terça-feira, 19 de novembro de 2013

Confira a íntegra da entrevista:



GLOBOESPORTE.COM: você chegou para a entrevista com a biografia do Zidane para dar ao Gabriel. Disse que a ideia é ajudá-lo a ganhar confiança. Em um momento importante da temporada, distribuiu exemplares do livro "Nunca Deixe de Tentar", de Michael Jordan, para seus companheiros. Em quantos livros buscou essa ajuda no momento de baixa no Corinthians e aqui no Flamengo?
Wallace: Nunca gostei de livros de autoajuda, li poucos. Um livro que me chamou muito a atenção, porque tem esse lance de dificuldades que a gente passa, foi o do Agassi (autobiografia do ex-tenista). É muito parecido o sentimento que ele tinha com o sentimento que eu tinha. De que isso não dá para mim, vou fazer outra coisa, pensei em parar de jogar futebol. E no Corinthians eu pensei muito nisso. Não que seja de autoajuda, mas a história dele dá para tirar coisas boas. 

 No Corinthians, foi campeão de praticamente tudo. Ganhou Libertadores e Mundial. Mas jogava pouco. Não era tão prazeroso viver aquilo na condição em que estava?
Foi muito bom para mim, mas nunca tive sequência de jogos. A maior foi de seis jogos. Cheguei do Vitória com a perspectiva de me firmar lá. Nos momentos que pensei que seria titular, não fui por um ou outro motivo. Não coloco culpa em ninguém. Um cara que aprendi a gostar foi o Tite, está entre os três melhores do país. Aprendi muito com ele. Só que tive que mudar a característica de jogo para me enquadrar. As duas vezes que seria titular eu fraturei o tornozelo, em 2011, e fiquei quatro meses parado. Quando retornei, quebrei o nariz. Lesões que acabaram me atrapalhando. E acho que também questão de não ter me ambientado com o clima, a cidade, as pessoas são diferentes.

Diferentes como?
Estou acostumado ao calor das pessoas, em Salvador. Eu sou reservado, mas ao mesmo tempo gosto de estar com muitas pessoas. Em Salvador sempre tive muitos amigos. Em São Paulo era eu, esposa (Géssica), filho (Lucas) e só. Fiz alguns amigos, mas poucos. Já aqui no Rio a primeira coisa que encontrei no Flamengo foi amigo. Paulo Victor, Hernane, Cleber Santana, Gabriel, João Paulo, o Val. Foram os caras que estiveram comigo num momento de dificuldade, deram palavra de apoio, conforto. A diferença do Corinthians para cá foi ter encontrado amigos. E a cidade também. O Rio é maravilhoso. Só não é melhor que Salvador e nem minha cidade, Conceição do Coité-BA (risos). As pessoas são receptivas, no Rio tem essa coisa mais tranquila, de amigos, andar pela rua. Acho que influenciou. 

Esses caras que você citou são amigos fora do futebol?
Sim. Paulo Victor é meu amigão. Quando eu for casar na igreja, ele será um dos padrinhos. Hernane é outro. Cleber Santana (que não está mais no Flamengo) mesma coisa. João Paulo. Gabriel vive em casa almoçando. Os caras se tornaram amigos e quando for embora vamos manter contato. Essas amizades vão se prolongar para o resto da vida. 

De reserva a titular contestado. Agora, titular absoluto e até capitão em alguns jogos. Foi tudo muito rápido?
Sem soberba ou hipocrisia, sabia que iria acontecer. Como estava há dois anos sem jogar, o torcedor e a imprensa querem o resultado momentâneo. Isso é normal. Futebol é muito dinâmico. Sabia que a partir do momento que tivesse sequência de sete, oito, nove jogos, voltaria a ganhar a confiança que tinha perdido. Fiquei praticamente dois anos sem jogar no Corinthians. Jogava um jogo, ficava dez jogos fora. Para ganhar confiança assim é muito difícil. E das vezes que joguei não comprometi. Em todos os momentos difíceis o Tite me colocava porque ele confiava muito em mim. Entrei na final do Mundial, entrei na final da Libertadores, nos dois jogos, então sabia que voltar a jogar bem, voltar a me tornar uma referência na equipe, seria questão de tempo. E minha mulher também me deu muito apoio. Nos momentos de dúvida talvez ela acreditasse mais em mim do que eu mesmo. E aqui no Flamengo, quando o Mano assumiu e me deu uma sequência de jogos, eu comecei a jogar bem. Tinha consciência de que não estava jogando bem, continuei trabalhando, e ele me deu liberdade para fazer o que eu fazia no Vitória. Quando o Jayme assumiu, foi questão de sequência. O lance de ser capitão, nunca tive vaidade. Isso você conquista com respeito do grupo, foi uma coisa natural. Tenho conquistado aos poucos. 

No momento em que você chega, além da questão técnica, falou-se muito do fato de ter Carlos Leite como empresário. Virou o símbolo da "era Carlos Leite" no Flamengo. Se o jogador não rende, é mais um que veio pela relação do clube com o empresário. Como vê isso?
Como eu não leio notícias, sabia por terceiros algumas coisas. Sou muito grato ao Carlos, talvez tenha sido a pessoa que mais acreditou em mim. No período difícil no Corinthians, ele sempre disse para eu ficar tranquilo que no momento oportuno eu jogaria. E que quando tivesse sequência desempenharia meu futebol. Ele não me conhecia de agora, me conhecia desde 2009, que foi quando me viu no Vitória. Além de termos relação profissional, temos relacionamento pessoal muito grande, de confiança, nunca me pressionou. Já tive empresário que me pressionava para jogar, o que é normal. Foi um cara que me deu tranquilidade para que eu pudesse estar com a cabeça boa. Para, no momento de jogar, jogar tranquilo. Independentemente de ser do Carlos Leite, o Mano também é do Carlos, mas, quando assumiu, ele teve uma sequência e me tirou do time. Ele poderia não ter me tirado. Sabia que tinha de mostrar dentro de campo, e isso está acontecendo. 

Nesse momento de decisão na Copa do Brasil, fala-se muito que aquela goleada para o Atlético-PR, por 4 a 2, pelo Brasileiro, que resultou na saída do Mano, foi o ponto da virada do Flamengo. O que mudou a partir daquilo? Foi um momento da transformação?
Pelo fato de ninguém esperar a saída do Mano, sim. Mas eu acho que o fato de termos entendido que no futebol tem que ter uma cumplicidade muito grande. Passamos a ser cúmplices. A partir daquele momento o desempenho cresceu, a equipe evoluiu dentro e fora de campo. Amadurecemos e entendemos nossas limitações. A partir desse momento, que sabíamos que teríamos de dar mais, os resultados viriam. Essa crescente foi por termos nos tornado um grupo cúmplice um do outro, de termos nos tornado mais amigos. Hoje a gente compra a briga um do outro. Isso eleva o nível de qualidade e comprometimento. Os resultados chegam naturalmente. 

 E o papel do Jayme nesse processo?
Importante. Deu confiança, liberdade. Tem sido importante para a gente também.   
 
Nesta quarta-feira vocês começam a jogar a final contra o Atlético-PR. Você perdeu uma final pelo Vitória em 2010, depois ganhou títulos com o Corinthians, mas não jogando tanto. É diferente para você?
Confesso que no segundo jogo do Goiás estava ansioso, pois poderia jogar todo um trabalho fora. E na minha cabeça seria muito mais frustrante perder com 50 mil pessoas no estádio, tínhamos a confiança da torcida pelo bom resultado em Goiânia (vitória por 2 a 1). Perder no Rio seria frustrante. Um ano que não foi tão bom se tornaria pior. Não dormi umas duas noites. Agora, contra o Atlético-PR, estou bem tranquilo, temos visto a evolução da nossa equipe. Estou bem relaxado, tranquilo. Já perdi uma final contra o Santos e sei que esse jogo vai ser totalmente diferente daquela equipe que pegamos naquele ano (com Ganso, Neymar e Robinho), mas sabemos que a equipe do Atlético-PR é qualificada. 

Já perguntou ao Léo Moura o que é conquistar títulos pelo Flamengo?
A gente ouve que é algo indescritível, só passando. Como foi no Corinthians também, não tem como descrever. Mas acho que além da história individual é o tri do clube. Todo os atletas estão empenhados para ganhar o título, é perceptível. Algumas vezes a gente tem falado que temos de criar DNA de campeão. Está aí a oportunidade. Jogadores jovens, nossa equipe é jovem. Cinco ou seis têm bagagem maior. Você conquistar um título nacional dá mais status, reconhecimento, respeito, futuramente mais valorização profissional. Vontade, dedicação e alma serão entregues. 

Nesses dias em que o preço dos ingressos tem sido tão comentado, qual seria o valor da torcida nessa campanha?
Penso que a gente foi ganhando a confiança de acordo com os resultados. Nossa campanha foi aos trancos e barrancos, sempre questionada. No jogo do Cruzeiro, que o Elias fez o gol, acho que ali foi o momento certo que a torcida foi e empurrou. Da forma como foi o jogo, como foi o gol. Aquele jogo foi Flamengo. A partir dali, a torcida se tornou fundamental, era a nossa volta ao Maracanã. No jogo contra o Botafogo, no 1 a 1, fizemos uma boa partida. E no 4 a 0 e nos jogos contra o Goiás. A torcida tem sido importante, e a torcida do Flamengo é única. Só vivendo, só passando, para poder descrever. 

Mosaico carreira Wallace Flamengo (Foto: Editoria de Arte) 
Wallace começou no Vitória e passou pelo Corinthians antes de chegar ao Flamengo neste ano

Você conseguiu superar um momento de baixa, de desconfiança. Mas outros jogadores passam por isso mesmo com a chegada do time à final. Carlos Eduardo é muito criticado, Gabriel também. Tem conseguido ajudá-los?
O Carlos Eduardo tem sido de extrema importância para o nosso time. Sem querer ser político. É um cara que segura a bola na frente, mas a torcida criou isso. Às vezes pega na bola e estão vaiando. Mas o torcedor é passional. Acho injusto muitas vezes. Mas o cara acaba amadurecendo também. Torcedor tem direito de vaiar. Mas quando vaia acaba prejudicando a equipe, o grupo sente. Estão vaiando a equipe. O Carlos Eduardo tem sido de suma importância. O Gabriel passa por um momento normal, não fez pré-temporada, não teve sequência, tem oscilado. Mas fez excelentes partidas nesse ano. Cumpre a função tática. Tem que aprender a lidar com esse tipo de situação. Só peço encarecidamente que as pessoas tenham um pouco mais de paciência.  

Você não altera o tom de voz, parece sempre muito centrado. Como busca o equilíbrio?
Primeiramente em Deus. Sempre fui muito tranquilo, tem esse lance baiano de ser mais relaxado. É questão da criação, meus pais (Edson e Edna) sempre foram tranquilos, nunca fui arteiro. Acaba levando no decorrer da vida. Na base sempre estava pelos cantos, relaxado, sossegado. E por ser antissocial. É meio contraditório isso, mas gosto de ficar sozinho.

Além do hábito de devorar livros, soube que tem praticado jiu-jitsu. O que te levou ao tatame?
Pratico há cinco meses aqui no Rio. Na época estava meio p.... Não estava jogando, tinha de colocar a raiva para fora, aí comecei. Não dava para bater em quem eu queria (risos), mas sempre gostei de arte marcial. Tinha noção de judô, que fiz na infância. Mas me amarro, os caras me abraçaram. Uma vez por semana vou lá.

E o que acrescentou?
Questão do equilíbrio. Sou muito relaxado, tranquilo, mas como já não vinha jogando no Corinthians queria espairecer. Sempre quis fazer, mas em São Paulo não achava uma academia legal. Mas um amigo indicou, fui, gostei, aí depois passei a ir direto. Quando não estava jogando, ia em média três vezes na semana. Jiu-jitsu vicia, é um xadrez, você tenta achar a brecha do adversário. Sou faixa branca, estou aprendendo o basicão. 

 Então ir para o tatame melhorou seu desempenho no campo?
Tem dado essa ajuda, sim. Deu uma relaxada boa. Quando chegava meio p... do treino ia lá e dava uma amenizada. Tem pouco flamenguista lá, é mais vascaíno (risos). Me amarro. Fiz para dar uma amenizada no estresse. Vou continuar, gosto. Perdi quatro quilos em um mês. Ajuda muito, é muita explosão o tempo todo. 

Você lê em média seis livros por mês, tem mais de 280 exemplares nas casas do Rio e Salvador. E a sua biografia. Está feliz com ela?
(Gargalhadas) Acho que tem muito a ser escrito. Daria um livro pequeno. Daria uma biografia de 30 páginas. Tenho muito a escrever ainda.

E o que quer escrever?
Conquistar muitos títulos, me tornar referência no Flamengo. Quero ficar o maior tempo possível aqui (tem mais três anos de contrato) e fazer com que a torcida olhe para mim e veja um cara que veste a camisa do Flamengo com alma. E ser feliz, viver a vida tranquilo, está ótimo para mim. 

Você escreve alguma coisa?
Bobagens. Algo que dá na minha cabeça, mas são coisas descartáveis. Escrevi algumas poesias, mas logo rasgava, jogava fora. Muita bobagem. 

O fato de ler, de se expressar bem, tira você do perfil da maioria dos jogadores de futebol. A forma como são rotulados te incomoda?
Incomoda porque o lance de começar a ler foi para não me rotularem de nada. Acho que o jogador também tem culpa disso muitas vezes. Conheço muitos jogadores que não são escolarizados, mas extremamente inteligentes. O pessoal confunde inteligência com conhecimento. São coisas distintas. Mas eu não queria passar essa impressão de ser um cara que não entendia das coisas, não ser chacota na hora de me expressar. Tem muito disso. Foi muito mais para isso. O grande problema do jogador está na hora de fazer escolhas. Você coloca o cabelo moicano, e os jogadores vão lá e seguem essa linha. Nunca gostei disso. Esse lance de rotularem de burro me incomoda de forma absurda. E acho que o jogador tem que se posicionar de uma forma diferente também. 

Chega a conversar sobre isso com os companheiros?
Depende muito de quem dá liberdade. A gente fala sobre esse tipo de coisa, e tem caras ali com quem aprendo muito. Se quiser falar de investimento, pode falar com Paulo Victor. Sabe fazer dinheiro (risos). Pode sentar com ele. Quer saber de história, história da vida, senta com Gabriel. Cada um tem muita coisa para te ensinar. Sabedorias diferentes. Todo mundo tem algo para te ensinar. Penso assim. E o jogador, infelizmente, com essa fama de baladeiro, de gastar dinheiro com besteira, acabou sendo rotulado dessa forma. Mas acho que também é muito da postura que você tem. 

 Dá para mudar?
Já tem mudado. Essa campanha do Bom Senso FC já passa um posicionamento diferente do que era há um tempo, só parte financeira, noite. Isso vai passando algo diferente para o torcedor e para  a própria imprensa. 

Você saiu de Conceição do Coité aos 11 anos, no sertão da Bahia, para jogar no Vitória e casou-se aos 17. É muito precoce. Até por isso eu pergunto: já tem definidos os planos pós-carreira?
Eu já tenho e não tenho. Penso em ser treinador. Mas preciso me preparar de forma concisa, estudar, porque é importante. Como não tenho tempo ainda, a ideia era fazer faculdade de Psicologia esse ano, acabou não dando tempo. Vou empurrar para frente para estudar, fazer um curso de treinador. Estou no futebol desde os 11 anos, tenho 25, e não tem como fugir. A intenção é ser treinador momentaneamente. Mas a vida segue outros rumos na caminhada. Vamos ver o que acontece.

E qual vai ser o perfil desse treinador?
Vou ser um treinador correto, de palavra, que estará junto do grupo. Tudo que aprendi com quem tenho como referência na minha vida vou tentar colocar em prática. Tentar filtrar as coisas mais importantes para ser um treinador de gabarito alto.



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