Welinton é o culpado. A sentença vem antes mesmo do apito inicial do
árbitro. Aos 22 anos, o menino que sonhava ser ídolo do Flamengo foi
eleito o vilão por grande parte da torcida rubro-negra. As vaias começam
no anúncio da escalação e seguem durante a partida. Com 97 jogos pelo
profissional, sendo 86 como titular, nem mesmo os números parecem servir
como argumento de defesa.
O jogador que chegou à Gávea sem o tradicional bilhete de indicação
conquistou seu espaço nas divisões de base, ganhou títulos nas
categorias infantil, juvenil e juniores e foi campeão Sul-Americano pela
Seleção Brasileira sub-20. Mas não adianta. No julgamento da torcida,
Welinton é o culpado.
Welinton treina no Ninho do Urubu: zagueiro procura tranquilidade para trabalhar (Foto: VIPCOMM)
Com a voz serena – bem diferente do tom das vaias e gritos que pedem
sua saída do time – Welinton não polemiza, mas desabafa. Diz que sente o
peso da perseguição, revela a aflição dos pais, Antônio e Rosa, e o
apoio da mulher, Talita.
O zagueiro lembra o caso de Adriano que, com 19 anos, deixou a Gávea em 2001 execrado para voltar como Imperador em 2009.
- Não erro porque quero. Só o Weliton que é Cristo, que não presta. Não
precisa gostar de mim porque estou pedindo. Quero apenas fazer meu
trabalho para tentar dar alegrias – disse o zagueiro.
Welinton quer provar que não é o culpado. E se dá o direito de sonhar com um dia de herói.
GLOBOESPORTE.COM: Como começou sua carreira de jogador de futebol?
WELINTON: Comecei ainda moleque no futsal, no Tanguá,
lá em Rio Bonito. Fui aprender a jogar futebol ali, o professor viu que
eu tinha qualidade, mas que precisava melhorar algumas coisas. Depois
passei para o campo. Assim, comecei a sonhar, o que eu poderia ser um
dia.
E o sonho de jogar no Flamengo, começou quando?
E o sonho de jogar no Flamengo, começou quando?
Fui disputar um torneio em Friburgo, contra Vasco, Flamengo e os outros
grandes clubes do Rio. Naquela época, eu tinha dez anos e o Flamengo
fez uma sondagem, mas nada se concretizou. Meu pai conhecia uma pessoa
ligada ao futebol do Tanguá e disse que poderia aparecer a oportunidade
de fazer teste em algum time grande. Com 12 anos, ouvi a promessa de
jogar no Flamengo. Passaram alguns meses e nada. Tinha um amigo meu,
Max, que era de Tanguá e jogava na Gávea. Como a promessa não foi
cumprida, o Max disse que tinha um conhecimento e que poderia arrumar
uma data para eu fazer um teste.
Welinton com a camisa do Seleção: jogador foi campeão sul-americano sub-20 (Foto: Reuters)
Você, então, chegou ao clube por indicação?
Não. Conversei com meu pai e ele disse se tiver que acontecer, a gente dá um jeito. O Max disse que conseguiu que eu fizesse um teste, mas não era nada muito certo. Ele deixou claro que de repente eu chegaria lá e abririam as portas ou nem olhariam na minha cara. Todo mundo vai com olheiro, indicação. Eu, não. Cheguei e todos tinham um papel de indicação, tudo certinho, só eu que era errado na história. Conversei com o professor, que era o Mauro Felix, ele disse que eu não tinha sido indicado por ninguém, mas que todos merecem oportunidade. Fiz testes como lateral.
E como passou a ser zagueiro?
O professor perguntou se eu poderia jogar como zagueiro pela boa
estatura. Disse que tentaria. Não fui tão mal, mas também não sei se fui
tão bem (risos). Tinha dificuldades para pagar a passagem, acordar cedo
todo dia, estudar ao mesmo tempo. Passou um tempo e fui federado como
infantil e logo estava na concentração. Pura alegria. Cresci dentro do
clube, participei de competições, ganhei campeonatos no juvenil,
infantil e juniores. Isso foi importante para chegar ao profissional
E quando chegou ao time profissional?
Aconteceu, pois estava aparecendo bem nos juniores. Eles sempre sobem
jogadores por conta de lesões, cartões, e você ganha oportunidade. Nos
juniores você já é maduro em relação ao infantil, ao juvenil. A primeira
vez foi com Joel Santana, fiquei dois meses no profissional, em 2007.
Mas eu era muito garoto (17 anos). Voltei para os juniores porque era
muito novo. Foi minha primeira experiência. Passou um tempo, fui
convocado para a Seleção Brasileira e acabei campeão sul-americano.
Quando voltei, tinha maior rodagem e fiquei no profissional de vez em
2009, com o Cuca.
E desde o início você conviveu com a pressão que ronda um jogador do Flamengo?
Você imagina logo ser um grande jogador do Flamengo, o sonho de moleque
está logo ali. O jogador quer fazer tudo ao mesmo tempo, ser conhecido,
mostrar tudo dentro de campo. Com o tempo você entende que a coisa é
diferente, e também muito séria. Não é assim: chega, vai entrar, jogar,
ser idolatrado. Peguei um momento legal, o time estava para ser campeão
carioca, cheguei na metade do segundo turno do Carioca de 2009. Aprendi
com os grandes zagueiros, Fábio Luciano e Ronaldo Angelim. Foi
importante fazer parte daquele grupo.
Como você lida com a pressão que sofre no Flamengo, sendo sempre muito vaiado e criticado, o principal vilão?
É complicado. Ninguém sonha chegar ao profissional e, em vez de ser
idolatrado, você entra em campo e a torcida fala: “Welinton vai jogar,
Welinton vai estar em campo, vai dar errado”. Entro com um pouco de
receio, tenso, mas eu penso que tenho que fazer o meu melhor, ajudar
meus companheiros. O professor Luxemburgo sempre me dá moral, passa
tranquilidade. É ruim ter essa desconfiança de todos da torcida. Se eu
dou um chutão, estou errado, se saio jogando é sempre aquele “ahhhh”...
dou um passe para o companheiro que está apertado pela marcação, mas sei
que ele tem qualidade para fazer a jogada, e a torcida já acha que eu
errei. Essa pressão é ruim.
Como sua família reage diante disso?
Nenhum pai, mãe ou esposa gosta de ouvir isso. Imagina para o pai ver o
filho entrando em campo sendo vaiado por milhares de torcedores. Não
fico à vontade. Às vezes é um pouco demais, pois sempre me se esforço.
Eu me apego a minha esposa, que diz que sou um grande homem, um grande
jogador, que estará comigo nas vitórias e derrotas, na riqueza e na
pobreza, na alegria e na tristeza. Ela fala para eu não me acovardar.
Os números mostram que você foi titular em grande parte dos jogos...
O Luxemburgo me dá crédito, passa confiança, o grupo me apoia e dá
tranquilidade. Tenho os números ao meu favor. Não é possível jogar 100
jogos e não ter falhas. Você é um ser humano, não uma máquina que
colocam ali, programam e não vai ter erro nenhum. Existem erros e
acertos, futebol é isso. Não é possível que eu tenha tudo de ruim, não
está tudo errado. Eu acerto também. Sou ser humano e também tenho
qualidades.
Você teme que a pressão, as vaias prejudiquem sua carreira?
Em 2012, estarei com 23 anos, idade olímpica. Sonho estar nas
Olimpíadas, defender o meu país é importante. Mas claro que essa
pressão, as vaias e desconfiança podem atrapalhar. O técnico que vê de
fora sabe que tenho idade, mas sou contestado, a torcida não gosta. Ele
vai pensar: se a torcida pega no pé desse jogador, alguma coisa tem. Mas
vendo com bons olhos, acompanhando, quem sabe não aparece uma
oportunidade?
Em meio ao turbilhão de críticas você pensou em desistir de tudo, sair do Flamengo?
Não teve uma ou duas vezes de maior pressão. Vou citar o Flamengo e
Vasco, que eu errei (saiu jogando nos pés de Diego Souza, cometeu falta e
foi expulso). Já vinha desgastado da torcida, bastante coisa que
atrapalhava, entrava em campo já vaiado. Tudo é o Welinton. Antes, o
time estava com uma sequência legal de jogos, vitórias e ainda tinha
crítica, gente pegando no meu pé. Agora perde, a culpa é do Welinton.
Começa o jogo, sou titular e o torcedor: “Como vai ganhar com o
Welinton, como vai dar certo?” Quando estava ganhando, eu também estava
jogando. Trabalho com calma, os elogios vão voltar e o time vai vencer.
Welinton e David Braz comemoram juntos o título carioca deste ano (Foto: Maurício Val / VIPCOMM)
Já aconteceu com jogadores como Adriano saírem do clube
execrados pela torcida e depois voltarem como ídolos. O Luxemburgo disse
que seu futuro deve ser longe do Flamengo...
Tive propostas de Napoli, Stuttgart e Catania. A torcida deveria dar
valor agora, não mais tarde. Se um dia jogar num grande clube do
exterior, quero voltar para o Flamengo e ser idolatrado pela torcida.
Mas penso no momento atual. Estou no Flamengo, disputando um Brasileiro,
um dos campeonatos mais difíceis do mundo. Temos grandes jogadores que
saíram daqui vaiados, que não valiam nada - como sou hoje - e depois
voltaram a preço de ouro e considerados importantíssimos.
Quais são suas qualidades e defeitos?
Sou rápido e bom na bola aérea, tenho uma qualidade razoável, saio
jogando ou dou chutão, como o professor manda. Dizem que estou nervoso,
dando chutão, mas isso também é orientação. Posso melhorar nos passes
bobos, a marcação mais perto, firme, encostando no atacante. Talvez deva
falar mais em campo, orientar os companheiros. Posso melhorar. Sempre
procuro melhorar para ajudar o Flamengo.
O grande vilão eleito pela torcida sonha um dia ser herói?
Luto para melhorar, para dar alegrias ao torcedor. Quem não sonha um
dia ser herói, fazer um gol de título e entrar para a história de um
clube? Todo mundo almeja isso. Quem sabe não faço o gol que vai dar o
título brasileiro ao Flamengo?
Qual o recado que você mandaria para a torcida?
Para ter mais calma, paciência. Sou jovem, não erro porque quero.
Cometi erros, mas é preciso apoiar todos os jogadores. Só o Weliton que é
Cristo, que não presta. Isso atrapalha todo o time, porque é chato ver
um companheiro seu ser vaiado dentro de campo. Todo mundo quer ajudar,
estar junto para um objetivo só, que é vencer. Não precisa gostar de mim
porque estou pedindo. Quero apenas fazer meu trabalho para tentar dar
alegrias.
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