No dia 26 de agosto de 1976, o futebol brasileiro perdia precocemente,
aos 22 anos, uma de suas maiores revelações, o meia Geraldo Cleofas Dias
Alves. Em 2011, a morte do jogador do Flamengo e da Seleção Brasileira
completa 35 anos, e o "Esporte Espetacular" conversou com familiares,
amigos e companheiros de time e procurou saber mais detalhes sobre o que
aconteceu na operação para a retirada das amígdalas, que terminou na
morte de Geraldo após uma reação à anestesia.
O assoviador de Barão de Cocais
Dona Nilza Alves, hoje com 88 anos, teve nove filhos na pequena cidade
de Barão de Cocais, cerca de 100km da capital Belo Horizonte. Dos nove,
cinco tornaram-se jogadores de futebol. Dos cinco, Geraldo era o mais
habilidoso, reconhece a própria mãe. E o menino deixou Minas Gerais em
direção ao Rio de Janeiro com a ajuda do irmão mais velho. Washington
era zagueiro do Flamengo e apresentou o irmão à equipe da Gávea no
início da década de 70. Geraldo faria parte da "geração de ouro"
rubro-negra, comandada por Zico, maior ídolo da história rubro-negra.
Em campo, não demorou muito para Geraldo conquistar os companheiros e a
torcida. Campeão carioca em 1974 e convocado para a Seleção em 1976,
era uma das promessas do país para a Copa do Mundo de 78. Ficou marcado
pela elegância como jogava, com a cabeça em pé. Mas ficou mesmo
identificado pelo apelido curioso: "Geraldo Assoviador".
- Ele vivia assoviando, não só no campo, mas o dia inteiro. Assoviava
músicas que gostava, principalmente "Your Song" (do cantor Elton Jhon) -
lembrou Zico.
Anos 70: cabelos black power, música disco...
Se a década de 70 ficou marcada pelas roupas estravagantes, cabelos
black power e discotecas, jogadores de futebol talentosos e
contestadores marcavam posição. Ofensivo, irreverente, polêmico e
indisciplinado. Essas são algumas das características que definiram
Geraldo dentro e fora das quatro linhas. Paulo César Cajú e Afonsinho
faziam parte do elenco rubro-negro na época e fizeram amizade com o
mineiro, que também conheceu um vizinho cantor, ainda desconhecido:
Raimundo Fagner.
- O Geraldo era muito alegre, cheio de vida. Ele era reserva do Afonso,
que era nosso paizão no prédio. Um dia o Geraldo barrou o Afonso e
virou titular no Flamengo. Aí o Baianinho, que morava com o Afonso e
jogou no Vasco, chegou no nosso apartamento e disse que o Geraldo estava
chorando e queria parar de jogar porque barrou o amigo. Fomos todos
para lá e injetamos ânimo nele. Isso é para você ver o caráter dele -
recordou Fagner.
Mãe de Geraldo fala sobre o medo do filho de operaras amígdalas em 1976 (Foto: Reprodução / TV Globo)
Em 1976, o departamento médico do Flamengo indicou que Geraldo
precisava operar as amígdalas por conta de uma inflamação crônica na
garganta, considerada comum naquele tempo. A mãe do jogador revela que
ele não estava disposto a fazer a cirurgia:
- Quinze dias antes, o Geraldo falou comigo: 'Ô, mãe. Eles querem que
eu opere, mas eu não vou operar. Tenho muito medo' - revelou dona Nilza.
No dia 25 de agosto, o meia foi internado na clínica Rio Cor, em
Ipanema, mas a cirurgia não foi realizada. Segundo o jornal O Globo,
Hélio Maurício, presidente do Flamengo na época e médico da clínica, não
divulgou nenhum comunicado sobre a operação. No dia seguinte, Geraldo
foi internado às 7h para ser operado pelo médico otorrinolaringologista
Wilson Junqueira, que aplicou a anestesia local.
Vinte minutos após a cirurgia, Geraldo começou a se sentir mal e seu
coração parou. A equipe médica tentou reanimá-lo, mas às 10h30m Geraldo
morreu vítima de um choque anafilático causado pela anestesia. Ele tinha
apenas 22 anos.
- Parei o carro na porta da minha casa e minha mulher estava
desesperada. Eu sem saber de nada e minha mulher disse: 'tão falando que
o Geraldo morreu'. E aconteceu. Como dizem, em mil aconteceu com um e
infelizmente foi conosco - contou Lincon, irmão de Geraldo.
Com a morte do jogador, a suspeita de erro médico foi levantada. O
Conselho Regional de Medicina (Cremerj) abriu uma sindicância interna
para investigar o caso. Os médicos Wilson Junqueira, hoje já falecido, e
Célio Cotéquia (do Flamengo) foram absolvidos. Procurado pela
reportagem do "Esporte Espetacular", o Cremerj informou não possuir mais
os registros da sindicância.
Emoção e homenagens
O velório do jogador foi realizado na sede do Flamengo e mobilizou
jogadores, amigos e familiares. Craque do rival Fluminense e integrante
da "Máquina Tricolor" da década de 70, Carlos Alberto Pintinho era o
melhor amigo de Geraldo fora de campo. Depois de 35 anos, Pintinho
revelou que a perda do amigo o fez deixar o Brasil:
- O relacionamento que nós tínhamos era muito forte. Então, com a perda
dele, eu quis ir embora - disse o ex-jogador, antes de interromper a
entrevista emocionado. Hoje, Pintinho mora na Espanha.
Em homenagem ao jogador, um amistoso foi organizado no Maracanã:
Flamengo contra a Seleção Brasileira. De um lado, Zico. Do outro, Pelé e
Rivelino. Na tribuna de honra, o presidente Ernesto Geisel. O
Rubro-Negro venceu a partida por 2 a 0, e a renda foi doada à família de
Geraldo.
Trinta e cinco anos mais tarde, os amigos Paulo César Cajú, Afonsinho,
Zico, Pintinho e Fagner, a mãe dona Nilza e o irmão Lincon ainda se
emocionam ao lembrar do menino assoviador.
Flamengo 1976: em pé: Roberto, Toninho Baiano, Jaime, Dequinha, Vanderlei Luxemburgo e Merica; agachados: massagista João Carlos, Paulinho, Tadeu, Luizinho, Geraldo e Zé Roberto.
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