quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Dono da bola do Brasileiro, Marcos Braz revela: 'Esse foi o título da raiva'

A primeira preocupação de Marcos Braz quando o árbitro Heber Roberto Lopes apitou o fim de Flamengo 2 x 1 Grêmio não foi festejar o título Brasileiro. O dirigente preocupou-se em achar a bola do jogo. Estava ali a relíquia de uma conquista árdua e que o fez singelamente confessar: o título teve gostinho de vingança. Resultado da raiva que sentiu pelo que ouviu quando foi efetivado na vice-presidência de futebol, no fim de julho.

Eduardo Peixoto/GLOBOESPORTE.COM

Marcos Braz com as bolas dos títulos da Copa do Brasil de 2006 e Brasileiro de 2009

Os tempos eram outros. O técnico Cuca acabara de ser demitido e toda a cúpula do futebol, comandada por Kleber Leite, aproveitou o turbilhão político do clube e a posição insossa na tabela (11º lugar) para abandonar o barco. Marcos Braz recebeu o convite de Delair Dumbrosck e topou. Passou por momentos difíceis, como a derrota por 3 a 0 para o Avaí.

- Ali foi muito complicado. Estávamos com time destruído, cheio de garotos. Foi nossa terceira derrota consecutiva, as coisas não iam bem. Mas o Delair me deu respaldo, e eu também garanti o Andrade. Ainda bem, porque no fim valeu a pena - disse o empresário.

Mas engana-se quem pensa que Braz caiu "do nada" à frente do carro-chefe do Flamengo. Estava na diretoria dos esportes olímpicos. Lá, ajudou na conquista do bicampeonato brasileiro e no título sul-americano com o basquete. Porém, a praia dele sempre foi o futebol. Ao lado do mesmo Kleber Leite, participou do título da Copa do Brasil de 2006. Roubou a bola também. E a exibe orgulhoso.

- Foi mais legal conseguir essa. Até porque o mando de campo era do vasco. Pedi educadamente ao gandula. Ele avisou que não daria e virou de costas. Dei um leve toque e a bola caiu no chão. “Essa tu perdeu”, disse, enquanto pegava e saía correndo. Ele até fez cara de bravo, mas para quem trabalha no futebol isso é a coisa mais normal do mundo – contou, sorridente, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM no hotel que serve de concentração para o Flamengo, na Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro.

Listar obstáculos e êxitos da trajetória do título nacional demanda tempo e paciência de Marcos Braz. Vez ou outra, ele pede para acrescentar algum detalhe ao que havia dito. Como, por exemplo, destacar a participação do capitão Bruno.

- O futebol é muito complicado e hoje mesmo posso ter um problema sério com ele. Mas é bom deixar claro que o Bruno tem meu agradecimento especial. Ele entendeu meu sofrimento e minha agonia – desabafou o dirigente.

Confira abaixo a íntegra da entrevista do dirigente rubro-negro:

GLOBOESPORTE.COM: De onde surgiu esse fascínio por levar para casa as bolas dos títulos que participa?


Marcos Braz: - Certa vez, vi uma entrevista do Zagallo e ele falou sobre isso, que guardou a bola de um título. Aquilo ficou na minha cabeça. Quando conquistasse algo no futebol, a primeira coisa que faria seria pegar a bola. Fiz na Copa do Brasil, em alguns estaduais e no Brasileiro.

Quais foram as diferenças da Copa do Brasil de 2006 para o Brasileiro do ano passado?

- Ah, a Copa do Brasil foi o título do coração. Eu contribuía como diretor. Mas em 2009... Posso dizer que esse foi o título brasileiro da raiva! O sentimento era esse. Quando eu assumi, muita gente falou que o Flamengo iria cair para a segunda divisão, que comigo à frente a coisa iria degringolar. Escutei tudo e por isso foi um título tão especial. Embora eu saiba que não é um sentimento legal, foi raiva mesmo o que senti. É uma grande conversa fiada dizer que peguei o time bem encaminhado.

E a comemoração foi em tom de raiva?

(risos) - Olha, posso dizer que foi o único dia que perdi a linha. Foi um desgaste muito grande de julho a dezembro. Sei que no fim da noite do título, quase 6h, eu estava abraçado a três jogadores em cima da mesa da boate onde comemoramos o título. Não vou citar os nomes para não expor os meninos, mas estávamos um pouco animados.

Citam a manutenção do Andrade, o respaldo ao Petkovic e a contratação de Álvaro e Maldonado como seus principais acertos em 2009. Concorda?

- Não. Meu principal acerto foi cumprir noventa e cinco por cento das coisas que combinei com os jogadores. Isso desencadeou muitas coisas boas e gerou uma confiança grande deles em mim.

Houve algum momento que o grupo desistiu do título?

- Teve uma época que foi complicada. Ganhamos vários jogos consecutivos e não saímos do lugar. Nosso time parecia um caminhão sem freio descendo a ladeira, atropelando tudo e não entrávamos sequer no G-4. Tal situação provocou um desgaste no grupo. E a derrota por 2 a 0 para o Barueri também foi complicada. Ali muitos passaram a ver que a Libertadores seria nosso objetivo. Mas acho que, no fundo, cada um a seu modo acreditava.

Quem, por exemplo?

- Não gosto de citar jogador individualmente. Mas o Bruno me ajudou bastante... (pausa) Cara, o Bruno foi muito importante. Não estou falando só daquilo que ele fez dentro de campo, realizando defesas incríveis, pegando vários pênaltis. Até porque o Adriano e o Pet também foram decisivos. Meu agradecimento ao Bruno é interno. O futebol é muito complicado e hoje mesmo posso ter um problema sério com ele. Mas é bom deixar claro que o Bruno tem meu agradecimento especial. Ele entendeu meu sofrimento, minha agonia.

Logo após o título, a torcida do Flamengo preocupou-se com o noticiário. Saíram Aírton, Zé Roberto e posteriormente o Everton. As negociações para renovar contrato também não foram simples. O que ocorreu ali?

- O único contrato que tinha para renovar era o do Angelim e fiz. O Everton não tinha opção. Ele recebeu uma proposta milionária e não podia fazer graça. O jogador vai ganhar mais de cinco milhões de dólares (quase R$ 9 milhões). No caso do Zé, o Schalke o comprou há algum tempo por quatro milhões de euros (R$ 10 milhões) e só o liberaria se o vendesse. Eles estão certos, até por ser um jogador de 30 anos. É o mesmo caso do Flamengo com o Obina. Não tenho por que emprestá-lo se o contrato dele vai só até o fim do ano. Por último teve o Aírton. Veja bem, ele veio para mim e pediu para sair. Comigo, desde que a proposta não seja ridícula, o jogador só fica se quiser. E juro, de coração, que entendo o lado dele. No Benfica, o Aírton, que é um garoto novo, vai receber quase sete vezes o que ganhava aqui. Posso assegurar que o Flamengo não perdeu tanto. Poderia ser pior.

Por quê?

- Houve a manutenção do Adriano. Ele quis ficar, mas a diretoria teve que se mexer. Mais uma vez, felizmente, o Adriano mostrou que quer jogar no Flamengo. A proposta para ele foi absurda. Também surgiram vários interessados no Willians. Mas avisava logo: “Nem precisa terminar a frase. Esse eu não vendo”. O Léo Moura também foi alvo de outros times. Só que ele... Bem, o Léo Moura se quiser sair tem que torcer para eu ser demitido do cargo. Ele é um cara de caráter, que não tem substituto. Comigo na vice-presidência o Léo Moura não sai.

Mas ao mesmo tempo houve uma certa demora para repor as peças. O noticiário o incomodou?

- Não me senti pressionado. Faço os negócios com a certeza que vão dar certo, mesmo quando não dão. Contratei o Fernando sabendo que ele iria ajudar. O Love foi complicado também. Um jogador como ele vir de graça, pagando só os salários, não é simples. E a torcida pode ficar tranquila: teremos dois ou três nomes até a Libertadores para fechar o elenco. E ainda vou tirar alguns jogadores que oneram nossa folha. Mas quero ter um grupo grande.

Com quantos atletas?

- Ah, uns 30. Mas com qualidade. Não abro mão disso, porque esse primeiro semestre é duro. O Estadual é muito especial, o Flamengo nunca foi tetra e seria um baita presente para a torcida. Mas a Libertadores eu quero muito.

E o Flamengo tem orçamento para manter um elenco grande e forte sem se endividar?

- Vou cumprir o orçamento, mas quero ter liberdade. Se vou dar quinhentos mil reais a um e dez mil a outro, é um problema meu. Exijo gastar o que economizei. O elenco se valorizou com o título brasileiro e mesmo assim nos mantivemos dentro daquilo que o clube estabeleceu como teto. Por enquanto dei sorte nas contratações e espero que a torcida fique satisfeita com o elenco que vamos montar. Quando o reforço dá errado, a responsabilidade cai sempre no colo de um: o dirigente. Só quem senta na cadeira da vice-presidência de futebol do Flamengo sabe o tamanho da responsabilidade.

É a mesma responsabilidade que o Flamengo entra na Libertadores, após duas eliminações frustrantes nas oitavas de final de 2007 e 2008?

- A minha preocupação com essa Libertadores é absurda. Primeiro, porque, por causa da gripe suína, cada grupo só tem a priori um classificado. Arriscar entrar por índice técnico não é uma boa. E nosso grupo é o da morte. São adversários chatos. O Caracas não perde em casa há muito tempo, o Universidad do Chile tem muita tradição e ainda há o vencedor de Colón-ARG e Universidad Católica. Jogar em Santa Fé, na Argentina, dará um trabalho gigantesco por causa da logística (a cidade fica a mais de 400km de Buenos Aires). E o outro time chileno também é bastante enjoado. Será o grupo da morte, mas vamos sair vivos.

Tanto em 2007 quanto em 2008, a fase eliminatória da Libertadores coincidiu com a final do Estadual. O Flamengo saiu do torneio continental e levantou o troféu regional. Contra o América-MEX, na partida fora de casa, o Joel Santana chegou a poupar alguns jogadores do desgaste da altitude visando à decisão contra o Botafogo, dias depois, pelo Carioca. Qual será sua postura se ocorrer um caso semelhante neste ano?

- Ainda está cedo e não vou abrir a atitude que tomarei. Mas tenho certeza do que vou fazer. Vão querer me matar, mas faço o que for pela Libertadores.

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