Uma conferida nas escalações dos principais clubes brasileiros sugere que o futebol nacional está em período de vacas gordas. Sobram craques que abandonaram o exterior para ganhar salários milionários por aqui. Não só veteranos do porte de Ronaldo, Deco e Roberto Carlos, que já rechearam suas contas jogando na Europa, mas também gente que ainda tem lenha para queimar. Casos de Valdívia, Keirrison, Rafael Sóbis e Fred. Sem falar em Neymar, que rechaçou os milhões do Chelsea para seguir na Vila Belmiro.
Esse quadro, que dá a ideia de finanças equilibradas e cofres abarrotados, distorce a realidade. A maioria está se endividando como nunca. PLACAR fez um levantamento para saber quais clubes do Brasil mais gastam com salários de jogadores. Entre os líderes do ranking, estão gigantes que há décadas convivem com dívidas gigantescas, como Corinthians, Fluminense e Palmeiras. Apesar de transformarem o ato de pedir empréstimos vultosos num gesto corriqueiro, os cartolas bancaram um aumento desenfreado nos salários dos jogadores. Prova disso é a comparação dos pagamentos atuais com o último ranking dos salários feito pela PLACAR. Em junho de 2009, o segundo maior salário era o de Adriano: 362 000 reais. Com o mesmo vencimento, ele ocuparia, agora, a sexta posição entre os mais bem pagos do país.
Ainda maior foi a inflação entre os treinadores. Vanderlei Luxemburgo e Carlos Alberto Parreira tinham os salários mais altos: 500 000 reais. Hoje, eles estariam em terceiro no ranking.
O jogador mais bem pago do país não mudou: ainda é Ronaldo (com 1,8 milhão de reais mensais). No Corinthians, ele ganhou a companhia de Roberto Carlos (300 000 reais mensais) e continua convivendo com Souza (175 000 reais) e Edu (cerca de 200 000 reais). O clube até que economizou com a troca de Mano Menezes por Adílson Batista. O atual técnico da seleção ganhava 350 000 reais e seu substituto no alvinegro recebe 250 000 reais. Só que Adílson vai engordar seu salário com cerca de 50 000 reais por mês, graças a um antigo débito do Corinthians com ele, dos tempos de atleta.
Para os cartolas corintianos, o gasto com o Fenômeno não conta na folha de pagamento porque o grosso de seus vencimentos vem de contratos de publicidade. Mas o dinheiro precisa entrar no clube para chegar ao atacante, que recebe 550 000 reais do Corinthians. “O valor que ele ganha de patrocínio não entra na folha de pagamento, isso é marketing”, diz o presidente Andrés Sanchez. De patrocínio, Ronaldo gera 20 milhões anuais para o Alvinegro e embolsa 15 milhões. “É como se ele pagasse para jogar”, diz Luís Paulo Rosenberg, vice de marketing.
Apesar dos altos gastos e de ter uma dívida que supera os 100 milhões de reais, a diretoria corintiana afirma que a situação está sob controle e que fechará o ano com superávit.
JEITINHO BRASILEIRO
Em tempos de gastança, os cartolas usaram a criatividade para buscar dinheiro. Mas o Fluminense segue fiel à antiga fórmula de ter um parceiro rico, no caso, a Unimed. A patrocinadora banca 2,5 milhões de reais dos 4,2 milhões da folha de pagamento, segundo dados da diretoria — concorrentes acreditam que o gasto mensal chega a 5 milhões de reais. A parceira paga em média 80% dos salários mais altos. Os valores assustam. Deco ganha 550 000 mensais e Fred, 460 000.
O Internacional também aposta em parcerias. Apoiado pelo torcedor fanático e milionário Delcir Sonda, o Colorado não poupa em contratações. Repatriou Rafael Sóbis, que chegou para ganhar 300 000 reais mensais, e possui muitos jogadores recebendo acima de 150 000 reais por mês. Para o técnico Celso Roth, paga 300 000 reais. O título da Libertadores ainda lhe rendeu 1 milhão de reais de premiação.
Diferentemente do Flu e do Inter, o Palmeiras prefere inovar. A contratação de Kléber, por exemplo, só aconteceu porque o clube trocou de patrocinador. Colocou a Fiat no lugar da Samsung e pegou 7 milhões de reais antecipados. Mais engenhosa ainda foi a operação para trazer Valdívia. Para pagar o Al Ain-EAU foi necessária uma fiança bancária, uma vaquinha entre o grupo de sócios-remidos chamado eternos Palestinos e uma parceria com o conselheiro Osório Furlan Júnior, que adquiriu 36% dos direitos do chileno.
Apesar de usar métodos diferentes, o Alviverde não fica muito atrás do Fluminense em gastos. Só Luiz Felipe Scolari ganha 700 000 reais. “Não pagamos nem a metade do que ele ganha. Quem banca a maior parte é o patrocinador”, diz o presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo.
Entre os jogadores, Kléber é o recordista com 373 500 reais mensais. Nessa conta entram luvas e valores que recebeu pela venda de parte de seus direitos. No total, ele fatura 2 milhões de euros por ano, livres de impostos. Logo atrás, aparece Valdívia, com 299 500 mensais. Nesse valor estão 500 000 euros de luvas diluídos nos salários, em cinco anos. “Contratamos jogadores caros, mas negociamos outros que ganhavam bem, como o Diego Souza e o Cleiton Xavier”, diz Belluzzo.
A mão aberta do dirigente não combina com seu discurso quando assumiu o Palmeiras e pregou uma união entre os times para que fosse estipulado um teto salarial a fim de botar um freio nos salários. “O teto só funciona se todo mundo cumprir o combinado. Se você faz o teto sozinho, você se ferra porque os outros pagam mais e levam o jogador”, afirma o presidente palmeirense.
Belluzzo é ainda um dos maiores entusiastas de uma prática que a maioria dos clubes adotou: o alongamento de dívida. Os cartolas pegam um empréstimo alto num banco para saldar débitos menores com outros bancos. E passam a ter apenas um empréstimo maior para pagar. Como garantia de pagamento, dão cotas de TV, patrocínios e até rendas dos jogos. O Palmeiras, por exemplo, conseguiu autorização de seu conselho de fiscalização para pegar 39,6 milhões no BMG dando as cotas dos próximos cinco Campeonatos Paulistas como garantia. Se não pagar, o banco recebe o dinheiro direto da Globo. A estratégia é criticada pela oposição, que acredita que o dinheiro é usado para pagar (altos) salários atrasados. O clube chegou a dever pelo menos dois meses de direitos de imagem. Além disso, os opositores alegam que Belluzzo jogou a dívida para seu sucessor.
“Estamos reestruturando a dívida do clube. É melhor pagar uma dívida longa com taxas baixas que uma curta com taxas altas. A oposição não conhece isso porque é coisa recente. Vou deixar uma dívida menor para o próximo presidente”, assegura o cartola.
No Rio de Janeiro, a prática de comprometer as cotas de TV também está sendo usada. Os quatro grandes do estado deram como garantia as receitas de transmissão do Campeonato Carioca de 2011. “Os clubes se veem na necessidade de gastar mais a curto prazo. Não acho que esse é o melhor dos caminhos. Mas, se eles pedem o nosso aval para não afundar, temos que dar”, afirma o presidente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, Rubens Lopes.
Mesmo assim, o vasco sofre com atrasos. No dia 20 de agosto, o clube pagou um dos dois meses que devia a seus jogadores. O time ainda tem que lidar com a penhora de sua renda para pagamento de dívidas trabalhistas antigas, uma delas para o atacante Euller. No clássico com o Fluminense, por exemplo, o time receberia 533 685 reais, mas pouco menos da metade desse valor foi penhorado.
Até quem se gabava de ter a casa arrumada, como o São Paulo, aderiu à moda. Recentemente, ofereceu pelo menos três anos de receitas de TV do Estadual para movimentar sua conta garantida, espécie de cheque especial.
O Tricolor, quinto que mais gasta, adotou outra prática entre clubes, em especial aqueles com altos salários de jogadores que rendem abaixo do esperado: emprestar atletas e continuar bancando parte dos vencimentos. Os são-paulinos ainda pagam 65 000 reais, metade do salário de Marcelinho Paraíba, emprestado ao Sport; e 50 000 reais para Washington, que ganhava 190 000 e está no Fluminense.
“As pessoas que me questionam sobre o Washington falam que ele está marcando gol no Fluminense. Mas a transferência foi interessante para nós, pelo momento que ele vivia aqui”, afirma João Paulo de Jesus Lopes, diretor de futebol do São Paulo, clube que tem uma dívida na casa dos 100 milhões.
O São Paulo ganhou fôlego com a venda de Hernanes, por 13,5 milhões de euros, mas mantém algumas medidas austeras em sua parte administrativa. Quando um funcionário de fora do futebol pede demissão, a prioridade é evitar contratar outro para a função — contenção de despesas que destoa de caras contratações para salvar o time, como a de Ricardo Oliveira, que recebe cerca de 200 000 reais mensais.
Outro cartola que põe a mão no bolso para pagar quem já defende outras cores é Luís Álvaro do Oliveira Ribeiro, presidente do Santos. Ele ainda banca 40% do salário de Fábio Costa, emprestado ao Atlético-MG. “É mais inteligente fazermos isso que pagar 100%. Quando cheguei aqui, gastávamos 2 milhões por mês a mais do que arrecadávamos”, diz Ribeiro. Quando ele substituiu Marcelo Teixeira, a folha de pagamento do clube era de 4 milhões de reais por mês. Caiu para 2,8 milhões, mas voltou a subir e hoje está em 3,3 milhões. Isso sem contar o mínimo de 1,5 milhão de reais por ano (125 000 por mês) prometido a Neymar em contratos de publicidade. Se o clube não atingir esse valor, tem que pagar do próprio bolso. Sem esses 125 000 mensais, Neymar ganharia 180 000 reais — mesmo salário de Paulo Henrique Ganso e menos do que Keirrison, que recebe 200 000 reais.
Tantos exemplos de gastança descontrolada mostram que o alto poderio dos clubes vai até a página 2, onde estão os mecanismos que eles usaram para ter grandes jogadores e técnicos. Novas estratégias e parcerias, que enchem os olhos dos torcedores, por seus resultados a curto prazo, podem significar, mais adiante, crises gigantescas. É o dilema do futebol nacional, em que os clubes precisam se endividar para tentar conquistar algo ou assistir de longe aos concorrentes se destacarem…
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