A mansão Fadel Fadel, em São Conrado, que na década de 80 serviu de
concentração para Zico, Júnior, Adílio e outras estrelas do Flamengo,
está abandonada, inabitável. Com irregularidades fiscais, o clube tenta a
Certidão Negativa de Débito (CND) para encontrar uma solução para o
lendário imóvel da rua Jaime Silvado, que foi abrigo de ídolos, endereço
que guarda histórias e já teve canja de Jorge Benjor. Mas hoje está em
desafino.
- Tivemos proposta de envolver o imóvel em uma transação, mas não é
venda, continuaríamos com o patrimônio. Hoje a casa está parada, em
péssimo estado de conservação, inabitável e deteriorada. Temos questões
de irregularidades fiscais, precisamos da Certidão Negativa de Débito
(CND) para conseguir uma solução. Esse problema vem de alguns anos.
Existiu a ideia de ser utilizada como concentração para a base, mas há
muito tempo não usamos a casa. Não sei se será ainda nesta gestão, mas a
ideia é buscar uma solução – afirmou o vice-presidente de patrimônio do
Flamengo, Alexandre Wrobel.
Mansão que servia como concentração do Fla em São Conrado (Foto: Janir Júnior / Globoesporte.com)
Na década de 80, a mansão possuía dez quartos, jardim arborizado com
bancos espalhados, sala de cinema, refeitório, e uma mesa de sinuca que
animava os jogadores. Até a seleção brasileira, com Pelé, ficou no local
nos anos 60.
Júnior lembra com carinho dos animados dias e noites da mansão. Uma
época em que concentrar não era, para os jogadores, o pior momento do
futebol.
- Era como se fosse a nossa casa. Tinha sinuca, jogávamos um
baralhinho, dona Mara, seu Nivaldo, Zé Luiz, eram pessoas que
trabalhavam lá, conheciam a gente desde moleques, sabiam como cada um
gostava da salada, se o bife era bem ou mal passado, faziam pastéis. O
clima era muito legal. A gente acordava, ia para o jardim ler o jornal. O
hotel é muito restrito, ali tinha maior liberdade, recebíamos os
familiares – recordou o Maestro.
O ex-jogador também revela curiosidades, e uma espécie de revolução às
avessas quando o então técnico Carlos Alberto Torres pensou em abolir a
concentração.
- Ele queria acabar com regime de concentração, e ninguém quis. Os
jogadores todos foram para lá. Fazíamos brincadeira, entrávamos na
frequência de um rádio, começávamos a fingir que era uma entrevista,
falando que o Moisés (técnico) não mandava nada, ele ficava p... da
vida. Uma vez, o Carlinhos Niemeyer fez uma compilação de jogos do Canal
100, passamos dois dias assistindo. Também íamos ao cinema, que era do
outro lado da rua, no shopping – revelou Júnior.
O
jardim arborizado da concentração do Flamengo na década de 80. Júnior
revela clima familiar que cercava a mansão e curiosidades da época
(Foto: Agência O Globo)
Ele acredita que o clube poderia pensar em ter algum lucro com o imóvel.
- Pode ser bom economicamente de alguma forma, já que a estrutura é grande.
Certa vez, Adílio também comentou com carinho sobre a mansão, que era frequentada por jornalistas, torcedores e personalidades.
- Às vezes, tinha canja do Jorge Ben, do Pepeu Gomes... Eu também
brincava, fazia uma dança imitando o James Brown (risos). Era muito
animado.
A concentração na casa evitava gastos com as altas diárias do hotel.
Hoje, o time se concentra em um luxuoso hotel na Barra da Tijuca, a
poucos quilômetros da mansão Fadel Fadel, que chegou a servir de moradia
para meninos das categorias de base. O volante Jônatas, o zagueiro
Rodrigo Arroz e o atacante Fabiano Oliveira dividiram quartos em São
Conrado. A ideia é que no futuro, com o fim das obras no Ninho do Urubu,
o grupo possa ficar hospedado no CT.
Em 2007, ainda com Márcio Braga na presidência, o clube estudou
transformar a casa novamente em concentração. Durante três meses foram
realizadas reformas no imóvel. A ideia era que, em 2008, os
profissionais retomassem os hábitos da geração vitoriosa de 80, o que
não aconteceu.
Na época, também existia uma preocupação: com Zico e companhia, eram
quatro, cinco atletas em cada quarto. Atualmente, os jogadores foram
acostumados a serem divididos em duplas em hotéis cinco estrelas. Mudou a
época, mudou a mentalidade.
Atualmente, a mansão Fadel Fadel é o retrato do abandono. Um segurança
do Flamengo toma conta do local. Há alguns meses, dois moradores da
Rocinha, favela próxima ao imóvel, pularam o muro e tentaram se abrigar
no local, sendo expulsos imediatamente.
Fios, paredes rabiscadas, pedaços de concreto e um ar de nostalgia dão o
tom do local. Referência ao Flamengo, apenas em um adesivo com um
escudo do clube e um pôster de campeão apagado pelo tempo. O rubro-negro
Jorge Benjor um dia esteve por lá. Mas hoje a mansão Fadel Fadel seria
mais a casa muito engraçada cantada por Vinicius de Moraes: “Não tinha
teto, não tinha nada”.
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