Um pagamento que gerou dois recibos com a mesma data - mas com
assinaturas e naturezas diferentes. Dinheiro circulando em espécie. E
R$ 25 mil que deveriam ter entrado na contabilidade do Clube de Regatas
do Flamengo - mas jamais foram registrados. Esses são os elementos da
estranha história do aluguel do gramado principal da Gávea para a
Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu) em março de 2012. Uma história
que está sendo investigada pela auditoria contratada pela diretoria que
assumiu o Flamengo em janeiro deste ano.
A história começou em março do ano passado - quando a CBRu alugou o
gramado rubro-negro para realizar um evento de rúgbi de sete (ou rugby
sevens - a modalidade olímpica do esporte). O evento aconteceu nos dias
10 e 11 de março de 2012. O Flamengo cobrou R$ 25 mil pelo aluguel de
suas dependências. Na hora de acertar o pagamento, porém, a confederação
foi surpreendida por um pedido:
- Iríamos fazer a transferência bancária. Mas o clube solicitou o
pagamento do valor em espécie. Transferimos o valor para uma agência no
Rio, sacamos e levamos ao clube - disse o presidente da CBRu, Sami
Arap.
O primeiro recibo: pagamento em espécie recebido da Confederação Brasileira de Rúgbi
O pagamento foi feito quatro dias antes da realização do evento - no
dia 6 de março. A CBRu, que fica em São Paulo, fez uma transferência de
uma agência bancária paulista, sacou o dinheiro no Rio e o levou ao
Flamengo. O profissional da confederação que levou a quantia ao clube
recebeu, inicialmente, um recibo assinado por um gerente.
- Quando o meu pessoal foi fazer o pagamento, já havia um recibo
pronto, assinado por um gerente do clube. Como não sabíamos se o gerente
possuía poderes, pedimos que o recibo ou fosse assinado por um
vice-presidente ou um diretor estatutário. Esse recibo consta na
contabilidade da confederação - disse Arap.
Outro recibo aponta funcionário como favorecido no depósito dos R$ 25 mil (Foto: Reprodução)
O recibo em questão com data de 6 de março de 2012 (veja imagem acima)
tem a assinatura do então vice-presidente do Fla-Gávea, Cacau Cotta, e
indica que o Flamengo recebeu R$ 25 mil da CBR. O clube descobriu,
porém, um outro recibo com a mesma data e valor, cujo favorecido é um
ex-funcionário - Carlos Eduardo da Silva Almeida no que, aparentemente,
seria sua conta pessoal.
Este documento é assinado pelo ex-diretor
executivo do Fla-Gávea, Renato Darlan, traz o número de uma agência do
Bradesco (0887-7) em Ipanema e de uma conta (0065XXX-X) cujo titular é
Carlos Eduardo da Silva Almeida e diz textualmente que o valor foi
depositado na conta dele. Mas - apesar dos dois recibos - a
contabilidade do clube não registrou a entrada do dinheiro. A assessoria
do Flamengo confirmou oficialmente a informação de que o montante não
entrou na conta do clube.
Carlos Eduardo, demitido em fevereiro, fala em documento forjado
Carlos Eduardo da Silva Almeida, ou Cadu, o funcionário supostamente
favorecido pelo depósito, foi demitido pelo Flamengo neste fevereiro de
2013. Sua demissão, inclusive, teria sido parte da crise que motivou a
saída de José Carlos Dias da vice-presidência do Fla-Gávea. Cacau Cotta
- que ocupava o mesmo cargo na gestão Patrícia Amorim - teria pedido a
Dias pela permanência de Cadu - que teria ligações com ele desde a
infância (teria sido criado no prédio onde Cacau morava). Dias não
concordou e resolveu demiti-lo - no mesmo e-mail em que pedia a saída do
gerente Clément Izard. A diretoria manteve Izard - o que fez Dias
renunciar. Mas Cadu acabou saindo junto - o que teria levado Cacau a
romper com Dias.
O GLOBOESPORTE.COM conversou com Carlos Eduardo. O ex-funcionário disse
inicialmente que o recibo com seu nome era forjado. E que poderia
provar que o dinheiro jamais entrou em sua conta.
- Eu não sei, isso foi uma calúnia, é um documento forjado, é xerox. No
momento em que levaram isso, puxei a minha conta toda, não vi nenhum
depósito de R$ 25 mil. Isso é mentira, tanto que isso é uma xerox,
totalmente forjada, isso aí qualquer um faz no Paint (software
para edição de imagens), qualquer programa faz. Eu puxei o extrato da
minha conta que estava no recibo, não tem nada de R$ 25 mil. Eu tenho
provas, é só puxar a minha conta toda e ver, como eu fiz na época.
Totalmente mentira isso, tem como provar. Inclusive quem veio falar isso
comigo foi o Clément. Posso te mandar o contrato, posso te mandar o
recibo deles afirmando que pagaram lá no financeiro (do clube). Falei
para o Clément que isso aí não tem problema nenhum.
Perguntado se poderia fornecer o recibo de pagamento direto na conta do clube, Cadu afirmou:
- Tenho, tenho, tenho... Tenho não, posso conseguir no clube. Posso enviar amanhã.
Um dia após esta primeira conversa, Carlos Eduardo mudou de ideia e
disse que não poderia mais enviar o comprovante de que o dinheiro não
entrou na sua conta. E acrescentou que foi demitido do clube por
perseguição de Izard.
- Estou muito exposto, não quero falar mais. Eu não sei por que fui
demitido, o Izard teve alguma implicância comigo. É uma pessoa
totalmente arrogante. É uma questão de perseguição na verdade. Não sou
primo do Cacau, conheço de outros tempos. O Clément nem falava comigo
direito. Mas foi muito arrogante com o pessoal - disparou Cadu.
O GLOBOESPORTE.COM procurou Izard - mas ele não foi autorizado a falar
pelo clube. Já Cacau Cotta disse que é natural pedir o pagamento em
espécie:
- É natural pedir o pagamento em dinheiro vivo para agilizar. O clube é
cheio de dívida. O Spanta Neném (bloco de carnaval que realiza ensaios
na sede de remo do Rubro-Negro) também paga em dinheiro, por exemplo.
Renato Darlan, o ex-gerente do Fla-Gávea que assinou o recibo com o
nome de Cadu como favorecido, afirmou que ocorreu um erro de
procedimento.
- Foi aberta uma sindicância na época mas não encontraram nada. Todas
as provas estavam bem apresentadas no jurídico e no financeiro. A grande
verdade é que essa nova diretoria está se preocupando muito em
encontrar erros do passado e nesse caso não vão encontrar, infelizmente
para eles.
Darlan deu sua versão para a existência dos dois recibos:
- O Cacau nesse período estava viajando, eu estava respondendo por ele.
Nós fizemos esse recibo, mas nem encaminhamos para a confederação,
porque percebemos que era uma falha de procedimento. E aí a gente
substituiu esse documento por esse assinado pelo Cacau de uma forma
correta.
Questionado como isso seria possível se Cacau estava viajando, Darlan respondeu:
- Mas depois, posteriormente, a gente fez um outro. Tanto é que o
pagamento foi feito depois desse recibo. Esse recibo assinado por mim é
de data consideravelmente anterior ao outro.
A data dos dois recibos, no entanto, é a mesma - 6 de março de 2012. Ao ser informado disso, Darlan deu outra explicação:
- Os dois são 6 de março? Mas enfim, a gente verificou que o
procedimento era errado e fez outro. Alguém pegou esse documento na mesa
do Cadu e distribuiu. Ato falho, porque a gente já tinha cancelado esse
e enviado o outro para o rúgbi. Inclusive já foram apresentadas as
contas do garoto, que não tinha nada a ver com a situação. Foi um
levantamento feito pelo Arthur Rocha, criador de caso número um do
Flamengo, e que na oportunidade não conseguiu provar o que tinha alegado
e ficou por isso mesmo.
Recibos de pagamento de aluguel de campo no Flamengo (Foto: Reprodução)
A auditoria em curso no Flamengo está apurando o caso. Depois de
confirmar oficialmente que os R$ 25 mil não entraram na contabilidade do
clube, a assessoria informou também que nenhum dirigente vai se
pronunciar sobre o caso até o fim do processo de apuração conduzido pela
Ernst & Young - que deve terminar até o início de abril.
Coincidência: assalto com mesmo valor
Pouco mais de um mês depois dos recibos - no dia 10 de abril - aconteceu uma coincidência. Foi noticiado pelo GLOBOESPORTE.COM,
com informações fornecidas por um dirigente da gestão Patrícia Amorim,
um assalto a um funcionário do clube. Dario Florentino Fernandes
registrou uma ocorrência na 14ª DP dizendo que foi orientado a buscar R$
25 mil na agência do Banco Itaú na Rua José Linhares, no bairro do
Leblon. A ocorrência registra que Dario saiu da agência, pegou um táxi
que andou por 550 metros até a Rua Fadel Fadel. Na Fadel Fadel, ele
saltou para caminhar mais 100 metros até a portaria do clube. Antes
disso foi abordado por um homem com uma pistola - que levou o dinheiro.
Seguranças do clube ainda teriam tentado perseguir o assaltante que
conseguiu fugir na garupa de uma moto que estava estacionada na Cobal
(que fica na mesma rua).
Por telefone, Dario afirmou que foi ao banco a pedido da então
presidente Patrícia Amorim e que o dinheiro que sacou no Itaú não era do
Flamengo. A verba seria destinada a um projeto social que a Patrícia
mantinha na sede da Gávea. Apenas o funcionário registrou a queixa. O
clube não participou da ocorrência que atualmente está em suspenso (em
outras palavras, a investigação não progrediu). Questionado sobre o
motivo de não ter sido acompanhado por qualquer segurança para um saque
de tamanho valor, Dario afirmou que não poderia falar mais por telefone e
sugeriu um encontro ao vivo - que não foi autorizado pelo clube.
Três dias depois do assalto aconteceu outra coincidência: a
contabilidade do clube acusou a entrada de algumas notas que
comprovariam despesas de melhorias na sede social, somando exatamente R$
25 mil.
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