
acho que o fato de termos entendido que no futebol tem que ter uma cumplicidade
muito grande. Passamos a ser cúmplices. A partir daquele momento o desempenho
cresceu, a equipe evoluiu dentro e fora de campo. Amadurecemos e entendemos nossas
limitações. A partir desse momento, que sabíamos que teríamos de dar mais, os
resultados viriam. Essa crescente foi por termos nos tornado um grupo cúmplice
um do outro, de termos nos tornado mais amigos. Hoje a gente compra a briga um
do outro. Isso eleva o nível de qualidade e comprometimento. Os resultados
chegam naturalmente.
E o papel do Jayme nesse processo?
Importante. Deu confiança, liberdade. Tem sido importante
para a gente também.
Nesta quarta-feira vocês começam a jogar a final contra o
Atlético-PR. Você perdeu uma final pelo Vitória em 2010, depois ganhou títulos
com o Corinthians, mas não jogando tanto. É diferente para você?
Confesso que no segundo jogo do Goiás estava ansioso, pois
poderia jogar todo um trabalho fora. E na minha cabeça seria muito mais
frustrante perder com 50 mil pessoas no estádio, tínhamos a confiança da
torcida pelo bom resultado em Goiânia (vitória por 2 a 1). Perder no Rio seria
frustrante. Um ano que não foi tão bom se tornaria pior. Não dormi umas duas
noites. Agora, contra o Atlético-PR, estou bem tranquilo, temos visto a
evolução da nossa equipe. Estou bem relaxado, tranquilo. Já perdi uma final
contra o Santos e sei que esse jogo vai ser totalmente diferente daquela equipe
que pegamos naquele ano (com Ganso, Neymar e Robinho), mas sabemos que a equipe
do Atlético-PR é qualificada.
Já perguntou ao Léo Moura o que é conquistar títulos pelo
Flamengo?
A gente ouve que é algo indescritível, só passando. Como foi
no Corinthians também, não tem como descrever. Mas acho que além da história
individual é o tri do clube. Todo os atletas estão empenhados para ganhar o
título, é perceptível. Algumas vezes a gente tem falado que temos de criar DNA
de campeão. Está aí a oportunidade. Jogadores jovens, nossa equipe é jovem.
Cinco ou seis têm bagagem maior. Você conquistar um título nacional dá mais
status, reconhecimento, respeito, futuramente mais valorização profissional.
Vontade, dedicação e alma serão entregues.
Nesses dias em que o preço dos ingressos tem sido tão
comentado, qual seria o valor da torcida nessa campanha?
Penso que a gente foi ganhando a confiança de acordo com os
resultados. Nossa campanha foi aos trancos e barrancos, sempre questionada. No
jogo do Cruzeiro, que o Elias fez o gol, acho que ali foi o momento certo que a
torcida foi e empurrou. Da forma como foi o jogo, como foi o gol. Aquele jogo
foi Flamengo. A partir dali, a torcida se tornou fundamental, era a nossa volta
ao Maracanã. No jogo contra o Botafogo, no 1 a 1, fizemos uma boa partida. E no
4 a 0 e nos jogos contra o Goiás. A torcida
tem sido importante, e a torcida do Flamengo é única. Só vivendo, só passando,
para poder descrever.
Wallace começou no Vitória e passou pelo Corinthians antes de chegar ao Flamengo neste ano
Você conseguiu superar um momento de baixa, de desconfiança.
Mas outros jogadores passam por isso mesmo com a chegada do time à final.
Carlos Eduardo é muito criticado, Gabriel também. Tem conseguido ajudá-los?
O Carlos Eduardo tem sido de extrema importância para o
nosso time. Sem querer ser político. É um cara que segura a bola na frente, mas
a torcida criou isso. Às vezes pega na bola e estão vaiando. Mas o torcedor é
passional. Acho injusto muitas vezes. Mas o cara acaba amadurecendo também.
Torcedor tem direito de vaiar. Mas quando vaia acaba prejudicando a equipe, o
grupo sente. Estão vaiando a equipe. O Carlos Eduardo tem sido de suma importância.
O Gabriel passa por um momento normal, não fez pré-temporada, não teve
sequência, tem oscilado. Mas fez excelentes partidas nesse ano. Cumpre a função
tática. Tem que aprender a lidar com esse tipo de situação. Só peço
encarecidamente que as pessoas tenham um pouco mais de paciência.
Você não altera o tom de voz, parece sempre muito centrado.
Como busca o equilíbrio?
Primeiramente em Deus. Sempre fui muito tranquilo, tem esse
lance baiano de ser mais relaxado. É questão da criação, meus pais (Edson e
Edna) sempre foram tranquilos, nunca fui arteiro. Acaba levando no decorrer da
vida. Na base sempre estava pelos cantos, relaxado, sossegado. E por ser
antissocial. É meio contraditório isso, mas gosto de ficar sozinho.
Além do hábito de devorar livros, soube que tem praticado
jiu-jitsu. O que te levou ao tatame?
Pratico há cinco meses aqui no Rio. Na época estava meio
p.... Não estava jogando, tinha de colocar a raiva para fora, aí comecei. Não
dava para bater em quem eu queria (risos), mas sempre gostei de arte marcial. Tinha
noção de judô, que fiz na infância. Mas me amarro, os caras me abraçaram. Uma
vez por semana vou lá.
E o que acrescentou?
Questão do equilíbrio. Sou muito relaxado, tranquilo, mas como
já não vinha jogando no Corinthians queria espairecer. Sempre quis fazer, mas
em São Paulo não achava uma academia legal. Mas um amigo indicou, fui, gostei,
aí depois passei a ir direto. Quando não estava jogando, ia em média três vezes
na semana. Jiu-jitsu vicia, é um xadrez, você tenta achar a brecha do
adversário. Sou faixa branca, estou aprendendo o basicão.
Então ir para o tatame melhorou seu desempenho no campo?
Tem dado essa ajuda, sim. Deu uma relaxada boa. Quando
chegava meio p... do treino ia lá e dava uma amenizada. Tem pouco flamenguista
lá, é mais vascaíno (risos). Me amarro. Fiz para dar uma amenizada no estresse.
Vou continuar, gosto. Perdi quatro quilos em um mês. Ajuda muito, é muita explosão
o tempo todo.
Você lê em média seis livros por mês, tem mais de 280
exemplares nas casas do Rio e Salvador. E a sua biografia. Está feliz com ela?
(Gargalhadas) Acho que tem muito a ser escrito. Daria um
livro pequeno. Daria uma biografia de 30 páginas. Tenho muito a escrever ainda.
E o que quer escrever?
Conquistar muitos títulos, me tornar referência no Flamengo.
Quero ficar o maior tempo possível aqui (tem mais três anos de contrato) e
fazer com que a torcida olhe para mim e veja um cara que veste a camisa do
Flamengo com alma. E ser feliz, viver a vida tranquilo, está ótimo para mim.
Você escreve alguma coisa?
Bobagens. Algo que dá na minha cabeça, mas são coisas
descartáveis. Escrevi algumas poesias, mas logo rasgava, jogava fora. Muita
bobagem.
O fato de ler, de se expressar bem, tira você do perfil da
maioria dos jogadores de futebol. A forma como são rotulados te incomoda?
Incomoda porque o lance de começar a ler foi para não me
rotularem de nada. Acho que o jogador também tem culpa disso muitas vezes.
Conheço muitos jogadores que não são escolarizados, mas extremamente
inteligentes. O pessoal confunde inteligência com conhecimento. São coisas distintas.
Mas eu não queria passar essa impressão de ser um cara que não entendia das
coisas, não ser chacota na hora de me expressar. Tem muito disso. Foi muito mais
para isso. O grande problema do jogador está na hora de fazer escolhas. Você
coloca o cabelo moicano, e os jogadores vão lá e seguem essa linha. Nunca gostei
disso. Esse lance de rotularem de burro me incomoda de forma absurda. E acho
que o jogador tem que se posicionar de uma forma diferente também.
Chega a conversar sobre isso com os companheiros?
Depende muito de quem dá liberdade. A gente fala sobre esse
tipo de coisa, e tem caras ali com quem aprendo muito. Se quiser falar de
investimento, pode falar com Paulo Victor. Sabe fazer dinheiro (risos). Pode
sentar com ele. Quer saber de história, história da vida, senta com Gabriel.
Cada um tem muita coisa para te ensinar. Sabedorias diferentes. Todo mundo tem
algo para te ensinar. Penso assim. E o jogador, infelizmente, com essa fama de
baladeiro, de gastar dinheiro com besteira, acabou sendo rotulado dessa forma.
Mas acho que também é muito da postura que você tem.
Dá para mudar?
Já tem mudado. Essa campanha do Bom Senso FC já passa um
posicionamento diferente do que era há um tempo, só parte financeira, noite. Isso
vai passando algo diferente para o torcedor e para a própria imprensa.
Você saiu de Conceição do Coité aos 11 anos, no sertão da Bahia, para jogar no
Vitória e casou-se aos 17. É muito precoce. Até por isso eu pergunto: já
tem definidos os planos pós-carreira?
Eu já tenho e não tenho. Penso em ser treinador. Mas preciso
me preparar de forma concisa, estudar, porque é importante. Como não tenho
tempo ainda, a ideia era fazer faculdade de Psicologia esse ano, acabou não
dando tempo. Vou empurrar para frente para estudar, fazer um curso de
treinador. Estou no futebol desde os 11 anos, tenho 25, e não tem como fugir. A
intenção é ser treinador momentaneamente. Mas a vida segue outros rumos na caminhada.
Vamos ver o que acontece.
E qual vai ser o perfil desse treinador?
Vou ser um treinador correto, de palavra, que estará junto
do grupo. Tudo que aprendi com quem tenho como referência na minha vida vou
tentar colocar em prática. Tentar filtrar as coisas mais importantes para ser
um treinador de gabarito alto.
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